Banco do
Brasil financiou investigado por grilagem com fazenda 96% desmatada
PRESOS
APÓS INVESTIGAÇÃO do Ministério Público de Rondônia, dois invasores do parque
estadual Guajará-Mirim obtiveram crédito rural do Banco do Brasil (BB) e do
Banco da Amazônia (Basa), de acordo com dados do Banco Central obtidos pelo
Greenpeace e acessados pela Repórter Brasil.
Um
dos beneficiados foi o ex-juiz Hedy Carlos Soares. Em menos de dois meses,
entre junho e agosto de 2021, ele conseguiu quatro concessões de crédito rural
do Basa para bovinocultura e aquisição de animais em sua fazenda Prosperidade,
no município de Buritis (RO).
Com
uma área total de 946 hectares, a fazenda Prosperidade teve 130 hectares
desmatados entre 2012 e 2021, de acordo análise do Greenpeace baseada nos dados
de satélite do Prodes, programa de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais). Um ano depois, o ex-juiz conseguiu mais uma emissão de
crédito rural para a mesma propriedade, somando um total de mais de R$ 2,4
milhões.
O
último crédito foi emitido em 1º de agosto de 2022. Quinze dias depois, Soares
seria preso por determinação do Tribunal de Justiça de Rondônia por ter dado
sentenças que o favoreciam. Uma delas legitimou a posse da fazenda Cantão,
inserida no parque Guajará-Mirim e da qual o juiz era arrendatário.
O
juiz movimentou pelo menos 300 cabeças de gado entre as fazendas Cantão e
Prosperidade, de acordo com Guias de Trânsito Animal (GTAs) citadas nas
investigações do Ministério Público.
Em
maio, a Repórter Brasil já havia revelado que pessoas apontadas como laranjas
do juiz forneceram por anos gado à JBS e Marfrig, que admitiram a relação com
os fornecedores e informaram que eles foram bloqueados.
Outra
fazenda a apenas 400 metros da propriedade Cantão, a Recanto, em Nova Mamoré
(RO), recebeu do Banco do Brasil R$ 251 mil, em janeiro de 2020, para aquisição
e manutenção de animais. Seu proprietário, Walvernags Cotrin Gonçalves, foi
preso no último novembro por invasão ao parque estadual Guajará-Mirim. Segundo
as investigações do Ministério Público, ele le atuava no mesmo grupo do
ex-juiz.
Na
época em que recebeu o crédito, a propriedade tinha menos de 4% da sua área com
vegetação nativa. Dos 419,05 hectares da fazenda Recanto, 402 hectares foram
desmatados entre 2013 e 2015, de acordo com os dados de satélite do Prodes/Inpe
analisados pelo Greenpeace. O montante equivale a 95,9% da propriedade.
Isso
significa que, ainda que tenha obtido autorização para a derrubada da
vegetação, a propriedade está irregular em relação às áreas mínimas de conservação
em propriedades rurais previstas pelo Código Florestal. A lei federal prevê
que, além de manter conservadas as Áreas de Preservação Permanente em margens
de rios e topos e encostos de morros, as propriedades rurais devem manter uma
parcela de vegetação nativa denominada Reserva Legal. Na Amazônia, a Reserva
Legal deve corresponder a 80% da propriedade em áreas de florestas.
Questionada
pela reportagem, a Sedam, secretaria estadual de desenvolvimento ambiental de
Rondônia, não respondeu se as fazendas Prosperidade e Recanto contavam com
autorização do órgão para o desmate – as chamadas autorização para supressão de
vegetação (ASV).
• Como bancos restringem crédito a
infratores
A
responsabilidade das instituições financeiras vem sendo regulamentada por
normas do Banco Central desde 2008 para restringir o crédito rural a infratores
ambientais. Já a responsabilização da cadeia da pecuária na Amazônia por
fornecedores ligados a crimes ambientais contam apenas com diretrizes do
protocolo Boi na Linha, uma iniciativa do Imaflora (Instituto de Manejo e
Certificação Florestal e Agrícola) em parceria com o Ministério Público Federal.
As
resoluções do Banco Central foram atualizadas em 2023 com normas mais rígidas,
que vetam o crédito a propriedades com áreas embargadas, com o Cadastro
Ambiental Rural (CAR) suspenso ou com sobreposição a unidades de conservação,
terras indígenas e florestas públicas em todo o país.
Ainda
assim, segundo análise do Greenpeace, as normas atuais são insuficientes para
evitar a concessão de créditos a desmatadores. No relatório Bancando a
Extinção, publicado no último abril, a ONG revelou que 10.074 propriedades
inseridas total ou parcialmente em unidades de conservação na Amazônia foram
beneficiadas por recursos do crédito rural entre 2018 e 2022.
Também
receberam o financiamento 24 propriedades sobrepostas a 7 terras indígenas,
21.692 imóveis sobrepostos a florestas públicas não destinadas; 798 imóveis
financiados com embargo do Ibama e 29.502 propriedades com desmatamento.
A
pesquisa foi realizada a partir do cruzamento de bancos de dados públicos, como
o Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural) do Banco Central, o Cadastro
Ambiental Rural (CAR) e os dados de desmatamento do Prodes/Inpe. As
propriedades de Hedy Carlos Soares e Walvernags Cotrin Gonçalves estão entre os
casos apurados pelo Greenpeace.
“Os
bancos alegam que concederam os créditos antes da norma mais recente do Banco
Central, de 2023, entrar em vigor. Mas nós temos leis, como a de crimes
ambientais, e elas são soberanas. Como os bancos ignoram a legislação?“,
questiona Thais Bannwart, porta-voz do Greenpeace Brasil.
• Normas aprimoradas para concessão de
crédito
A
partir da denúncia do Greenpeace, o Ministério Público Federal publicou uma
recomendação no início de junho para que os bancos cancelem crédito rural para
propriedades em áreas de conservação na Amazônia. As instituições têm 30 dias
para responder.
Em
seu relatório, o Greenpeace sugere novos critérios de concessão de crédito para
evitar as brechas encontradas pela pesquisa. Elas seriam sanadas, segundo a
ONG, com medidas como a exigência de autorização para supressão de vegetação
(ASV) e a rastreabilidade do gado – que evitaria o uso do crédito rural para
adquirir animais ligados a desmatamento.
Outra
sugestão da ONG muda o alvo do escrutínio: o veto de recursos passaria a mirar
o proprietário que tenha embargos ou
autuações em quaisquer de suas propriedades – e não só a propriedade inscrita
para a operação de crédito, como manda o critério atual.
As
mudanças fechariam as brechas que permitiram a concessão de créditos a Hedy
Carlos Soares e Walvernags Cotrin Gonçalves. Os advogados de ambos foram
procurados pela reportagem por e-mail, mas não retornaram aos contatos.
“Casos
como o de Walvernags Cotrin Gonçalves, que recebeu financiamento do Banco do
Brasil para uma fazenda com 96% da área desmatada, ilustram que nem mesmo a
primeira norma do Conselho Monetário Nacional que fez exigências ambientais
para o crédito rural para o bioma Amazônia – a resolução CMN 3545/2008 – está
sendo cumprida”, avalia a especialista em finanças sustentáveis Luciane Moessa,
diretora da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis e ex-procuradora do
Banco Central.
O
Banco do Brasil é o maior operador do crédito rural na Amazônia Legal, segundo
o Greenpeace. Somente em 2022, a instituição concedeu 44,10% do valor dos
contratos de crédito rural na região. O BB ficou em 8º lugar entre dez grandes
bancos avaliados no Rasa (Ranking da Atuação Socioambiental de instituições
financeiras), desenvolvido pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis.
Já
o Banco da Amazônia foi avaliado pelo Rasa no ranking dos bancos de
desenvolvimento e agências de fomento e ficou em 2º lugar, atrás somente do
BNDES.
Questionados
sobre a concessão de crédito a invasores do parque Guajará-Mirim, os dois
bancos reafirmaram suas políticas através de nota, mas não mencionaram os casos
apresentados pela reportagem.
“O
BB não comenta casos específicos em respeito ao sigilo bancário”, afirma a nota
do Banco do Brasil, acrescentando que o banco “está seguro sobre a conformidade
em seus processos de concessão de crédito”. A íntegra da nota pode ser lida
aqui.
Já
o Banco da Amazônia afirmou que está em constante aprimoramento dos critérios
de avaliação de riscos socioambientais e climáticos. “Atualmente, esses
critérios incluem a verificação automática de sobreposição com áreas indígenas,
quilombolas, reservas públicas, unidades de conservação e embargos”, diz a nota
do banco.
• Vilão ambiental, fracking está perto
de ser proibido em quatro estados brasileiros
Considerada
a técnica de exploração de gás natural e petróleo mais nociva que existe, o
fraturamento hidráulico, ou fracking, felizmente ainda não é realizado no
subsolo brasileiro. Enquanto a proibição não é garantida no país todo por uma
legislação federal, Mato Grosso está muito perto de ser o terceiro estado a
vetar oficialmente essa modalidade de exploração não convencional e outras que
possam poluir o lençol freático.
Aprovada
pela Assembleia Legislativa mato-grossense no dia 12 de junho, a proibição
aguarda apenas sanção do governador Mauro Mendes (União Brasil). Algo
semelhante ao que poderá ocorrer na Bahia, se os deputados estaduais baianos
também avançaram na legislação anti-fracking apresentada por Robinson Almeida
(PT) no início de junho.
Assim,
ambos os estados se somariam a Paraná e Santa Catarina, que já possuem decisões
sancionadas contra o método. Ambientalistas ouvidos pelo Brasil de Fato
comemoram os sucessos regionais, que ocorrem graças às mobilizações puxadas
pela Coalizão Não Fracking Brasil e organizações anti-combustíveis fósseis, mas
também pela adesão de políticos de diferentes correntes, assim como setores da
economia e entidades civis e religiosas.
“No
estado do Mato Grosso, as articulações mais fortes vêm sendo feitas com o
agronegócio, que tem esse interesse, principalmente pela questão da
contaminação, das fontes hídricas, possível contaminação dos alimentos”, aponta
Ilan Zugman, diretor para América Latina da ONG internacional 350.org. Ele
reconhece o peso desse tipo de apoio, mas diz que sua entidade prefere não
manter vínculos diretos com o agro, “apenas atuar com as comunidades afetadas,
por ser o setor que mais contribui com as emissões de gases de efeito estufa no
Brasil”.
Para
Juliano Araújo, diretor do Instituto Arayara e membro da Coalizão Não Fracking
Brasil, o setor produtivo e o próprio governador Mauro Mendes sabem que é
necessário cumprir os requisitos básicos para manter o potencial exportador,
além de tentar ganhar benefícios e créditos aos estados. “Os países europeus,
vários deles, e os países asiáticos proibem importações de proteína animal e
proteína vegetal em áreas onde há exploração do fraturamento hidráulico versus
produção de alimentos”, afirma.
O
deputado federal Jorge Solla (PT-BA) conta ao BdF, que no caso da Bahia, assim
como ocorreu no Paraná, as áreas com maior potencial de exploração estão em
cima de um grande aquífero. Ele menciona, em especial, o município de
Alagoinhas, no agreste do estado, principal polo industrial de produção de
cerveja, refrigerantes, sucos e água mineral, vista a notória qualidade do seu
aquífero.
“Você
permitir a exploração do gás xisto já é um risco em qualquer local. Neste
local, o risco é ainda maior, porque você pode contaminar essas reservas de
água de qualidade, comprometer a saúde da população, a economia, empregos,
então é algo que une políticos de toda classe”, descreve o político baiano.
No
nordeste, já há mobilizações para levar a pauta anti-fracking para outros
estados visados, especialmente o Maranhão e o Piauí. “No Maranhão, 70 % de toda
a área exploratória para fracking está em cima de territórios indígenas
quilombolas e áreas extremamente sensíveis, o que inclui indígenas isolados”,
aponta Araújo.
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Afinal, o que é fracking?
Muito
difundido nos Estados Unidos e presente em vários países da Europa, na
Venezuela, México e Argentina, o fraturamento hidráulico recebe esse nome
devido à técnica de provocar a ruptura das rochas subterrâneas para extrair os
chamados combustíveis não convencionais. Um deles é o gás ou óleo de xisto
(shale), cujas reservas geralmente se encontram a profundidades superiores às
de gás natural e petróleo, ditos combustíveis convencionais.
Em
reservas previamente mapeadas, o solo é perfurado e canos são instalados
primeiro na vertical e, depois, na horizontal. Então, passam a despejar um
volume monumental de água, misturado com mais de 600 elementos químicos e um
tipo de areia super-fina, conforme descreve Zugman.
“Todos
esses químicos, em alta pressão, com água, com areia, causam fraturas no
subsolo, e por essas fraturas do fracking, o gás pode ser captado e puxado de
volta para a superfície. Só que ao puxar o gás também voltam os químicos,
também volta a água e todos esses produtos se espalham pela região. Os fluidos
do fracking não são tratáveis e muitas vezes ficam armazenados em piscinas,
sujeitos à evacuação e à contaminação do solo. Por isso, o fracking é
considerado uma das técnicas mais devastadoras e consome tanta água”, continua.
Seguindo
para os riscos já demonstrados, Juliano Araújo menciona casos de aborto,
provocado por contaminação química, mutagênese, câncer – um pacote de
malefícios muitas vezes superior até aos agrotóxicos mais nocivos, embora
comuns na agricultura brasileira.
“Só
para você ter uma noção, quando a gente pega um copo de glifosato e um copo do
flowback, que é o líquido de retorno da exploração do fracking, esse mesmo copo
do flowback é 124 vezes mais danoso do que a mesma quantidade de agrotóxicos”,
acusa Araújo, que menciona a depreciação do valor da terra. “Você tem a redução
da produtividade no campo, ou seja, você passa a gerar infertilidade na
produção. E isso atinge do pequeno agricultor aos grandes”.
Ao
longo de mais de 10 anos de ativismo, Araújo diz ter colhido evidências sobre
os riscos à vida humana, especialmente, avalizados pela comunidade científica.
“São mais de mil estudos, dentre eles a Universidade Cornell, Oxford, a
Universidade Johns Hopkins, que comprovam que o nascimento, a geração de
nascituros com deformidades, com mutagênese em relação à sua reprodução é um
fato. E a outra perda também, por exemplo, de capacidade cognitiva e
intelectual”, exemplifica.
As
evidências devastadoras em locais onde o fracking é praticado, como a região de
Vaca Muerta, na Argentina, demonstram como a modalidade, além de devastar,
contribui para que os índices de desenvolvimento humanos sejam baixíssimos. “É
o canto da sereia do setor de petróleo que vende a ideia de que todo mundo vai
enriquecer e se beneficiar com o desenvolvimento. São 15 anos de exploração de
fracking na Argentina e o que nós temos hoje na província de Neuquén? Uma
região quebrada e falida, sem infraestrutura de hospitais, escolas, saneamento
básico e renda para as populações, e os argentinos ainda tiveram que bancar
essa empreitada”, aborda o ambientalista.
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Falta um “basta” nacional
Enquanto
estados e municípios criam barreiras legais, o Congresso Nacional ainda
engatinha em uma legislação específica contra o fracking. Um projeto de lei com
essa finalidade foi apresentado em 2019 e ainda aguarda parecer da Comissão de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Se
a forte bancada do agronegócio pode ser uma aliada nessa luta especificamente,
o próprio governo federal também “precisa parar de ser dúbio”, conforme aponta
Ilan Zugman. A despeito de todo discurso e acenos em favor da transição
energética, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já chegou a
aludir à possibilidade de incentivar estudos sobre o método. Seu ministério
inclusive mantém aberto um edital, lançado no fim do governo Bolsonaro, que
tenta viabilizar testes de facking e duramente criticado por ativistas.
Segundo
ele, o edital do Poço Transparente ainda não avançou muito, mas já demonstra o
interesse pelo fracking pela Eneva, principal empresa que opera com gás natural
no país, cuja maior fatia de mercado pertence ao banco BTG Pactual. “O Maranhão
e o Amazonas são os estados onde a Eneva tem muitas operações e a própria
empresa já falou que gostaria de testar o fracking. A consulta pública para o
edital ficou aberta por algum tempo e, se olhar as contribuições, a Eneva foi
uma das empresas que mais contribuiu, tentando deixar ainda mais flexível e com
menos restrições de teste”, acusa.
Zugman
acredita que os estudos ainda não avançaram em decorrência da “pressão da
sociedade civil e também aos impactos, que já são muito claros, onde o fracking
foi realizado”. Também pesa o fato de o Brasil caminhar em direção oposta em
outras frentes no tema energético, buscando se colocar como um potencial líder
em inovação e uma referência mundial em transição energética.
Para
Araújo, o país possui reservas suficientes de gás convencional e do pré-sal,
operadas com técnicas relativamente menos nocivas, antes de cogitar métodos
mais extremos. E, ainda assim, já seria o momento certo para buscar eficiência
em fontes alternativas de energia limpa, como o biometano, o hidrogênio verde e
as energias eólica e solar.
“O
Brasil não pode ser bipolar nas suas posições, tampouco o governo Lula. Não
pode uma hora dizer que está protegendo a Amazônia, reduzindo o desmatamento e
queimadas, mas querendo que explore petróleo e gás na bacia amazônica”,
protesta. Ele relembra que o governo manteve leilão no ano que ofereceu à
iniciativa privada a possibilidade de adquirir blocos em territórios indígenas,
quilombolas e unidades de conservação. “Então, o país não está priorizando os
seus compromissos políticos internacionais”.
Para
Zugman, está na hora de fazer escolhas claras porque, no momento, o país está
estimulando todas as fontes de energia, o que inclui renováveis e fósseis.
“Precisamos definir se realmente vamos seguir o que foi decidido na última COP,
que é iniciar a transição para deixar os combustíveis fósseis. Mas, para isso,
a gente precisa de uma linha do tempo, de prazo e de um plano concreto que,
hoje, o Brasil ainda não tem”, encerra.
Fonte:
Repórter Brasil/Brasil de Fato
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