segunda-feira, 8 de julho de 2024

Desmatamento desacelera na Mata Atlântica, mas fragmentação aumenta

Quando os primeiros europeus desembarcaram das suas caravelas no litoral do que hoje é o estado da Bahia, se depararam com uma floresta exuberante, rica em biodiversidade, que se estendia do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Desde então, as populações humanas começaram a avançar sobre o que é hoje conhecido como Mata Atlântica, derrubando-a para extrair commodities e abrir pastos, lavouras e estradas.

Apesar de tudo, a Mata Atlântica resiste. Um estudo, realizado por pesquisadores vinculados a universidades e instituições do Brasil, Argentina, Inglaterra, Noruega e Nova Zelândia, que analisou a dinâmica da vegetação do bioma durante 34 anos, de 1986 a 2020, trouxe boas notícias – mas também más.

O trabalho mostrou que nesse período houve, de maneira geral, desaceleração do desmatamento e aumento da conectividade entre seus fragmentos. Em contrapartida, o aspecto negativo é o aumento da fragmentação da floresta, com 97% das “ilhas” de mata tendo, em média, menos de 50 hectares.

Para realizar o estudo, os pesquisadores usaram uma delimitação ampla da Mata Atlântica, que inclui áreas do Brasil, Argentina e Paraguai, além de porções de vegetação que se espalham para o interior do país, em regiões sobrepostas ao Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal.

“Também utilizamos dados do MapBiomas com alta resolução espacial, analisando os anos de 1986, 1990, 1995, 2000, 2005, 2010, 2015 e 2020”, acrescenta o ecólogo Maurício Vancine, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), líder da equipe.

Somado a isso, foram considerados dois tipos de cobertura vegetal: vegetação florestal (floresta, mangue e restinga) e vegetação natural (a mesma, somada a outras não florestais, como savana, gramíneas e campos). “Além disso, tendo em vista a alta densidade de infraestruturas lineares, como estradas e ferrovias ao longo da Mata Atlântica, que tendem a subdividir os grandes fragmentos, o trabalho ainda considerou o efeito de borda”, explica Vancine.

O chamado efeito de borda é um conjunto de alterações nas beiradas de uma mata, causadas pela abertura de clareiras ou pelo desmatamento em seu entorno. Quando um fragmento de mata fica cercado por áreas abertas, ocorre um aumento da incidência de luz solar nas suas bordas, o que, por sua vez, provoca um aumento da temperatura do solo e diminuição da umidade do ar. Além disso, devido à abertura das áreas no entorno, as árvores que estão na borda do fragmento ficam mais expostas ao vento, o que as torna mais vulneráveis à queda

De acordo com o pesquisador, o estudo constatou que os remanescentes de Mata Atlântica somam 22,9% de vegetação florestal e 36,3% de vegetação natural, em comparação à extensão original do bioma. Isso representa uma diminuição, respectivamente, de 2,4% e 3,6% desde 1986. As rodovias e ferrovias afetaram principalmente os fragmentos maiores, com mais 500 mil hectares, reduzindo o seu tamanho entre 56% e 94%.

O período anterior a 2005, por sua vez, foi caracterizado por perda de 3% da vegetação florestal e 3,4% da natural, além da diminuição do número de fragmentos da vegetação florestal.

Em contrapartida, após 2005, a vegetação se estabilizou, com recuperação de 1 milhão de hectares de vegetação florestal (0,6% a mais). Isso tem a ver com o aumento do tamanho de fragmentos já existentes e à formação de quase 385 mil novos fragmentos. “Para a vegetação natural, houve uma desaceleração na perda da vegetação, caindo 0,25% entre 2005 e 2020, comparado a uma redução de 3,4% no período entre 1986 e 2005”, acrescenta Vancine.

<><> Cumprimento de leis favoreceu a regeneração

Para os pesquisadores, esse aumento da vegetação florestal foi provavelmente devido a dois processos concomitantes: regeneração natural e ações locais de restauração. Dentre as medidas de proteção, houve, entre 2004 e 2006, três leis criadas para a proteção da vegetação da Mata Atlântica. No Brasil, foi promulgada Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006) e alterada a Lei de Proteção da Vegetação Nativa em 2012 (Novo Código Florestal). Na Argentina, foi criada a Lei Florestal em 2007 e, no Paraguai, a Lei Desmatamento Zero em 2004.

Ainda no Brasil, o Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que exige informações ambientais de propriedades rurais privadas. Isso contribuiu para que houvesse um processo de regeneração natural da Mata Atlântica, aliado a fatores como transição florestal, ou seja, áreas sem aptidão agrícolas ou mal manejadas, que perderam sua função produtiva e foram abandonadas.

“Além disso, houve migração da população rural para as cidades, causando abandono de áreas antes utilizadas para agricultura familiar”, diz Vancine. “Outro fator importante foi a consolidação da produção agrícola que atendeu à legislação, principalmente Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de riachos, lagos e nascentes, além das Reservas Legais.”

Segundo a pesquisadora Renata Muylaert, da Universidade Massey, na Nova Zelândia, integrante do grupo, os resultados do estudo demonstraram a relevância da legislação ambiental para frear o desmatamento e promover o aumento de vegetação florestal, principalmente a partir de 2006.

“Esse ganho de vegetação é importante, mas precisamos ficar atentos aos objetivos de desenvolvimento sustentável e aos planos estratégicos discutidos durante a COP15, que nos guiam em relação ao compromisso de preservar a vida na Terra e proteger 30% de área terrestre e aquática até 2030”, ressalva ela.

Para ela, é necessário que se analise o contexto da Mata Atlântica como um todo, pensando em configuração espacial dos fragmentos e conectividade geral da floresta, para informar iniciativas de restauração que busquem um mesmo objetivo geral, como manter a biodiversidade e maximizar a provisão de serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas.

De acordo com os pesquisadores, a má notícia é que, apesar da desaceleração do desmatamento do e ganho de floresta, a Mata Atlântica ainda é um domínio altamente descontínuo, com 97% dos seus fragmentos abaixo de 25 hectares de área. “As áreas protegidas e territórios indígenas cobrem apenas 10% da vegetação do bioma, e a maior parte delas se encontra a mais de 10 km de distância”, diz Vancine.

O físico Bernardo Brandão Niebuhr, especialista em Ecologia e Biodiversidade do Instituto Norueguês de Pesquisa Ambiental, que também participou da pesquisa, tem outra ressalva. De acordo com ele, apesar de terem sido registradas novas áreas regeneradas ou restauradas de floresta, também se verificou a continuação da fragmentação e da subdivisão da vegetação já existente.

“No geral, quando se olha para os tamanhos médios dos fragmento, eles continuaram decrescendo ao longo do tempo, até 2020”, explica. “Ou seja, apesar da diminuição do desmatamento, devido tanto à restauração como à regeneração, de maneira geral, a Mata Atlântica continua a ser fragmentada.”

•        Desmatamento na Amazônia ameaça sobrevivência das abelhas que polinizam orquídeas

Com corpos azul e verde metálicos e asas iridescentes, as abelhas-das-orquídeas não são só insetos carismáticos. Elas são polinizadores especializados em florestas tropicais desde o México até o Brasil, e as principais responsáveis pela reprodução da castanha-do-brasil. Mas as abelhas-das-orquídeas também são um indicador de como o desmatamento e as mudanças no uso da terra afetam os ecossistemas e a biodiversidade, como sugere um estudo recente realizado em Rondônia.

Embora a perda de habitat não afete apenas polinizadores, as abelhas-das-orquídeas (gênero Euglossini) estão entre “os mais espetaculares, peculiares e economicamente importantes polinizadores que existem, uma vez que têm o potencial de chamar a atenção do público e dos formuladores de políticas”, diz o autor que liderou o estudo, J. Christopher Brown, professor de Geografia e Ciência Atmosférica na Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, acrescentando que as abelhas podem ser “as garotas-propaganda perfeitas” para a conservação da Amazônia.

A pesquisa, publicada recentemente na revista Biological Conservation, analisou como a mudança de uso do solo afeta a quantidade, a variedade e a composição das espécies de abelhas-das-orquídeas ao longo do tempo em vários locais no estado de Rondônia, na Amazônia.

A região é marcada por florestas neotropicais, fazendas de gado e pela produção de café, cacau, grãos, milho e castanha-do-brasil. Quando uma área é destinada para o uso humano, seja como pasto para pecuária ou para a agricultura, ela é, primeiramente, desmatada. Isso retira a cobertura de árvores, impedindo que muitas das espécies que dependem da diversidade de recursos consigam encontrar o que precisam. No caso das abelhas-das-orquídeas, que dependem de muitas fontes de alimentação diferentes, e cujos machos geralmente frequentam determinadas espécies de plantas para coletar perfumes para o acasalamento, a perda de vegetação é um problema gravíssimo.

Quando os dados foram coletados, entre 1996 e 1997, Rondônia estava entre as regiões mais diversas para as abelhas-das-orquídeas no mundo. Mas, entre os anos 2000 e 2023, Rondônia perdeu 27% de sua cobertura florestal, de acordo com a Global Forest Watch. E o desmatamento não está desacelerando. Em apenas uma semana, de 20 a 27 de maio de 2024, houve 127.301 alertas de desmatamento registrados no estado.

Para determinar como a ocupação do solo, a agricultura e o desmatamento afetam a espécie, Brown e sua equipe revisaram os levantamentos das abelhas feitos entre setembro de 1996 e setembro de 1997. Embora a coleta dos dados tenha acontecido quase 30 anos atrás, eles não tinham sido analisados até agora. “É muito gratificante finalmente ver a conclusão desse trabalho. Se os dados são bem coletados, documentados e analisados, eles nunca perdem a validade”, diz Brown.

Em vez de contar as abelhas-das-orquídeas em um fragmento de terreno durante um longo período de tempo, como acontece na maioria dos estudos desse tipo, eles coletaram abelhas de 130 locais em Rondônia. A amostra de mais de 2 mil abelhas, de 48 espécies diferentes, incluiu indivíduos de duas novas espécies ainda não catalogadas, e de quatro espécies que ainda não tinham sido registradas em Rondônia: Eufriesea violascens, Euglossa decorata, Euglossa ioprosopa e Euglossa viridis.

Ao comparar áreas conservadas a áreas que foram desmatadas antes e depois de 1981, os pesquisadores encontraram o maior número e diversidade de espécies de abelhas-das-orquídeas em unidades de conservação. Áreas que foram ocupadas mais recentemente, a partir de 1981, registraram abundância e diversidade médias de abelhas, enquanto as áreas ocupadas há mais tempo, antes de 1981, tiveram os valores mais baixos nesses dois quesitos.

“Nas unidades de conservação, encontramos 3,4 vezes mais espécies do que numa área de ocupação antiga, e 1,9 vezes mais espécies do que nas áreas ocupadas mais recentemente [em comparação com outras áreas ocupadas]”, diz Brown. “Esses números dão ideia do quanto o número de espécies cai quando você sai de áreas de floresta para áreas que foram desmatadas e ocupadas.”

Como as abelhas-das-orquídeas precisam de muitos tipos diferentes de plantas para se alimentar, fazer ninhos e acasalar, elas são consideradas indicadores das condições ambientais. As descobertas sugerem que, independentemente de uma área ter sido destinada à pecuária ou à agricultura há 10 ou 30 anos, as abelhas podem não encontrar mais os recursos de que necessitam.

Sem polinizadores saudáveis, a economia agrícola entra em colapso juntamente com os ecossistemas naturais. “Se estamos perdendo essas abelhas, é provável que estejamos perdendo muitas outras espécies”, conclui Brown.

Breno Freitas, zoólogo da Universidade Federal do Ceará, que não esteve envolvido no estudo, diz que os resultados não surpreendem.

“A maioria das pesquisas é feita em áreas fragmentadas porque é caro, demorado e difícil acessar áreas de floresta na Amazônia. Mas o que esse artigo traz de diferente é que eles não trabalharam com uma ou duas amostras, mas sim com muitos locais diferentes em situações muito diferentes. Esse tipo de dado tem muito mais chance de representar a realidade do que uma pesquisa fragmentada. Seria ótimo se pudéssemos ter mais trabalhos como esse”, conclui Freitas.

Daniel Souto Vilaros, pós-doutorando em Biologia da Universidade Estadual de Utah, nos Estados Unidos, que não esteve envolvido no estudo, diz que, embora a contagem não seja recente, fornece uma média importante para a biodiversidade na região, que pode ser comparada ao estado atual das abelhas-das-orquídeas à medida que o desmatamento e o avanço da agricultura continuam.

“Se eles replicarem o estudo agora, o fato de esses dados serem antigos será uma vantagem. Eles poderiam tentar encontrar áreas que foram desmatadas mais recentemente. Acho que seria interessante replicar o estudo ao longo do tempo e ver se o resultado se mantém. Acho que este seria o próximo passo”, disse Souto Vilaros.

O taxonomista Marcio Luiz Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa), que foi responsável por identificar as espécies de abelhas coletadas no estudo, espera continuar trabalhando com as abelhas-das-orquídeas na Amazônia porque ainda há muitas áreas que estão na mira da agricultura e da pecuária. “Gostaríamos de estudar as abelhas nessas áreas antes da devastação”, diz Luiz Oliveira.

Brown e seus colegas esperam que os resultados inspirem outros pesquisadores a testar diferentes métodos para mensurar a biodiversidade. “Você não precisa ficar em um fragmento de floresta durante um ano inteiro; você pode ir para várias áreas diferentes durante um período mais curto e aprender muito sobre determinada espécie”, diz Brown.

A pesquisa sobre as abelhas-das-orquídeas e as abelhas sem ferrão, ouro grupo de abelhas brasileiras, continua fornecendo um retrato mais amplo e detalhado dos polinizadores nativos da Amazônia.

“O monitoramento regular dessas populações pode nos ajudar a ver com mais clareza os impactos da destruição da biodiversidade da qual dependemos para nossa sobrevivência, e trabalhar com as partes interessadas para garantir que esses polinizadores continuem existindo em nossas vidas”, diz Brown.

Ele acrescenta que, embora não conheça nenhum caso de reversão do declínio das espécies de abelhas-das-orquídeas, é essencial desacelerar o desmatamento e a fragmentação do habitat para que os recursos de que as abelhas necessitam para nidificar e se alimentar possam sustentar as populações existentes e futuras e permitam a continuidade do fluxo genético. Para as abelhas-das-orquídeas, isso inclui a manutenção das flores das quais coletam perfume para acasalar.

“Pode parecer piegas, mas os polinizadores são essenciais para a sobrevivência humana”, diz Brown. “E com uma abelha tão bonita, podemos atrair o interesse das pessoas para conhecerem mais, pois esses polinizadores são muito importantes para ajudar as pessoas a entenderem que estão conectadas a tudo ao seu redor.”

 

Fonte: Mongabay

 

 

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