Como Balneário Camboriú se tornou 'capital
conservadora' do Brasil
Em uma das
extremidades da badalada orla de Balneário Camboriú, descansa a estátua de João
Goulart, o ex-presidente do Brasil deposto pelos militares no golpe de 1964
acusado de ser uma "ameaça comunista".
O monumento A praia do
presidente Jango, em frente à antiga casa da família Goulart na Avenida
Atlântica, presta homenagem ao ilustre visitante que se encantava nas férias
com o então pacato trecho do litoral de Santa Catarina.
Mas, ao contrário do
que a homenagem a um ex-presidente associado à esquerda na área nobre da cidade
possa sugerir, a Balneário Camboriú de 2024 vem se consolidando como um ímã
para a direita bolsonarista no Brasil.
Neste sábado (6/7), a
chamada 'Dubai Brasileira', com os prédios mais altos no país, se torna uma
espécie de "capital conservadora".
A cidade foi escolhida
para sediar a CPAC Brasil (sigla em inglês para Conferência de Ação Política
Conservadora), que se classifica como o “maior evento conservador do mundo no
Brasil”. A cúpula é organizada pelo Instituto Conservador Liberal (ICL-BR), presidido
pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Entre os
patrocinadores, estão a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato
Grosso, uma rede de hotéis da região, além de construtoras.
O evento vai reunir o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e muitos de seus aliados mais fervorosos,
como os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Julia Zanatta (PL-SC) e o senador
Magno Malta (PL-ES).
Além disso, está
confirmada pelo evento e pela prefeitura de Balneário Camboriú a presença do
presidente da Argentina, Javier Milei, que tem rodado o mundo em eventos da
direita radical.
Bolsonaro estará em
Balneário Camboriú também num momento relevante para outro de seus
descendentes.
O filho mais novo do
ex-presidente, Jair Renan, é pré-candidato a vereador pelo PL, dizendo ter uma
"longa relação com a cidade".
"O evento de
alguma maneira consolida esse perfil ideológico que foi construído em torno da
cidade", opina Ricardo Bruno Boff, professor de Relações Internacionais na
Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Santa Catarina.
Para o prefeito
Fabricio Oliveira (PL) — também aliado dos Bolsonaros — o momento torna a
cidade um "palco" para as ideias encampadas pela família do
ex-presidente: "Existe uma proximidade grande de Bolsonaro com nossa a
cidade", diz.
Balneário Camboriú é a
primeira cidade do Sul a receber o encontro, que já foi sediado em anos
anteriores em São Paulo, Brasília, Campinas e Belo Horizonte.
Em um dos vídeos
anunciados nas redes, a deputada federal Júlia Zanatta, que é esposa de um dos
organizadores da CPAC, anuncia que “a direita tem encontro marcado no estado
mais conservador no Brasil".
Santa Catarina foi o
quarto Estado com votação mais expressiva para Bolsonaro nas eleições de 2022 e
vem se consolidando como um "reduto bolsonarista".
Os catarinenses deram
69,27% dos votos para Bolsonaro e 30,73% para Lula - no Brasil, o resultado foi
50,90% para Lula e 49,10% para Bolsonaro.
Dentro de Santa
Catarina, a região de Balneário Camboriú é uma das que se mantêm fiel ao
bolsonarismo. No segundo turno da eleições de 2022, 74,57% dos eleitores da
cidade votaram em Bolsonaro, contra 25,43% em Lula.
"Hoje quem não
está alinhado a ele está morto politicamente por aqui", diz o jornalista
Waldemar Cezar Neto, editor de um portal de notícias da cidade e que acompanha
a política local há mais de 30 anos.
Mas como Balneário
Camboriú especificamente se tornou simbólica e vitrine para políticos e
empresários que rejeitam a esquerda no Brasil?
A história mostra que
a resposta passa por localização, atrativo turístico e política local, segundo
pesquisadores da memória da cidade.
"Balneário
Camboriú se vende como esse destino para os endinheirados e concentrou muita
gente de uma classe social média alta para cima", conta o professor
Ricardo Boff.
"O reflexo disso
é a dominância do pensamento político desse público — ou seja uma crença em um
Estado cada vez menor e contra qualquer visão vista como 'socialista' ou
'comunista'."
• Renan Bolsonaro candidato
Além das passeatas e
da participação em eventos, os Bolsonaros pretendem estar ainda mais presente
em Balneário Camboriú com a candidatura de Jair Renan a vereador nas eleições
municipais de 2024.
Nascido no Rio de
Janeiro, Renan se mudou para Santa Catarina quando foi nomeado, em março de
2023, para o cargo de auxiliar parlamentar no gabinete do senador Jorge Seif
(PL-SC).
O prefeito Fabricio
Oliveira vê o filho mais novo do ex-presidente como um "excelente nome
para fazer uma grande votação" e, assim, aumentar a presença do PL da
Câmara dos Vereadores.
Das 19 cadeiras, hoje
cinco estão com o PL.
"Um dos
principais motivos para ele ter uma grande votação é por carregar o nome
Bolsonaro. A cidade tem uma grande adesão não só à figura do ex-presidente, mas
também às ideias", diz Oliveira.
Uma semana antes da
Cpac, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro participou de um evento da
prefeitura.
Nessa região do
litoral de Santa Catarina, os pesquisadores com quem a BBC News Brasil
conversou também apontam a força da igreja Evangélica na política.
Na cidade vizinha de
Camboriú, por exemplo, ocorre todos os anos o Congresso dos Gideões,
considerado um dos maiores eventos de missionários evangélicos do Brasil. No
ano passado a organização estimou um público de 100 mil pessoas.
• Mas como Balneário se tornou 'de
direita'?
"Eu sou mais
velho que todos esses prédios daqui", conta o escritor Isaque de Borba
Corrêa, nascido há 64 anos em Balneário Camboriú quando a cidade nem existia no
papel.
A região, lembra ele,
era chamada simplesmente de "a praia", uma zona rural com pescadores
de Camboriú, hoje um município vizinho ofuscado pela irmã mais nova.
Apesar das poucas
construções até então, esse trecho do litoral era atrativo desde o início do
século 20, quando o turismo de praia no Brasil se resumia a tratamentos
médicos, segundo a pesquisa de Corrêa, autor de livros sobre a memória local.
É só a partir dos anos
1920 que Balneário Camboriú, uma praia comprida, é descoberta como um espaço de
lazer.
Na época, como mostra
a pesquisa de Corrêa, a própria palavra "turista" sequer existia.
“Chamávamos esses visitantes apenas de 'alemães'.”
A referência era ao
primeiro grupo a explorar a região, imigrantes alemães que se instalaram na
região do Vale do Itajaí, em cidades como Blumenau e Brusque.
"Eles que começam
a olhar essa região como um lugar de descanso e a investir na construção
civil”, explica Isabella Cristina de Souza, historiadora pela Universidade de
Federal de Santa Catarina (UFSC) e professora de história na cidade.
Balneário Camboriú
reunia as condições perfeitas para despontar enquanto um destino de turismo de
praia em uma região que crescia com suas indústrias, especialmente do setor
têxtil.
"Santa Catarina é
um Estado empreendedor desde muito cedo, com a colonização alemã vindo para cá
desde o início do século 19”, diz Corrêa, que se considera uma pessoa da
direita, apesar de estar afastado da discussão política atual.
"Esse catarinense
empreendedor já tem essa natureza de aversão ao trabalhismo e ao sindicalismo
[da esquerda] desde sempre."
Segundo historiadores,
logo após a Independência do Brasil em 1822, o Império sob comando de Dom Pedro
1º incentivou a vinda de imigrantes da antiga Prússia (região que se tornaria a
Alemanha) para ocupar as terras do Sul do Brasil.
Para isso, deu
incentivos como a promessa de terras, materiais de construção e isenções de
impostos.
Esse grupo de
imigrantes e seus descendentes é considerado pioneiro na construção de casas
com um estilo mais sofisticado para o veraneio e, depois, dos primeiros
prédios.
Contava ainda a favor
de Balneário Camboriú a sua localização estratégica — a menos de 100 km de
centros urbanos importantes de Santa Catarina, como Joinville (a maior cidade
do Estado), Blumenau e Brusque.
"São cidades, que
por estarem intimamente ligadas a uma elite Industrial, já tem um pé mais à
direita", explica o professor Ricardo Bruno Boff.
A construção de
estradas como a BR-101 viria facilitar ainda mais o acesso, conectando a cidade
às capitais Florianópolis, em Santa Catarina, e Curitiba, no Paraná.
"Nós temos praia
aqui até julho, no inverno, com sol e calor, e uma serra com neve a pouco mais
de 100 km. Então, sempre foi muito fácil descer para esse pedaço do litoral, e
isso tornou a cidade muito atrativa", explica o memorialista Isaque de
Borba Corrêa.
Segundo Corrêa,
conta-se na cidade que a BR-101, originalmente prevista para passar na região
de Brusque, teve o trajeto desviado para a beira-mar em Camboriú justamente por
influência de João Goulart.
Ao final dos anos
1960, Balneário Camboriú já tinha status de "praia do futuro", sendo
destacada em revistas e guias nacionais como uma espécie de "Copacabana do
Sul".
A população fixa de 10
mil habitantes chegava a 100 mil durante alta temporada no verão, segundo
Corrêa conta em seu BC Vertical.
A emancipação política
da praia em relação à cidade de Camboriú ocorreu em 1964, mesmo ano em que seu
ilustre visitante, João Goulart, foi deposto e se exilou no Uruguai.
Foi depois da
emancipação que, segundo os historiadores, mais pessoas fixaram residência na
cidade, principalmente aposentados ou jovens em busca de uma vida praieira.
Para a historiadora
Isabella Cristina de Sousa, essa formação incial da cidade, com muitas pessoas
de fora e com desejo por investimentos, se refletiu na ocupação urbana.
"Quando Balneário
vira uma cidade, as pessoas ligadas à construção civil e a essa indústria do
lazer automaticamente passam a ter influência na política municipal",
explica.
"Então, essas
pessoas vão estar no poder e a cidade vai ter sempre uma legislação que vai
permitir a construção civil tomar o rumo que tomou, a possibilidade de prédios
altos, de demolição de casas antigas.”
Com a oferta de
imóveis em plena expansão não só em Balneário Camboriú, mas também em vizinhas
como Itapema, a região atraiu "novos ricos", como os ligados
agronegócio do interior do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina — e até
argentinos que gostam de passar o verão no Brasil.
• A ‘Dubai brasileira’
Mas não é de hoje a
fama dos arranha-céus de Balneário Camboriú.
Nos primeiros anos de
vida enquanto cidade, os empreendedores locais já se orgulhavam do quão alto os
seus prédios podiam chegar.
Nos anos 1970,
catarinenses visitavam a praia para conhecer o “prédio mais alto de Santa
Catarina”, lembra Isaque de Borba Corrêa.
Em uma foto aérea de
1978, já era possível contar mais de 50 edificações ao longo da orla.
"A partir dos
anos 1990, a cidade entrou em uma nova fase de transformação, com a presença de
grandes incorporadoras e construtoras de fora, introduzindo novos conceitos de
arquitetura, engenharia e marketing", explica Corrêa no seu livro BC Vertical.
A pavimentação em 2000
da Rodovia Interpraias, que conecta a orla principal a outras praias da cidade,
além da duplicação da BR-101 no governo Fernando Henrique Cardoso impulsionaram
ainda mais a região.
"Até os anos
2000, a cidade continuava sendo conhecida pela praia principalmente. Hoje, é
pelos prédios", diz o escritor.
Segundo a lista do
site internacional The Skyscraper City, dos dez prédios mais altos do Brasil,
oito estão em Balneário Camboriú.
Os mais alto deles, as
Torres do Yachthouse, têm cerca de 294 metros. Na cobertura, fica um
apartamento comprado pelo jogador Neymar, avaliado em R$ 60 milhões.
Os grandes edifícios
da cidade ficaram famosos não só pela altura, mas também pela sombra que deixa
na praia. Os arranha-céus ao longo da Praia Central deixam sua faixa de areia
na sombra até seis horas antes do pôr do sol
O alargamento da faixa
de areia, em 2021, deu mais espaço para sol e banhistas, mas também trouxe
outros problemas como um desnível na área de praia e erosão.
A cidade também
enfrenta dificuldades na questão de poluição de suas praias. No fim de 2023,
por exemplo, nos 15 pontos onde há monitoramento de balneabilidade, 11 tiveram
classificação anual péssima, quando as praias estiveram impróprias, mostrou um
levantamento do jornal Folha de S. Paulo.
"A gente viu
muitos relatos de pessoas com problemas intestinais após visitarem as praias da
cidade", conta o professor Ricardo Boff.
Mas, mesmo diante das
situações desafiadoras, que incluem ainda um trânsito engarrafado na alta
temporada, "o pessoal da elite de Santa Catarina se aposenta, e o sonho é
vir morar em Balneário Camboriú, porque dá status", conta Corrêa.
"Esse luxo
alimenta e gera conteúdo para as redes sociais, com carros importados rodando
na cidade, celebridades visitando, o que gera mais visitas. É como uma bola de
neve."
Fonte: BBC News Brasil
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