sexta-feira, 5 de julho de 2024

Como divórcios estão reduzindo a desigualdade de gênero

Mães solteiras são um dos grupos mais vulneráveis nas sociedades ao redor do mundo. Na Suécia, no entanto, o número de mulheres arcando sozinhas com as responsabilidades de cuidado diminuiu quase pela metade ao longo das últimas duas décadas.

O que causou essa mudança? Seria uma exceção à tendência global de aumento de separações e divórcios?

Não, o número de dissoluções de uniões na Suécia ainda está entre os mais altos do mundo. O que estamos observando é uma mudança nas separações.

A Suécia não apenas lidera em termos de taxas de divórcio, mas também é líder mundial quando se trata de dividir a guarda das crianças igualmente. Quase metade das crianças com pais separados agora dividem seu tempo igualmente entre os dois lares.

Em nosso novo estudo, publicado na revista Social Forces, queríamos descobrir em qual medida essa mudança notável nos arranjos de vida alterou a divisão de trabalho de cuidado entre os ex-cônjuges.

Partimos da hipótese de que o efeito de tais dissoluções de união pode levar a uma maior igualdade de gênero do que quando as crianças viviam apenas com suas mães.

Ultimamente, a guarda "meio a meio" requer que os pais assumam integralmente a responsabilidade pelo cuidado da criança metade do tempo — algo que poucos pais em parceria fazem. Portanto, isso poderia impulsionar os pais para uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidado.

Como medida de trabalho de cuidado, examinamos uma das desigualdades mais persistentes entre mulheres e homens nos países de alta renda hoje: tirar licença do trabalho remunerado para cuidar de uma criança.

Usamos dados de registros administrativos que cobrem toda a população da Suécia — com medidas de licença tanto da mãe quanto do pai de cada criança, tanto antes quanto depois do divórcio.

Nossos resultados mostram que, na Suécia, o divórcio levou a um aumento na participação dos pais nos dias de folga do trabalho para cuidado.

Concluímos que, enquanto os divórcios nas últimas décadas haviam atrasado a revolução de gênero na Suécia — com as mães tradicionalmente assumindo toda a responsabilidade — agora estão tendo o efeito contrário.

•           Líderes mundiais?

Não estamos tentando argumentar que o divórcio seja algo bom. Acreditamos, em vez disso, que os divórcios ajudam a expor o lar conjunto como um ambiente altamente marcado pelo gênero.

Casais heterossexuais na Suécia, e mais amplamente ao redor do mundo, tendem a cair em dinâmicas de gerente-auxiliar, em que a mãe assume toda a carga administrativa e mental e delega apenas tarefas específicas para o pai cumprir.

Esta é uma dinâmica que ao longo do tempo parece inevitável e impossível de ser quebrada.

Mas os arranjos de vida "meio a meio" viram essa dinâmica de cabeça para baixo, porque não é mais possível assumir esses papéis fortemente marcados pelo gênero — a mãe não pode planejar a casa de seu ex e o pai não pode esperar que isso aconteça.

A lição é que os homens podem e cuidam de crianças por conta própria. Se os homens suecos conseguem fazer isso, a incapacidade de outros homens não pode ser inevitável.

Homens suecos não têm uma composição biológica diferente dos outros homens, então parece que os estereótipos culturais são os culpados.

Os aumentos no divórcio poderiam mudar atitudes em um nível mais profundo ao longo do tempo. Quanto mais vemos homens cuidando de seus filhos, mais normal isso parecerá.

Chefes podem parar de se incomodar com pais que tiram tempo para ficar em casa com seus filhos, e as mães podem achar mais fácil confiar que seus parceiros assumam mais cuidados infantis e tarefas domésticas.

A experiência sueca pode indicar para onde outros países estão indo. Dito isso, a Suécia está à frente de muitas maneiras.

Por exemplo, graças a políticas familiares generosas, pais suecos agora tiram três meses de licença parental para ficar em casa com seus bebês enquanto a mãe retorna ao trabalho — proporcionando uma oportunidade crucial para se vincular e aumentar a confiança no cuidado infantil.

Na Suécia, diversas mudanças relacionadas à família, incluindo o aumento do divórcio e a maior participação dos pais no cuidado infantil, têm sido pioneiras em tendências posteriormente observadas em toda a Europa e América do Norte.

A moradia dividida com o pai após o divórcio parece ser mais um desses desenvolvimentos.

Embora outros países ainda não observem a mesma reversão no efeito geral do divórcio sobre o trabalho de cuidado, casais que praticam arranjos de moradia "meio a meio" nesses países podem já estar experimentando uma divisão mais igualitária do trabalho de cuidado após a separação.

E isso é uma boa notícia, não apenas para as mulheres que afirmam de repente que "pela primeira vez... ex-maridos estão fazendo a sua parte justa", mas também para os homens que não precisam mais lidar com a dor associada à sensação de perder seus filhos após uma separação.

 

•           Deixar de amar alguém é motivo suficiente para se divorciar? Por Marcia Zug, em The Conversation

Costuma-se dizer que "primeiro vem o amor, depois vem o casamento". Mas nem todas as pessoas concordam.

É cada vez mais contestada a ideia de que o amor é o motivo mais importante para se casar – ou, pelo menos, para permanecer casado.

Nos Estados Unidos, legisladores e especialistas republicanos vêm rejeitando a possibilidade de divórcio imotivado. Eles questionam a noção de que deixar de amar o parceiro é uma razão válida para pôr fim a um casamento.

Como professora de direito da família, sei que estas opiniões não são novas.

A atriz e socialite Zsa Zsa Gabor (1917-2016), certa vez, fez o seguinte gracejo: "Divorciar-se só porque você não ama um homem é quase tão insensato quanto se casar com um apenas porque você o ama."

Gabor provavelmente estava brincando, mas o ataque republicano ao divórcio é sério.

<><> A história do divórcio nos EUA

Na maior parte da história dos Estados Unidos, era difícil conseguir o divórcio.

Em muitos Estados, ele era terminantemente proibido, enquanto outros permitiam a separação dos casais apenas em circunstâncias muito limitadas – normalmente, casos de crueldade, deserção ou adultério.

Por isso, os casais infelizes que não conseguiam comprovar esses motivos não encontravam uma saída.

Em 1969, a Califórnia passou a ser o primeiro Estado a permitir o divórcio imotivado. Com isso, um dos cônjuges podia conseguir o divórcio simplesmente apresentando o pedido, sem precisar comprovar que seu parceiro havia feito algo de errado.

Depois da aprovação na Califórnia, seguiram-se rapidamente os demais Estados americanos.

Em 1977, 47 Estados permitiam essa espécie de divórcio e, em 1985, todos os 50 Estados americanos permitiam algum tipo de divórcio imotivado.

Mas, agora, quase 50 anos depois, surgem cada vez mais questionamentos a este respeito nos Estados Unidos.

A questão do divórcio imotivado voltou a ganhar atenção nacional em 2023, quando o comentarista conservador Steven Crowder, que se vangloria das suas opiniões "provocadoras", expressou sua indignação e incredulidade porque sua esposa poderia se divorciar dele sem seu consentimento.

Crowder não é o único a apresentar essas críticas. O divórcio passou a ser uma questão polêmica entre muitos legisladores nos Estados de maioria republicana.

Mais recentemente, em janeiro de 2024, o senador de Oklahoma Dusty Deevers apresentou um projeto de lei para eliminar o divórcio imotivado. Ele sugeriu a "humilhação pública" dos cônjuges que cometerem falhas conjugais, seguida pelo divórcio.

A restrição ao divórcio imotivado também faz parte das plataformas do Partido Republicano do Texas e de Nebraska. Ela também foi debatida recentemente por legisladores da Louisiana.

A possibilidade de se divorciar, independentemente do que deseja a outra parte, é a essência do divórcio imotivado. Acho alarmante que ele esteja sendo questionado.

Mas a ideia de que não amar mais é uma razão válida para o divórcio deve ser considerada. Ela se baseia na noção de que o amor é o propósito do casamento e esta ideia, por si só, é questionável.

•           Para que serve o casamento, afinal?

O casamento é um estado civil que confere direitos e benefícios importantes para os cônjuges. E esses direitos e benefícios não têm nenhuma relação com o amor.

De fato, o propósito dessas vantagens é oferecer aos casais outras razões, além do amor, para se casarem. A ideia é que os benefícios sociais do matrimônio sejam tão significativos que justifiquem o incentivo ao casamento, ou até o pagamento puro e simples às pessoas para que se casem.

Para dar um exemplo dessa análise de custo-benefício, vamos considerar o debate político que analisa se os filhos se saem melhor sendo criados por dois pais casados.

No seu recente livro The Two-Parent Privilege: How Americans Stopped Getting Married and Started Falling Behind ("O privilégio dos dois pais: como os americanos pararam de se casar e começaram a ficar para trás", em tradução livre), a professora de economia Melissa Kearney defende que esta é uma vantagem abrangente e significativa.

Não surpreende que o trabalho de Kearney tenha sido entusiasticamente endossado pelos defensores pró-casamento e revigorado antigas discussões sobre como incentivar as pessoas a se casarem.

Se as crianças se saem melhor quando são criadas por pais casados, é compreensível que o governo crie leis e políticas para promover o casamento. Isso também explica por que o governo pode buscar limitar os divórcios.

Esta é uma visão puramente instrumental do casamento, que teria parecido muito familiar para os americanos dos séculos 18 e 19.

Na maior parte da história americana, o casamento foi abertamente uma transação. As leis essencialmente garantiam que a maior parte dos homens e mulheres se casassem e o amor não tinha nada a ver com isso.

•           'Barganha conjugal'

Os historiadores se referem ao casamento para obter benefícios legais e financeiros como a "barganha conjugal".

Mas, no final do século 19, a aceitação da natureza comercial da barganha conjugal começou a desaparecer. Homens e mulheres começaram a declarar publicamente que o amor era o propósito do casamento.

Como a historiadora Nancy Cott escreve no seu livro Public Vows ("Votos públicos", em tradução livre), na virada do século 20, a cultura americana havia "colocado o amor e o dinheiro em lados opostos da rua".

Meu livro, You'll Do: A History of Marrying for Reasons Other than Love ("Você dirá 'sim': a história do casamento por outras razões além do amor", em tradução livre), também examina esta história e mostra como os americanos deixaram de incentivar a barganha conjugal e passaram a considerá-la prejudicial, tanto para os casais, quanto para a instituição do matrimônio como um todo.

Apesar da visão pública de que o amor é a única razão para se casar, a lei tem uma abordagem mais prática e reconhece que o amor sozinho pode não ser suficiente para levar os casais ao altar.

É por isso que a legislação continua a incentivar o casamento por razões instrumentais. Seus benefícios variam de isenções de impostos e preferências de imigração até defesas na legislação criminal.

Quando o casamento era uma clara barganha por trocas, os benefícios da união eram óbvios.

Como no anúncio conjugal do século 19, "Homem com fazenda procura mulher com trator", cada um dos lados sabia o que estava recebendo. Agora, o objetivo do casamento já não é tão claro.

Acredito que o movimento para a eliminação do divórcio imotivado seja simplesmente o sintoma mais recente dessa confusão sobre os objetivos do casamento.

Se o casamento for questão de amor, a falta de amor deveria ser, então, a razão do divórcio por excelência. Mas, se o casamento for um contrato com benefícios, não surpreende que Crowder e outros críticos do divórcio imotivado fiquem indignados pelo casamento poder ser dissolvido unilateralmente.

A disposição de eliminar o divórcio imotivado é apresentada como uma luta sobre o propósito do divórcio. Mas, na verdade, trata-se de uma luta sobre o significado do casamento.

 

Fonte: Helen Eriksson, para The Conversation

 

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