IA de hipóteses: nova classe de algoritmos
pode ampliar potencial para descobertas sobre câncer e Alzheimer
Pesquisadores da Mayo
Clinic publicaram recentemente um estudo para mostrar o potencial de uma nova
classe de algoritmos de inteligência artificial para combate e descoberta de
mecanismos de doenças mais complexas: trata-se da IA de hipóteses. A ideia é desenvolver
um modelo de IA que se baseia não apenas em uma base de dados já estabelecida,
mas que estimula a tecnologia a levantar hipóteses. Uma das expectativas é
treinar o modelo para que ele ofereça um tratamento médico melhor e
individualizado a cada paciente, utilizando a tecnologia para isto.
Em entrevista ao
Futuro da Saúde, os autores relatam que o foco inicial do estudo é o câncer,
mas que é possível aplicar a novidade para estudo de outras doenças complexas e
de outras áreas científicas. Uma das doenças de interesse é, por exemplo, o
Alzheimer, além do envelhecimento da população, que é uma das preocupações
atuais da área da saúde.
Dentro da IA, é
possível fazer perguntas, com base no domínio de conhecimento e hipótese, sobre
como acontece a doença, quais mecanismos do organismo humano estão envolvidos,
de que forma isso afeta o corpo, entre outras questões. Todas essas perguntas são
feitas à tecnologia de forma que, a longo prazo, seja possível utilizar uma IA
capacitada a descobrir respostas na área da saúde e capaz de devolver respostas
para diversas doenças.
“Esta é apenas uma,
mas ainda há muitas outras partes na área médica que a IA baseada em hipóteses
pode cobrir. Você foca em como fazemos a pergunta e como melhoramos a qualidade
do paciente, não apenas no tratamento, mas no diagnóstico precoce, detecção
precoce, entre outros”, comenta Choong Yong Ung, professor do Departamento de
Farmacologia Molecular e Terapêutica Experimental da Mayo Clinic e um dos
autores do estudo.
• A tecnologia de IA de hipóteses
A construção dessa
nova classe de algoritmos de IA é diferente da utilizada convencionalmente, que
fornece base de dados e pode ser manuseada por treinamento supervisionado ou
não supervisionado. Hoje, esse tipo de inteligência é muito utilizado para alguns
processos, como reconhecimento facial de aeroportos ou em processos de
classificação de elementos.
A proposta dos
pesquisadores da Mayo Clinic é usar dois métodos distintos para desenvolvimento
desta nova classe de algoritmos: domínio de conhecimento, com a incorporação de
conhecimentos científicos da área médica já existentes, e hipóteses. Segundo Cristina
Correia, professora assistente de Farmacologia na Mayo Clinic e integrante do
estudo, existe uma relação entre máquina e humano, porque o uso será não apenas
do domínio de conhecimento que já existe, como uma troca com o teste de
hipóteses que a comunidade médica formula e tem interesse de responder. “Este é
um novo conhecimento que podemos gerar, nós realmente queremos entender como
são tomadas essas decisões, no que podemos avançar e quais outras informações
podemos ter para ajudar a resolver problemas médicos”, disse.
Para Hu Li, coautor do
estudo e pesquisador de Biologia de Sistemas da Mayo Clinic, o método de
hipóteses tem um papel importante porque ajuda a identificar mecanismos que
causaram a doença, qual poderia ser uma possível cura e formas de melhorar a
vida do paciente e fazer um bom tratamento. “Quando nos voltamos ao interesse
humano, estamos mais interessados em perguntas de como e porquê, essa é a razão
do teste de hipóteses. O modelo de hipóteses explica um pouco como as coisas
funcionam.”
• SpinAI
Uma aplicação sendo
estudada atualmente pelo centro de pesquisa da Mayo Clinic é o protótipo
SpinAI. Ele é desenvolvido com IA de aprendizagem profunda (deep learning) e é
baseado na hipótese de que exista uma nova classe de genes que saiba informar e
prever como e onde as células se organizam dentro de microambientes. Ou seja, é
utilizado para analisar a informação genética de células individualmente para
reconstruir com precisão a disposição das células em um tecido, sem
conhecimento preexistente de como as células estão organizadas. Os
pesquisadores apelidaram esses genes de Genes Espacialmente Preditivos (Spacial
Predictive Genes, SPGs).
O protótipo é treinado
para prever as coordenadas espaciais X e Y dos genes e apresentar essas
informações em um transcriptoma, um conjunto com o reflexo da expressão desses
genes. Ele também pode ser treinado por dados de diferentes pacientes, o que
personaliza a localização dessas células para cada indivíduo, visto que a
doença pode agir diferente em cada organismo.
“Se você pensar em um
bairro, quais são as principais características desse bairro? É uma tentativa
de entender a ideia que impulsiona um novo vizinho e porque existem esses novos
vizinhos e, portanto, há um padrão específico dessas células que ajudaria a
organizar o espaço”, explica Correia.
SpinAi é uma aposta
dos pesquisadores da Mayo Clinic para determinar a organização das células e,
com isso, recuperar informações para estudo e fabricação de novos medicamentos,
entendimento sobre o alvo da doença ou até mesmo compreender como a doença é
afetada por determinada droga. Outras respostas que os pesquisadores perseguem
é como esses mecanismos mudam conforme o tempo. “Nós queremos identificar não
apenas os genes, mas também as cadeias dos genes que determinam como as células
se organizam”, detalha Correia.
Existem, contudo,
algumas lacunas no desenvolvimento do SpinAI que os pesquisadores tentam
solucionar. Uma delas é que a organização espacial das células pode ser
influenciada por células vizinhas. No entanto, saber como as células funcionam
é fundamental para entender mais sobre as doenças, principalmente para sua
etimologia e formulação de tratamentos. Outro obstáculo são os genes
espacialmente variáveis (Spacial Variable Genes, SVGs), que se distinguem
dentre os demais, mas não significa necessariamente que eles fazem parte do
processo regulador de organização das células em seus microambientes.
SpinAI é um dos
protótipos sendo desenvolvidos pelos pesquisadores nos últimos anos a partir da
proposta de nova classe de IA. “Este pode ser um novo tipo de trabalho geral
com IA baseado em hipóteses, que é o que estamos trabalhando. Esses são alguns
exemplos dele e podemos estendê-lo como uma nova direção de IA. É uma área
empolgante, uma classe realmente muito nova, mas estamos otimistas sobre os
próximos passos, que pode ser usado em diferentes aplicações”, comenta Li.
• Aplicações na saúde: Câncer e Alzheimer
O estudo publicado na
revista Cancers cita o uso desta nova tecnologia para inúmeras funções dentro
da medicina, principalmente nos estudos oncológicos. Algumas das atividades
possíveis de serem realizadas com o uso da IA de hipóteses incluem a classificação
de tumores, estratificação de pacientes, descoberta de genes de câncer,
previsão de resposta de pacientes a medicamentos e organização espacial de
tumores.
“Temos interesse em
muitas áreas diferentes, câncer, Alzheimer e outras. É como se a ferramenta em
si fosse agnóstica [sem limitações], talvez leve mais tempo para fazer um
algoritmo personalizado e como usá-lo, mas você pode reciclá-lo e usar doenças
diferentes”, comenta Correia.
Na aplicação do dia a
dia, Li vê uma possível limitação do uso da tecnologia pela comunidade médica.
Para ele, a forma como médicos irão utilizar esse novo tipo de IA e integrar
seu conhecimento pode ser uma dificuldade na implementação da tecnologia. “Acho
que é uma espécie de barreira que o centro médico precisa se aprofundar e então
todos tentarem ativamente implementar seu domínio de conhecimento no
algoritmo”, comenta.
Fonte: Por Isabella
Marin, em Futuro da Saúde
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