quinta-feira, 18 de julho de 2024

Bolsonaro se aproveita de atentado a Trump para voltar com narrativa de perseguição, dizem analistas

Em mais um episódio de tentativa de assassinato presidencial, o atentado à vida do atual favorito na corrida eleitoral dos Estados Unidos, Donald Trump, terá reverberações em todo o mundo. No Brasil, o discurso de martírio será utilizado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores como forma de angariar votos.

Em entrevista ao Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Thaiana de Oliveira e Arthur Neto, especialistas destrincharam como a tentativa de assassinato a Trump afetará não só a disputa eleitoral nos Estados Unidos, como as eleições municipais brasileiras deste ano.

Segundo Clarisse Gurgel, cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o campo da direita brasileira vai tentar "colher os louros" desse episódio.

"Isso sem dúvida se torna munição para essas eleições municipais, que são importantes até para a […] corrida presidencial lá na frente", diz.

Gurgel descreve que, assim como Bolsonaro teatralizou seu próprio atentado, o atentado de Trump será utilizado em uma maior dramaturgia eleitoral, e isso não envolve apenas a capitalização política, mas também a polarização dos eleitores.

"Os efeitos são de uma espécie de banalização dessa teatralidade que passa por violar a vida de todos nós […]. De tirar a estabilidade, de tornar muito instável as escolhas políticas porque você pode ter um candidato que pode morrer", diz a pesquisadora.

Isso acarreta uma visão cada vez mais clara de que "não existe mediação, não existe mais o negativo, não existe o contraditório, não existe o outro".

"Você está passando essa ideia, justamente, de falta de diálogo, de resolução através da violência."

Josué Medeiros, professor-adjunto de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), concorda que a família Bolsonaro está usando a mesma narrativa da perseguição de Trump.

"O bolsonarismo é muito conectado com redes internacionais, especialmente com o Trump", lembra o professor. "E eles estão com expectativas de uma possível vitória do Trump como um caminho para interferir na política interna, inclusive reverter as condenações."

"E aí aproveitaram esse atentado para tentar voltar para uma ofensiva em um momento que está difícil para o Bolsonaro e para o bolsonarismo."

A verdadeira batalha política brasileira neste ano se dará nas eleições municipais, que para o cientista político serve como uma espécie de prévia das eleições presidenciais daqui a dois anos, "especialmente no nível de polarização que a gente vive".

"O nosso eleitorado está dividido em 30% direita, 30% esquerda e 40% que fica oscilando", estima Medeiros. Nesses casos, "a questão nacional pode prevalecer, porque como o prefeito é mal avaliado, o eleitor vai se posicionar por mudança".

Antes, afirma Medeiros, os aliados de Jair Bolsonaro estavam "desmobilizados, desorganizados", se canibalizando internamente em busca de votos. "Ricardo Nunes, fustigado pelo [Pablo] Marçal, Kim Kataguiri e pela candidatura do [José Luiz] Datena, não consegue nem unificar o campo dele", exemplificou. Agora, o discurso de vitimismo será cooptado pelos políticos da direita como forma de angariar votos.

Nesse sentido, todos os olhos estão voltados para São Paulo, onde o lulismo e o bolsonarismo disputam a prefeitura.

"São Paulo reproduz essa nitidez partidária ideológica que a gente viu nas eleições nacionais. Então por isso é uma continuação, mas também é uma projeção para o futuro porque não é nem alguém do partido do Bolsonaro nem alguém do partido do Lula."

Apoiado por Lula, Guilherme Boulos (PSOL-SP) enfrenta uma rejeição aproximada de 35%. Isso quer dizer que se Lula conseguir eleger Boulos na cidade de São Paulo, "ele sai muito bem posicionado para 2026", afirma Medeiros.

 

•        Lula defende civilidade na política e sugere que ataque a Trump pode sensibilizar eleitores dos EUA

Em entrevista à TV Record nesta terça-feira (16), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou a necessidade de civilidade na política global, ressaltando que o mundo precisa aprender a conviver democraticamente na diversidade.

Durante a conversa, Lula afirmou que "nós precisamos aprender a conviver democraticamente na diversidade", enfatizando que o respeito mútuo é essencial, mesmo em meio a opiniões divergentes.

Lula criticou a prevalência de fake news e a falta de argumentos sólidos nos debates políticos atuais, observando que "o argumento vale muito pouco. O que vale hoje é mentira. O que vale hoje é fake news".

Ele expressou preocupação com a crescente intolerância e violência na sociedade, não apenas em relação a figuras públicas como o ex-presidente Donald Trump, mas também em níveis locais, mencionando a violência contra prefeitos e vereadores em pequenas cidades.

O presidente destacou a importância de lidar com a pobreza e a fome como forma de combater a migração forçada e a violência, citando sua própria experiência familiar como exemplo de migração em busca de sobrevivência.

"A migração é resultado da pobreza que permitiu que alguns países ficassem durante séculos. Se houvesse investimento nesses países, certamente ninguém queria viajar para ir para outro país", afirmou Lula.

Em relação ao recente incidente envolvendo Trump, Lula acredita que o impacto político dependerá de como o ex-presidente explorará a situação. Ele sugere que Trump pode tentar sensibilizar uma parte da sociedade com o ocorrido, mas destaca que "cada democrata vai encontrar um jeito de não permitir que isso seja a razão pela qual ele possa ter voto".

Lula concluiu a entrevista reafirmando seu compromisso com a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza global, iniciativas que ele está promovendo no G20. "Nós temos que fazer com que as pessoas tenham acesso ao bem básico de sua sobrevivência. Se a gente fizer isso, não precisa ter violência", finalizou o presidente.

•        'Violência recorrente' e zero novidades: atentado contra Trump pode mudar resultados nos EUA ou não?

Se antes o desempenho do atual presidente Joe Biden já não estava agradando tanto os estadunidenses, agora, o fator Trump pode virar uma opção aos indecisos, dentro e fora do campo dos democratas, que optam por não querer que o atual chefe de Estado norte-americano continue no poder.

Especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, apontam que o movimento feito contra o magnata, além de mudar a lógica e a ordem do debate, acusando a "esquerda" de ser violenta contra a direita, pode desembocar no seu retorno à Casa Branca. Um dos analistas, no entanto, acredita que o retorno de Trump pode não ser tão certeiro assim.

Segundo Andrew Traumann, professor de relações internacionais no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) e coordenador da Pós-Graduação em Geopolítica da Ásia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o ex-presidente sai dessa "muito fortalecido porque, em um momento como esse, há uma solidariedade nacional e internacional".

"Ele [Trump] foi vítima de um atentado, quase morreu e vai ganhar força. Aquela foto dele se tornou uma foto icônica, com o punho cerrado, a bandeira, o sangue, enfim, tudo aquilo forma uma imagética muito poderosa para a população, e, inclusive, ele pode até atrair mais eleitores republicanos às urnas", explicou ao ser questionado qual poderia ser o resultado do que ocorreu a Trump.

Segundo Lucas Massimo, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), o atentado sofrido por Donald Trump "aumenta a preocupação dos líderes mundiais com a democracia norte-americana". Ele destacou ainda que, independentemente do resultado eleitoral, "um episódio de tamanha gravidade num momento tão crítico da campanha" prejudica a legitimidade do novo eleito e enfraquece a posição dos Estados Unidos na geopolítica mundial.

Trump contra o sistema?

O analista internacional menciona a narrativa de Trump como uma vítima perseguida pelo sistema como fator que pode mobilizar eleitores que não pretendiam votar.

Ao ser indagado sobre a influência das teorias da conspiração de ajudarem a criar um candidato forte, Traumann retrucou que sim: "A versão oficial dos fatos é que existia um perímetro de segurança em torno do palanque onde estava Trump… O FBI vem culpando a polícia local por essa negligência."

"Porque, a partir de agora [do atentado], ele [Trump] está contra o sistema, alguma coisa ele sabe. Aquela narrativa de que ele está do lado do americano comum, contra todo um sistema que é Wall Street, as grandes corporações, as big techs, enfim, toda uma questão muito relacionada à teoria da conspiração, que faz parte do imaginário do norte-americano médio", arguiu ele, garantindo que será muito difícil para Biden reverter a situação.

•        Política dos EUA é 'violenta'

Por outro lado, Ricardo Caichiolo, professor de relações internacionais do Ibmec Brasília, afirma que o atentado contra Trump mostra a verdadeira face norte-americana.

"[O atentado] sinaliza que a política americana é uma política violenta, que ao longo dos anos, das décadas, ela sempre foi marcada por momentos de violência, inclusive destinados ao chefe maior dos Estados Unidos — no caso, do presidente da República", cravou o especialista.

Lucas Massimo vai ao encontro do que afirma Caichiolo, dizendo que "a violência nos Estados Unidos é algo recorrente" e destacando que o acesso massificado a armas torna complexa a tarefa dos profissionais de segurança. Ele sugere que a polarização extrema da campanha eleitoral contribuiu para o atentado e que é necessário um entendimento mais profundo do fenômeno, além de culpar apenas a inépcia dos serviços de segurança.

Ricardo Caichiolo alerta para o fator considerado "decisivo" quando o assunto é o atentado sofrido por Trump e sua possibilidade de retorno ao Salão Oval.

"A gente tem um tempo bem grande até as eleições de novembro, então não dá para cravar em que medida isso vai repercutir positivamente para o Trump", retrucou o internacionalista, acrescentando que negativamente não repercutirá. Segundo ele, o que pode acontecer é "ser um elemento neutro em termos de impacto na disputa presidencial".

O atentado é visto pelo analista como algo positivo para Joe Biden — que vem sendo o assunto principal dos veículos de comunicação mundo afora — e que pode ajudá-lo na corrida eleitoral dos EUA.

"Há analistas, inclusive, que falam que para o Biden seria um momento até que ajudaria, porque seria um momento em que o foco não é mais na questão de ele ser uma pessoa mais idosa, de ele não ter condições psíquicas para poder disputar a presidência, que era o que estava na pauta americana, na imprensa americana nas últimas semanas. Porque agora você tem essa pauta, os olhos dos Estados Unidos e da imprensa norte-americana obviamente estão voltados para o atentado ocorrido", pondera Caichiolo.

Ao Mundioka, o professor de relações internacionais afirmou que agora é um momento no qual os próprios democratas estão revendo uma série de questões, uma série de diferenças dentro do próprio partido.

"Então isso de uma certa forma pode ajudar também o Partido Democrata, melhor dizendo, a se reorganizar. Enfim, eu acredito que os votantes que já haviam se decidido tanto pelo lado republicano como pelo lado democrata, eles não tendem a mudar o seu voto mesmo por conta do atentado", defende.

Sobre a possibilidade de Joe Biden ser substituído como candidato democrata, Ricardo Caichiolo foi claro: "Eu entendo que ele vai permanecer como candidato." Por outro lado, destacou a importância de Kamala Harris, que "tem totais condições" de assumir a presidência caso necessário.

Acerca da eventualidade de Trump mudar sua posição sobre o controle de armas após o atentado, Massimo foi cético: "Não vejo essa possibilidade no entorno imediato da campanha de Donald Trump." Ele explicou que o perfil de políticos republicanos que poderiam ponderar sobre a centralidade das armas na sociedade americana foi alijado dos centros de poder desde 2016.

  • O atentado

Na tarde de sábado (13) foram disparados tiros durante o comício da campanha de Trump em Butler, Pensilvânia. O ex-presidente sofreu um ferimento à bala na orelha direita e foi hospitalizado por um breve período. O atirador matou um membro da plateia e feriu gravemente outros dois na multidão antes que o Serviço Secreto o neutralizasse.

O Departamento Federal de Investigação (FBI, na sigla em inglês) está tratando o ocorrido como uma tentativa de assassinato e potencial terrorismo doméstico. O suposto atirador foi identificado como Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, de Bethel Park, Pensilvânia.

Trump se juntou à pequena lista de presidentes dos EUA que sobreviveram a uma tentativa de assassinato. Inclui Theodore Roosevelt, que foi baleado em 1912 durante a campanha, e Ronald Reagan, que foi baleado em 1981. Abraham Lincoln e John F. Kennedy estão entre os que foram assassinados.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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