Capitalo-parlamentarismo no Brasil
Basta um mínimo de
contato com o jornalismo dominante e com o que faz sucesso no mercado editorial
sob a rubrica de “política” para notar a fixação num tema: a crise das
democracias.
O fenômeno Trump, o
bolsonarismo, o crescimento da extrema-direita europeia (visíveis no Brexit
britânico e no protagonismo crescente do partido de Marie Le Pen na política
francesa) e agora Javier Milei e Giorgia Meloni – ainda que estes dois não
causem tanto desconforto assim, já que são são pró-OTAN, defendem
incondicionalmente Israel e acham que a China é uma grande ameaça à civilização
ocidental… – fornecem material de sobra para que este mercado editorial tenha
público garantido para o futuro próximo.
Muitas hipóteses são
levantadas, de forma combinada e um tanto descoordenada, sem que as hierarquias
sejam muito bem apontadas. Para os mais sensíveis à economia, temos o seguinte
rol: o crescimento da desigualdade, o empobrecimento da classe média, a desindustrialização,
o mercado de trabalho cada vez mais precarizado e marcado pelo perigo do
desemprego. Para os que preferem destacar questões “culturais”, há um outro: as
ansiedades e pulsões medrosas ou ressentidas alimentadas pelo
“multiculturalismo”, a imigração, a ascensão da China como potência econômica e
tecnológica, o avanço do feminismo e da liberalização dos costumes…
Tudo isto faz,
evidentemente, bastante sentido, mas preferimos apontar uma hipótese mais
radical. O motivo fundamental está na ascensão e consolidação, desde os anos
1980, do que poderíamos chamar de política dominante no Ocidente: o
capitalo-parlamentarismo.
Devemos este conceito
ao militante e pensador político Sylvain Lazarus e seu colega Alain Badiou,
ambos colegas de organização por quase quarenta anos (1969-2007). O que,
afinal, ele quer dizer?
O
capitalo-parlamentarismo não é uma mera estrutura estatal, mas uma
subjetividade hegemônica desde a metade dos anos 80, pelo menos. Naquela
década, houve a crise generalizada do marxismo, enquanto teoria capaz de
atração e inspiração política, prevalecente na intelligentsia.
Depois de servir de
esteio para toda uma geração militante – lutas de anti-libertação nacional,
movimentos contra a guerra da Argélia e Vietnã, luta dos direitos civis dos
afro-americanos nos EUA, maio de 68 e o novo movimento operário da década de
1970 -, o marxismo era trocado em nome da aceitação de que, apesar dos
problemas, o Ocidente era melhor que as alternativas realmente existentes. A
filosofia anti-totalitária dos “novos filósofos”, antecipada pelo choque de
consciência proporcionado pela publicação de Arquipélago Gulag,
aclimatou novamente os intelectuais ocidentais ao seu berço: liberdades
jurídicas, liberalismo político e o humanismo – não o de Sartre e Fanon, em
busca do “homem novo”, mas em numa modalidade clássica e anti-revolucionária
(autonomia individual: que cada um cultive seu próprio jardim e busque a
felicidade individual) – voltaram a ser o alfa e ômega das consciências.
O colapso da URSS e
dos Estados do Leste Europeu consolidou e agravou este quadro. A ideia de
qualquer alternativa à ordem hegemônica deixou de ser sequer concebível, e quem
ainda defendesse esta possibilidade era, nas melhor das hipóteses, tolo e
arcaico, na pior, criminoso totalitário.
Foi neste ambiente que
veio à tona um dos espetáculos mais impressionantes da história da esquerda: os
(longos) governos Mitterrand (1981-1995).
Eleito sob um programa
radical (havia até mesmo a proposta de nacionalização do sistema financeiro!) e
construído com longo preparo político – o Programa Comum e a União de Esquerda
começam a ditar o centro da política do Partido Comunista Francês desde 1973 -,
comemorado com muita festa e esperança, realizou dois primeiros anos de muitas
reformas. Tudo isto logo cessou. A partir de 1986, a rendição foi completa. Não
apenas tudo fora revertido, como dá-se o verdadeiro pontapé para o que marca a
agenda europeia desde então: as privatizações sem fim, a liberalização
financeira, “reestruturação produtiva” (eliminando milhões de trabalhadores
industriais como se não fossem nada), a cada vez maior submissão à hegemonia
dos EUA na política externa, a obsessão com o imigrante islâmico como problema
(“Le Pen faz as perguntas certas”, levantou certa vez um ministro de
Mitterrand). O resultado, em meados dos anos noventa, era o seguinte: o
desemprego havia dobrado e a extrema-direita triplicado seus votos.
É perante este quadro
iniciado nos anos 80 que Lazarus formula a ideia de capitalo-parlamentarismo.
Não trava-se do mero fato, em si banal, de que parlamentos e sistemas
eleitorais multi-partidários constituem a essência dos Estados ocidentais, mas
de um fenômeno novo: o Estado deve servir a um Mestre que lhe é exterior –
necessidades econômicas implacáveis, ditadas pelos agentes do “mercado” (hoje
um verdadeiro fetiche, personalizado como um ente substancial em forma de
metonímia: “a Faria Lima”, “o PIB”, o etc.) e pela “opinião pública” (um
pequeno grupo de grandes conglomerados empresariais comandados por interesses
financeiros )
A ideia nova era o
seguinte: não tratava-se mais de acreditar em programas de alteração do mundo
ou em decisões políticas, marcadas pela possibilidade da escolha e pela ação da
vontade coletiva. O Estado é estritamente funcional aos interesses do mercado
(é bom quando os segue com eficácia e sem questionamento, é ruim quando não
opera neste sentido) e à formatação do “consenso”, no qual grandes grupos de
mídia exercem grande papel. Sabemos no que este consenso se baseia: qualquer
ideia contrária às privatizações, à desregulamentação do mercado de trabalho e
dos serviços públicos, à liberdade sem freio da acumulação de potentados
privados, é excluída, de cara, do jogo.
Os partidos, antes
responsáveis por organizar segmentos sociais ou classes em conflito (a esquerda
representaria os sindicatos e os operários, a direita representaria a
burguesia), com programas diferentes e bem demarcados, ideologias próprias e
vínculos com a “sociedade civil” bem estabelecidos, tornam-se meros apêndices
estatais, responsáveis apenas por arregimentar clientelas eleitorais de acordo
com o calendário e os ritos do Estado.
A distinção entre
“esquerda” e “direita”, necessária para a crença de que as eleições fazem
sentido e podem reverter ou mudar orientações políticas, deixa de ser
operativa, concentrando-se em questões mínimas. O consenso se amplia:
centro-esquerda e centro-direita, no fundo, são partes da mesma família e estão
de acordo com as questões fundamentais. Não há mais conflito ideológico. Os
“progressistas” podem preferir ciclovias em vez de carros, uma ética mais
piedosa em vez de concorrencial, um cardápio vegetariano a um carnívoro, uma
ilustração e cosmopolitismo maior quanto aos costumes modernos em relação ao
apego às tradições provinciais ou patriarcais, quem sabe até, leem e dão valor
aos intelectuais e artistas (às vezes podem até ser eles mesmo um destes
tipos), em vez de burgueses pragmáticos e interessados puramente em negócios,
para quem o resto é poesia e filosofia inútil sobre o ser e o nada. Mas quanto
ao destino geral da sociedade e do mundo, são apenas adversários momentâneos e
moderados, jamais inimigos.
O tema das classes em
luta, representadas em partidos ideologizados e com programas próprios capazes
de galvanizar o apoio desses grupos, que animou toda a política ocidental
desde, pelo menos, o fim da Segunda Guerra mundial, desapareceu. No lugar, o culto
à classe média, verdadeiro baluarte e fetiche da modernidade, a ser cultivada,
paparicada, domesticada e infantilizada. As divisões se dão no interior desta
classe: de um lado, um segmento mais progressiva, ligado à liberação dos
costumes e apego temático à democracia e aos direitos humanos, de outro uma
fração conservadora (geralmente quem está mais abaixo em seu seio, próximo da
ameaça de proletarização), com medo de imigrantes, sensível à questão da
segurança pública e da mudança assustadoras dos “nosso modos de vida”.
Eis a verdadeira
origem dos nossos problemas: no nível global, não há mais disputa a respeito
das orientações para a humanidade (socialismo ou capitalismo). No nível
nacional, o predomínio do capitalo-parlamentarismo, o “there is no alternative”
(TINA) de Margaret Thatcher (afinal de contas, os próprios trabalhistas, com
Tony Blair, não admitiram que ela estava certa?), a inviabilizar qualquer
pensamento crítico ou desejo de emancipação.
O primeiro e mais
visível resultado só poderia ser o desencantamento generalizado, o niilismo
subjetivo, a falta de esperança completa com a política. Há, rigor, o
capitalo-parlamentarismo detesta a política e a inviabiliza, pois impede que
haja discordância real. Se há apenas uma única política, o resultado é que não
há mais política, pois esta implica algum grau agonístico quanto às visões de
mundo e orientações estratégicas. Sem Dois, só há gestão e administração, não
mais política. Para provocar nossos “democratas”: trata-se de um verdadeiro
totalitarismo dos mercados, tão monolítico, rígido e orientado apenas à
perpetuação de injustiças quanto a pior versão dos pesadelos liberais a
respeito do socialismo estatal.
O segundo subproduto é
a completa indiferença para com o pensamento das pessoas. O fato de medidas
extremamente impopulares, rejeitadas em peso em pesquisas de opiniões, não
pararem de ser aprovadas – apelando-se, inclusive, com medidas de exceção, como
o caso de Macron e sua reforma da previdência -, indica que nossas
“democracias” são totalmente indiferentes ao que as pessoas comuns pensam.
Taxas de abstenção elevadas, pesquisas indicando baixíssima aprovação ou
confiança em praticamente todas as instituições, baixas nas filiações
partidárias e a burocratização completa da vida política dão o tom há mais de
quarenta anos.
É preciso lembrar,
afinal, que sem a existência de mediações populares (papel clássico dos
partidos de massa e dos sindicatos e associações populares), o povo deixa de
ter qualquer participação na vida política de seu Estado. O que constituía a
força das democracias modernas era a existência de fortes partidos enraizados
entre os estratos mais baixos na escala social ou política. O pioneiro foi o
SPD alemão, os social-democratas marxistas, ao final do século XIX, mas isto
cresceu no século XX, principalmente após a vitória da URSS contra o
nazi-fascismo e a consolidação de partidos socialistas ou comunistas –
lembremos da força do PCF ou, ainda mais, do PCI – na vida política das nações.
Mesmo partidos fora da esquerda, como a democracia-cristã ou o gaullismo,
procuravam organizar a população (a democracia-cristã atuava em sindicatos!), a
fim de ter poder de representatividade,
Ao contrário deste
ciclo de politização pretérito, hoje vale mais ouvir marqueteiros, experts e
tecnocratas do que conhecer e se importar com a vida real e o pensamento das
pessoas. Afinal de contas, preocupar-se com o que pensa o povo, principalmente
quando este é hostil ao conselho “científico” dos especialistas, não seria o
cúmulo do tão desprezado “populismo”?
O
capitalo-parlamentarismo se consolidou, portanto, como um positivismo elitista,
aquilo que justamente era criticado na URSS (uma nomenklatura dotadora da
verdade, pois representante de uma ciência infalível), muito mais opressivo –
pois bombardeado com um propaganda incessante e “espontânea” via mídia,
servilismo intelectual e mercados – e niilista.
A própria ideia de
tempo é abolida: há uma sucessão de instantes, sem qualquer memória ou projeto.
Esquece-se rapidamente de tudo, algo de dois anos atrás já faz parte do período
paleozoico, e o futuro é obscuro; no melhor, das hipóteses é uma repetição incessante
do presente, na pior, temos como vislumbre apenas o fim do mundo ou um devir
distópico, num caso em que a realidade supera, pouco a pouco, a ficção
científica mais ambiciosa.
O tempo do
capitalo-parlamentarismo foi dissolvendo-se cada vez mais: se há pouco
falava-se que o pensamento “político” não conseguia ir além de um ciclo
eleitoral (dois ou quatro anos), sem espaço para grandes projetos ou mirada de
longo prazo da história pretérita e futura do país, hoje não ultrapassamos o
tempo das bolsas e das redes sociais. Qualquer declaração “polêmica” gera uma
chantagem – uma variação no câmbio, por exemplo -, uma gritaria incessante dos
mercados, em tempo real. O mundo sem tempo, esta espécie de cosmos congelado,
apesar da aparência frenética de velocidade repentina, típico dos mercados
financeiros e das bolhas digitais (uma caixa de ressonância dos piores
interesses, ainda mais danosa e imediatista que a velha imprensa corporativa),
impede que qualquer concentração de pensamento e disciplina da vontade se
constituíam.
Como propaganda para
massas cada vez mais desiludidas, só nos resta o empréstimo de um tema clássico
das religiões: haverá promessa de salvação após muito sacrifício e resignação.
As reformas infinitas – de quantas reformas da previdências ainda precisaremos?
E cada vez num ritmo mais curto entre elas! – não trazem bem-estar, longe
disso, mas prometem, em algum momento, talvez ainda em vida, talvez para as
próximas gerações, uma melhoria capaz de fazer o trem descarrilhado voltar ao
bom funcionamento (se não fossem os sindicatos, os políticos populistas, a
ignorância, por parte dos críticos, de que o mal sempre vem para o bem, talvez
poderíamos já estar vislumbrando o progresso…). O fato de que as sociedades
ocidentais modernas parecem cada vez mais retroceder e não melhorar a qualidade
de vida de seus cidadãos não deve nos desanimar: a Salvação vem para quem tem
fé e para quem executa as obras. (Neste caso, o conflito teológico clássico se
harmoniza).
Para esta religião
moderna não faltam as doutrinas, as escolásticas, e seus apóstolos e
sacerdotes, quais sejam: os economistas. Por “economistas”, entende-se bem,
aqueles que merecem ser ouvidos e levados a sério (para tanto, sua opinião não
pode causar desconforto em um banqueiro ou especulador), não aqueles que
possuem “ideologia” ou falam e agem como se matérias científicas pudessem ser
alvo de polêmica e decisão política. Eles pululam na imprensa, são tidos
como divindades incontestáveis (mesmo que esta divindade assuma a forma
libidinosa e transgressora de um “Diabo Loiro”), e fornecem receitas e
prescrições tal como um profeta prega a Lei, escrita em pedra, a ser seguida
por quem não quiser ir pro inferno (e lembre-se que Deus não gosta de perdulários
ou gente com ambições contra sua Providência).
Esta é, em suma, a
estrutura opressiva do mundo contemporâneo, incapaz de promover qualquer valor
para a juventude que não o carreirismo egoísta e oportunista mais
desavergonhado (exigindo-se, além da competência, a indispensável e rara sorte)
ou o desespero, cujo corolário é a auto-destruição niilista ou a busca
angustiante por falsos Mestres (um Bolsonaro ou um guru charlatão, tipo que
tanto abunda na cultura contemporânea, marcada por coaches e
“filósofos” e líderes “religiosos” vigaristas). Na ausência de qualquer coisa
que possa constituir uma esperança ou um valor verdadeiro (justiça, igualdade),
resta aos jovens das favelas e periferias – com menos chances de serem “bem
sucedidos” que os nascidos nas famílias certas – tentarem, quem sabe, virar um
MC ou futebolista. Se este sonho não der certo – e a estatística indica que as
probabilidades são pequenas – há apenas o crime organizado ou seitas religiosas
obscurantistas. Isto é, claro, pressupõe uma bênção: não cair de um barranco e
perder tudo após uma tempestade, não ser morto por uma bala perdida ou por uma
“confusão” de um policial – ou até mesmo na forma mais explícita do extermínio
deliberado, motivado por vendetas policiais contra familiares ou até contra
pessoas aleatórias que tiveram o azar de estar no local errado, como no caso
dos assassinatos recentes na Baixada Santista celebradas por Tarcísio de
Freitas, o que não parece causar qualquer drama ou escrúpulo crítico por parte
dos nossos “democratas”.
·
O
capitalo-parlamentarismo: golpe de Estado e consolidação com Michel Temer
A nossa hipótese é a
seguinte: mesmo que o Brasil tenha passado por todos esses efeitos ao longo dos
últimos quarenta anos, o capitalo-parlamentarismo não se consolidou
efetivamente aqui até a ocorrência de um marco decisivo: golpe de 2016 e o
governo de Michel Temer.
O que havia
impossibilitado um destino diferente ao Brasil – pelo menos por algum tempo –
em relação aos países cansados do Velho Continente foi a existência de algo na
contramão do quadro global pós-anos 80: uma esquerda forte que não se resumia
aos rituais eleitorais. O movimento operário a partir do final dos anos 70, uma
intelectualidade não totalmente renegada e servil, o movimento estudantil, a
criação e fortalecimento gradual do PT e da CUT, a novidade do MST e seu poder
de atração, possibilitaram, apesar dos pesares, que o país ainda mantivesse
acesa uma chama de política real.
Claro, houve a entrada
do PT ao consenso do Estado a partir de 2003 e sua posterior adaptação cada vez
mais intensa ao status quo, (a ponto de ser legítimo hoje
supor que o petismo como fenômeno político-intelectual possa ter morrido,
paradoxalmente, mesmo com o novo governo de Lula), o que levaram às suspeitas
de que poderíamos ter, enfim, nos “modernizado” à europeia (que sonho para
nossas “elites”!).
No entanto, o fantasma
da luta de classes ainda rondava. A partir do segundo governo Lula – é preciso
lembrar do papel de vanguarda reacionária exercida pela revista Veja -, mas
mais intensamente a partir do governo Dilma, o antagonismo político (que costuma
alimentar reclamações de um setor da pequena-burguesia, cronicamente incapaz de
tomar lado por alergia à política, a respeito de uma indesejada “polarização”)
voltou na forma clássica que nossa direita conhece: manifestações de rua
lideradas por demagogia (o caráter benfazejo e anti-corrupção do lava-jatismo
foi sustentado por muita gente séria; hoje felizmente não há mais tantos com
esta “coragem”), pânico reacionário e golpismo repressivo.
Um “consenso” (sem que
ninguém fora dos lugares respeitáveis seja, de fato, ouvido, claro) se
estabeleceu a partir do governo Temer: o país precisava acabar com as
vacilações do petismo (demais suscetível a gastos populistas devido à sua
origem e base social, incapaz de medidas duras e necessárias com a contundência
devida) e engatar a marcha da austeridade fiscal, dos orçamentos ascéticos e
das reformas indispensáveis (o mercado é um bicho muito emocionado, instável e
mimado, precisa ser saciado constantemente em suas demandas). Os dez
mandamentos estavam finalmente cristalizados. Tínhamos a Ponte para o Futuro.
Há, inúmeros elementos
impressionantes, hoje esquecidos, nesta história: Temer e seu programa foram e
ainda são saudados unanimemente pela imprensa e pelo mercado como um dos
melhores presidentes do Brasil, a despeito de ter as menores taxas de aprovação
da nossa história. Há melhor exemplo do descasamento completo entre o que
pensam os nossos senhores e os sentimentos e aspirações populares? Um
presidente querido por ninguém fora alguns pouco privilegiados, sem qualquer
ideia ou visão própria sobre o país a não ser servir gente poderosa e rica,
incapaz de encantar algum público, merece saudações e lembranças eternas pelo
trabalho bem feito.
Este descolamento já
estava presente nas avaliações completamente diferentes a respeito do governo
FHC II: há um abismo entre o balanço da gente importante em relação a quase
todo mundo que vive apenas de sua força de trabalho. Enquanto o governo fora amplamente
considerado desastroso, ao proporcionar espetáculos de colapso de
infra-estrutura, apagão elétrico, quebradeira industrial e taxas de desemprego
de incríveis 25% na região metropolitana de São Paulo, a ponto de FHC nunca ter
mais aparecido em qualquer propaganda eleitoral do PSDB até, timidamente,
retornar em 2014 – revejam, pelo YouTube, a campanha do José Serra em 2002:
parece de oposição! -, economistas louvam tal período como o auge da boa
condução macroeconômica brasileira. No entanto, pelo menos seus defensores
poderiam argumentar que criou as condições para os bons anos lulistas.
Ignoremos o “esquecimento” de que isto também foi resultado de políticas
rejeitadas e combatidas por eles, como aumentos irresponsáveis no salário
mínimo (indexado à previdência, credo!) e nos investimentos públicos. Nada
disto pode ser dito a respeito de Temer.
A prometida
recuperação, os zilhões de empregos da reforma trabalhista (apesar de muita
gente sustentar, sem muita vergonha, que qualquer melhora do potencial
econômico do país ainda hoje deve-se às tais “reformas”), uma sociedade mais
justa e próspera, nunca vieram, mas o fundamental estava feito: estabelecer um
novo consenso. Técnico e indiscutível. A política deve render-se às
necessidades inexoráveis ditadas por quem de fato manda. Conceber algo
diferente é impraticável.
Temer, no entanto, não
tem o melhor perfil para o posto de fantoche do capitalo-parlamentarismo.
Demais antiquado no vocabulário e aparência, amigo de muita gente indecorosa da
“velha política”, sua biografia de vida não tem nenhum apelo sentimental apto a
encantar nossas classes médias ansiosas por grandes histórias de superação ou
meritocracia, não fala de meio-ambiente nem tem capacidade de fingir que se
importa com direitos das mulheres e homossexuais. Não é um Emmanuel Macron,
quanto mais um Obama. Mas não há por que entrar em desespero: Tábata Amaral
está sendo bem trabalhada há tempos para ocupar este papel um dia. Ela é uma
boa aluna, sempre foi.
Fonte: Por Diogo
Fagundes, em A Terra é Redonda
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