quinta-feira, 18 de julho de 2024

IA de hipóteses: nova classe de algoritmos pode ampliar potencial para descobertas sobre câncer e Alzheimer

Pesquisadores da Mayo Clinic publicaram recentemente um estudo para mostrar o potencial de uma nova classe de algoritmos de inteligência artificial para combate e descoberta de mecanismos de doenças mais complexas: trata-se da IA de hipóteses. A ideia é desenvolver um modelo de IA que se baseia não apenas em uma base de dados já estabelecida, mas que estimula a tecnologia a levantar hipóteses. Uma das expectativas é treinar o modelo para que ele ofereça um tratamento médico melhor e individualizado a cada paciente, utilizando a tecnologia para isto.

Em entrevista ao Futuro da Saúde, os autores relatam que o foco inicial do estudo é o câncer, mas que é possível aplicar a novidade para estudo de outras doenças complexas e de outras áreas científicas. Uma das doenças de interesse é, por exemplo, o Alzheimer, além do envelhecimento da população, que é uma das preocupações atuais da área da saúde. 

Dentro da IA, é possível fazer perguntas, com base no domínio de conhecimento e hipótese, sobre como acontece a doença, quais mecanismos do organismo humano estão envolvidos, de que forma isso afeta o corpo, entre outras questões. Todas essas perguntas são feitas à tecnologia de forma que, a longo prazo, seja possível utilizar uma IA capacitada a descobrir respostas na área da saúde e capaz de devolver respostas para diversas doenças.

“Esta é apenas uma, mas ainda há muitas outras partes na área médica que a IA baseada em hipóteses pode cobrir. Você foca em como fazemos a pergunta e como melhoramos a qualidade do paciente, não apenas no tratamento, mas no diagnóstico precoce, detecção precoce, entre outros”, comenta Choong Yong Ung, professor do Departamento de Farmacologia Molecular e Terapêutica Experimental da Mayo Clinic e um dos autores do estudo. 

•        A tecnologia de IA de hipóteses

A construção dessa nova classe de algoritmos de IA é diferente da utilizada convencionalmente, que fornece base de dados e pode ser manuseada por treinamento supervisionado ou não supervisionado. Hoje, esse tipo de inteligência é muito utilizado para alguns processos, como reconhecimento facial de aeroportos ou em processos de classificação de elementos. 

A proposta dos pesquisadores da Mayo Clinic é usar dois métodos distintos para desenvolvimento desta nova classe de algoritmos: domínio de conhecimento, com a incorporação de conhecimentos científicos da área médica já existentes, e hipóteses. Segundo Cristina Correia, professora assistente de Farmacologia na Mayo Clinic e integrante do estudo, existe uma relação entre máquina e humano, porque o uso será não apenas do domínio de conhecimento que já existe, como uma troca com o teste de hipóteses que a comunidade médica formula e tem interesse de responder. “Este é um novo conhecimento que podemos gerar, nós realmente queremos entender como são tomadas essas decisões, no que podemos avançar e quais outras informações podemos ter para ajudar a resolver problemas médicos”, disse.

Para Hu Li, coautor do estudo e pesquisador de Biologia de Sistemas da Mayo Clinic, o método de hipóteses tem um papel importante porque ajuda a identificar mecanismos que causaram a doença, qual poderia ser uma possível cura e formas de melhorar a vida do paciente e fazer um bom tratamento. “Quando nos voltamos ao interesse humano, estamos mais interessados em perguntas de como e porquê, essa é a razão do teste de hipóteses. O modelo de hipóteses explica um pouco como as coisas funcionam.”

•        SpinAI

Uma aplicação sendo estudada atualmente pelo centro de pesquisa da Mayo Clinic é o protótipo SpinAI. Ele é desenvolvido com IA de aprendizagem profunda (deep learning) e é baseado na hipótese de que exista uma nova classe de genes que saiba informar e prever como e onde as células se organizam dentro de microambientes. Ou seja, é utilizado para analisar a informação genética de células individualmente para reconstruir com precisão a disposição das células em um tecido, sem conhecimento preexistente de como as células estão organizadas. Os pesquisadores apelidaram esses genes de Genes Espacialmente Preditivos (Spacial Predictive Genes, SPGs). 

O protótipo é treinado para prever as coordenadas espaciais X e Y dos genes e apresentar essas informações em um transcriptoma, um conjunto com o reflexo da expressão desses genes. Ele também pode ser treinado por dados de diferentes pacientes, o que personaliza a localização dessas células para cada indivíduo, visto que a doença pode agir diferente em cada organismo. 

“Se você pensar em um bairro, quais são as principais características desse bairro? É uma tentativa de entender a ideia que impulsiona um novo vizinho e porque existem esses novos vizinhos e, portanto, há um padrão específico dessas células que ajudaria a organizar o espaço”, explica Correia.

SpinAi é uma aposta dos pesquisadores da Mayo Clinic para determinar a organização das células e, com isso, recuperar informações para estudo e fabricação de novos medicamentos, entendimento sobre o alvo da doença ou até mesmo compreender como a doença é afetada por determinada droga. Outras respostas que os pesquisadores perseguem é como esses mecanismos mudam conforme o tempo. “Nós queremos identificar não apenas os genes, mas também as cadeias dos genes que determinam como as células se organizam”, detalha Correia. 

Existem, contudo, algumas lacunas no desenvolvimento do SpinAI que os pesquisadores tentam solucionar. Uma delas é que a organização espacial das células pode ser influenciada por células vizinhas. No entanto, saber como as células funcionam é fundamental para entender mais sobre as doenças, principalmente para sua etimologia e formulação de tratamentos. Outro obstáculo são os genes espacialmente variáveis (Spacial Variable Genes, SVGs), que se distinguem dentre os demais, mas não significa necessariamente que eles fazem parte do processo regulador de organização das células em seus microambientes.

SpinAI é um dos protótipos sendo desenvolvidos pelos pesquisadores nos últimos anos a partir da proposta de nova classe de IA. “Este pode ser um novo tipo de trabalho geral com IA baseado em hipóteses, que é o que estamos trabalhando. Esses são alguns exemplos dele e podemos estendê-lo como uma nova direção de IA. É uma área empolgante, uma classe realmente muito nova, mas estamos otimistas sobre os próximos passos, que pode ser usado em diferentes aplicações”, comenta Li.

•        Aplicações na saúde: Câncer e Alzheimer

O estudo publicado na revista Cancers cita o uso desta nova tecnologia para inúmeras funções dentro da medicina, principalmente nos estudos oncológicos. Algumas das atividades possíveis de serem realizadas com o uso da IA de hipóteses incluem a classificação de tumores, estratificação de pacientes, descoberta de genes de câncer, previsão de resposta de pacientes a medicamentos e organização espacial de tumores. 

“Temos interesse em muitas áreas diferentes, câncer, Alzheimer e outras. É como se a ferramenta em si fosse agnóstica [sem limitações], talvez leve mais tempo para fazer um algoritmo personalizado e como usá-lo, mas você pode reciclá-lo e usar doenças diferentes”, comenta Correia.  

Na aplicação do dia a dia, Li vê uma possível limitação do uso da tecnologia pela comunidade médica. Para ele, a forma como médicos irão utilizar esse novo tipo de IA e integrar seu conhecimento pode ser uma dificuldade na implementação da tecnologia. “Acho que é uma espécie de barreira que o centro médico precisa se aprofundar e então todos tentarem ativamente implementar seu domínio de conhecimento no algoritmo”, comenta. 

 

Fonte: Por Isabella Marin, em Futuro da Saúde

 

Nenhum comentário: