Bolsonaro se aproveita de atentado a Trump
para voltar com narrativa de perseguição, dizem analistas
Em mais um episódio de
tentativa de assassinato presidencial, o atentado à vida do atual favorito na
corrida eleitoral dos Estados Unidos, Donald Trump, terá reverberações em todo
o mundo. No Brasil, o discurso de martírio será utilizado por Jair Bolsonaro e
seus apoiadores como forma de angariar votos.
Em entrevista ao
Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas
Thaiana de Oliveira e Arthur Neto, especialistas destrincharam como a tentativa
de assassinato a Trump afetará não só a disputa eleitoral nos Estados Unidos, como
as eleições municipais brasileiras deste ano.
Segundo Clarisse
Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (Unirio), o campo da direita brasileira vai tentar "colher
os louros" desse episódio.
"Isso sem dúvida
se torna munição para essas eleições municipais, que são importantes até para a
[…] corrida presidencial lá na frente", diz.
Gurgel descreve que,
assim como Bolsonaro teatralizou seu próprio atentado, o atentado de Trump será
utilizado em uma maior dramaturgia eleitoral, e isso não envolve apenas a
capitalização política, mas também a polarização dos eleitores.
"Os efeitos são
de uma espécie de banalização dessa teatralidade que passa por violar a vida de
todos nós […]. De tirar a estabilidade, de tornar muito instável as escolhas
políticas porque você pode ter um candidato que pode morrer", diz a pesquisadora.
Isso acarreta uma
visão cada vez mais clara de que "não existe mediação, não existe mais o
negativo, não existe o contraditório, não existe o outro".
"Você está
passando essa ideia, justamente, de falta de diálogo, de resolução através da
violência."
Josué Medeiros,
professor-adjunto de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e membro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), concorda que a família
Bolsonaro está usando a mesma narrativa da perseguição de Trump.
"O bolsonarismo é
muito conectado com redes internacionais, especialmente com o Trump",
lembra o professor. "E eles estão com expectativas de uma possível vitória
do Trump como um caminho para interferir na política interna, inclusive reverter
as condenações."
"E aí
aproveitaram esse atentado para tentar voltar para uma ofensiva em um momento
que está difícil para o Bolsonaro e para o bolsonarismo."
A verdadeira batalha
política brasileira neste ano se dará nas eleições municipais, que para o
cientista político serve como uma espécie de prévia das eleições presidenciais
daqui a dois anos, "especialmente no nível de polarização que a gente vive".
"O nosso
eleitorado está dividido em 30% direita, 30% esquerda e 40% que fica
oscilando", estima Medeiros. Nesses casos, "a questão nacional pode
prevalecer, porque como o prefeito é mal avaliado, o eleitor vai se posicionar
por mudança".
Antes, afirma
Medeiros, os aliados de Jair Bolsonaro estavam "desmobilizados,
desorganizados", se canibalizando internamente em busca de votos.
"Ricardo Nunes, fustigado pelo [Pablo] Marçal, Kim Kataguiri e pela
candidatura do [José Luiz] Datena, não consegue nem unificar o campo
dele", exemplificou. Agora, o discurso de vitimismo será cooptado pelos
políticos da direita como forma de angariar votos.
Nesse sentido, todos
os olhos estão voltados para São Paulo, onde o lulismo e o bolsonarismo
disputam a prefeitura.
"São Paulo
reproduz essa nitidez partidária ideológica que a gente viu nas eleições
nacionais. Então por isso é uma continuação, mas também é uma projeção para o
futuro porque não é nem alguém do partido do Bolsonaro nem alguém do partido do
Lula."
Apoiado por Lula,
Guilherme Boulos (PSOL-SP) enfrenta uma rejeição aproximada de 35%. Isso quer
dizer que se Lula conseguir eleger Boulos na cidade de São Paulo, "ele sai
muito bem posicionado para 2026", afirma Medeiros.
• Lula defende civilidade na política e
sugere que ataque a Trump pode sensibilizar eleitores dos EUA
Em entrevista à TV
Record nesta terça-feira (16), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
destacou a necessidade de civilidade na política global, ressaltando que o
mundo precisa aprender a conviver democraticamente na diversidade.
Durante a conversa,
Lula afirmou que "nós precisamos aprender a conviver democraticamente na
diversidade", enfatizando que o respeito mútuo é essencial, mesmo em meio
a opiniões divergentes.
Lula criticou a
prevalência de fake news e a falta de argumentos sólidos nos debates políticos
atuais, observando que "o argumento vale muito pouco. O que vale hoje é
mentira. O que vale hoje é fake news".
Ele expressou
preocupação com a crescente intolerância e violência na sociedade, não apenas
em relação a figuras públicas como o ex-presidente Donald Trump, mas também em
níveis locais, mencionando a violência contra prefeitos e vereadores em
pequenas cidades.
O presidente destacou
a importância de lidar com a pobreza e a fome como forma de combater a migração
forçada e a violência, citando sua própria experiência familiar como exemplo de
migração em busca de sobrevivência.
"A migração é
resultado da pobreza que permitiu que alguns países ficassem durante séculos.
Se houvesse investimento nesses países, certamente ninguém queria viajar para
ir para outro país", afirmou Lula.
Em relação ao recente
incidente envolvendo Trump, Lula acredita que o impacto político dependerá de
como o ex-presidente explorará a situação. Ele sugere que Trump pode tentar
sensibilizar uma parte da sociedade com o ocorrido, mas destaca que "cada
democrata vai encontrar um jeito de não permitir que isso seja a razão pela
qual ele possa ter voto".
Lula concluiu a
entrevista reafirmando seu compromisso com a luta contra a desigualdade, a fome
e a pobreza global, iniciativas que ele está promovendo no G20. "Nós temos
que fazer com que as pessoas tenham acesso ao bem básico de sua sobrevivência.
Se a gente fizer isso, não precisa ter violência", finalizou o presidente.
• 'Violência recorrente' e zero novidades:
atentado contra Trump pode mudar resultados nos EUA ou não?
Se antes o desempenho
do atual presidente Joe Biden já não estava agradando tanto os estadunidenses,
agora, o fator Trump pode virar uma opção aos indecisos, dentro e fora do campo
dos democratas, que optam por não querer que o atual chefe de Estado norte-americano
continue no poder.
Especialistas ouvidos
pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, apontam que o movimento feito contra
o magnata, além de mudar a lógica e a ordem do debate, acusando a
"esquerda" de ser violenta contra a direita, pode desembocar no seu
retorno à Casa Branca. Um dos analistas, no entanto, acredita que o retorno de
Trump pode não ser tão certeiro assim.
Segundo Andrew
Traumann, professor de relações internacionais no Centro Universitário Curitiba
(UniCuritiba) e coordenador da Pós-Graduação em Geopolítica da Ásia na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o ex-presidente sai dessa
"muito fortalecido porque, em um momento como esse, há uma solidariedade
nacional e internacional".
"Ele [Trump] foi
vítima de um atentado, quase morreu e vai ganhar força. Aquela foto dele se
tornou uma foto icônica, com o punho cerrado, a bandeira, o sangue, enfim, tudo
aquilo forma uma imagética muito poderosa para a população, e, inclusive, ele
pode até atrair mais eleitores republicanos às urnas", explicou ao ser
questionado qual poderia ser o resultado do que ocorreu a Trump.
Segundo Lucas Massimo,
doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), o atentado
sofrido por Donald Trump "aumenta a preocupação dos líderes mundiais com a
democracia norte-americana". Ele destacou ainda que, independentemente do
resultado eleitoral, "um episódio de tamanha gravidade num momento tão
crítico da campanha" prejudica a legitimidade do novo eleito e enfraquece
a posição dos Estados Unidos na geopolítica mundial.
Trump contra o
sistema?
O analista
internacional menciona a narrativa de Trump como uma vítima perseguida pelo
sistema como fator que pode mobilizar eleitores que não pretendiam votar.
Ao ser indagado sobre
a influência das teorias da conspiração de ajudarem a criar um candidato forte,
Traumann retrucou que sim: "A versão oficial dos fatos é que existia um
perímetro de segurança em torno do palanque onde estava Trump… O FBI vem culpando
a polícia local por essa negligência."
"Porque, a partir
de agora [do atentado], ele [Trump] está contra o sistema, alguma coisa ele
sabe. Aquela narrativa de que ele está do lado do americano comum, contra todo
um sistema que é Wall Street, as grandes corporações, as big techs, enfim, toda
uma questão muito relacionada à teoria da conspiração, que faz parte do
imaginário do norte-americano médio", arguiu ele, garantindo que será
muito difícil para Biden reverter a situação.
• Política dos EUA é 'violenta'
Por outro lado,
Ricardo Caichiolo, professor de relações internacionais do Ibmec Brasília,
afirma que o atentado contra Trump mostra a verdadeira face norte-americana.
"[O atentado]
sinaliza que a política americana é uma política violenta, que ao longo dos
anos, das décadas, ela sempre foi marcada por momentos de violência, inclusive
destinados ao chefe maior dos Estados Unidos — no caso, do presidente da
República", cravou o especialista.
Lucas Massimo vai ao
encontro do que afirma Caichiolo, dizendo que "a violência nos Estados
Unidos é algo recorrente" e destacando que o acesso massificado a armas
torna complexa a tarefa dos profissionais de segurança. Ele sugere que a
polarização extrema da campanha eleitoral contribuiu para o atentado e que é
necessário um entendimento mais profundo do fenômeno, além de culpar apenas a
inépcia dos serviços de segurança.
Ricardo Caichiolo
alerta para o fator considerado "decisivo" quando o assunto é o
atentado sofrido por Trump e sua possibilidade de retorno ao Salão Oval.
"A gente tem um
tempo bem grande até as eleições de novembro, então não dá para cravar em que
medida isso vai repercutir positivamente para o Trump", retrucou o
internacionalista, acrescentando que negativamente não repercutirá. Segundo
ele, o que pode acontecer é "ser um elemento neutro em termos de impacto
na disputa presidencial".
O atentado é visto
pelo analista como algo positivo para Joe Biden — que vem sendo o assunto
principal dos veículos de comunicação mundo afora — e que pode ajudá-lo na
corrida eleitoral dos EUA.
"Há analistas,
inclusive, que falam que para o Biden seria um momento até que ajudaria, porque
seria um momento em que o foco não é mais na questão de ele ser uma pessoa mais
idosa, de ele não ter condições psíquicas para poder disputar a presidência,
que era o que estava na pauta americana, na imprensa americana nas últimas
semanas. Porque agora você tem essa pauta, os olhos dos Estados Unidos e da
imprensa norte-americana obviamente estão voltados para o atentado
ocorrido", pondera Caichiolo.
Ao Mundioka, o
professor de relações internacionais afirmou que agora é um momento no qual os
próprios democratas estão revendo uma série de questões, uma série de
diferenças dentro do próprio partido.
"Então isso de
uma certa forma pode ajudar também o Partido Democrata, melhor dizendo, a se
reorganizar. Enfim, eu acredito que os votantes que já haviam se decidido tanto
pelo lado republicano como pelo lado democrata, eles não tendem a mudar o seu
voto mesmo por conta do atentado", defende.
Sobre a possibilidade
de Joe Biden ser substituído como candidato democrata, Ricardo Caichiolo foi
claro: "Eu entendo que ele vai permanecer como candidato." Por outro
lado, destacou a importância de Kamala Harris, que "tem totais condições"
de assumir a presidência caso necessário.
Acerca da
eventualidade de Trump mudar sua posição sobre o controle de armas após o
atentado, Massimo foi cético: "Não vejo essa possibilidade no entorno
imediato da campanha de Donald Trump." Ele explicou que o perfil de
políticos republicanos que poderiam ponderar sobre a centralidade das armas na
sociedade americana foi alijado dos centros de poder desde 2016.
- O atentado
Na tarde de sábado
(13) foram disparados tiros durante o comício da campanha de Trump em Butler,
Pensilvânia. O ex-presidente sofreu um ferimento à bala na orelha direita e foi
hospitalizado por um breve período. O atirador matou um membro da plateia e feriu
gravemente outros dois na multidão antes que o Serviço Secreto o neutralizasse.
O Departamento Federal
de Investigação (FBI, na sigla em inglês) está tratando o ocorrido como uma
tentativa de assassinato e potencial terrorismo doméstico. O suposto atirador
foi identificado como Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, de Bethel Park, Pensilvânia.
Trump se juntou à
pequena lista de presidentes dos EUA que sobreviveram a uma tentativa de
assassinato. Inclui Theodore Roosevelt, que foi baleado em 1912 durante a
campanha, e Ronald Reagan, que foi baleado em 1981. Abraham Lincoln e John F.
Kennedy estão entre os que foram assassinados.
Fonte: Sputnik Brasil
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