Avanço de
garimpo em terras indígenas alerta para novos meios de lavagem de ouro
EM
MEIO À REDUÇÃO nos volumes declarados de ouro proveniente
de garimpos legais no Brasil, as
terras indígenas brasileiras perderam mais de 13 mil hectares de floresta para
a mineração em 2023. O avanço é mais lento do que em anos anteriores, mas
demonstra que a atividade clandestina permanece na Amazônia, já que a
exploração mineral em terras indígenas é proibida por lei.
A
análise exclusiva feita para a Repórter Brasil pelo jornalista
ambiental Edward Boyda, da organização não-governamental Earth Genome – que,
junto com o Pulitzer Center mantém a plataforma Amazon Mining Watch –
acende um alerta de que os meios de lavagem de minério ilegal podem estar
mudando após o fim da “regra da boa-fé”, que era apontada por especialistas
como facilitadora do contrabando do minério precioso no país.
“Se
os dados apontam para um aumento ou manutenção dos valores de áreas destinadas
ao garimpo, isso pode indicar que a exploração de ouro segue no ritmo de anos
anteriores. Logo, o ouro pode ser contrabandeado, sem passar por nenhum
processo de lavagem e consequentemente sem ser registrado em dados oficiais”,
afirma o pesquisador Bruno Manzolli, do Centro de Sensoriamento Remoto da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor de estudos sobre a produção
de ouro no país.
Um
exemplo do crescimento dos garimpos em áreas protegidas é a retirada irregular
de ouro em área próxima da aldeia Homoxi, na terra indígena Yanomami. Imagens
de satélite mostram que a área minerada cresceu entre 2018 e 2023. E
especialistas consultados pela reportagem avaliam que a turbidez da água nas
cavas é um indício de que o garimpo segue em atividade.
“Restringir
ao máximo a comercialização de ouro oriundo de terras indígenas e unidades de
conservação, instituir regras para combater a lavagem de dinheiro, e revogar
dispositivos na Lei 12.844, de 2013, que enfraquecem a fiscalização – todas
essas medidas inseridas no projeto de lei – trará um grande avanço no combate
desses crimes”. A matéria já foi aprovada pelo Senado e
agora segue em tramitação na Câmara de Deputados.
Autor
de um projetos de lei que cria a Guia de Transporte e Custódia de
Ouro – documento de rastreabilidade que
almeja ampliar o controle e a transparência da cadeia produtiva do minério –, o
senador Fabiano Contarato (PT-ES) defende que a aprovação de seu seu texto pode
trazer mais controle sobre a atividade ilegal em áreas proptegidas.
O
secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública
(MJSP), Marivaldo Pereira, coordenou a elaboração do PL e defendeu a medida como
“essencial para fortalecer o combate ao garimpo ilegal em terras indígenas e em
áreas de preservação”.
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Brasil pode estar esquentando ouro fora do país
Pesquisadores
e agentes que combatem o garimpo ilegal na Amazônia apontam que as mudanças
legais nas normas de comércio de ouro no Brasil dificultaram a contravenção, ao
exigir das compradoras, as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores
Mobiliários), maior responsabilidade na aquisição do minério de garimpos. “As
transformações no mercado do ouro não são reflexos da diminuição da exploração
ilegal, que foi pouco expressiva, mas de uma menor facilidade para lavar o
minério”, afirma o pesquisador Rodrigo Oliveira, do Ministério Público Federal
do Pará.
Segundo investigações de autoridades,
antes da mudança, o minério vinha de outros países ou era retirado de uma área
protegida – como as terras indígenas – e registrado em um processo de mineração
de fachada. Em 2021, o MPF no Pará pediu a suspensão das três principais DTVMs em atuação no país após uma pesquisa da UFMG identificar a
suspeita de lavagem em 49 toneladas de ouro ilegal em garimpos na Amazônia,
entre 2019 e 2020.
Mas,
com as mudanças na legislação e o aumento de operações de órgãos de controle, o
ouro ilegal pode estar fazendo um caminho inverso. Em novembro do ano passado,
a PF desbaratou um esquema de transporte de ouro ilegal “frio”
[minério ilegal não lavado] para a Venezuela. Um mês antes, aquele país teve o
embargo do comércio de ouro aliviado pelo
governo dos EUA, mas a restrição voltou a ser aplicada em janeiro deste ano após suspeitas do governo Maduro
perseguir opositores políticos.
“A
nota fiscal eletrônica e o fim da presunção da boa fé dificultaram
significativamente a lavagem de ouro. Com isso, o comércio desse ouro ilegal
migrou para a tentativa de venda totalmente sem documentos, e houve várias
apreensões de ouro que vinha sendo transportado e comercializado totalmente
frio, às escondidas”, revela o perito criminal da Polícia Federal em Santarém
(PA), Gustavo Geiser.
Oliveira,
do MPF, também notou “um crescimento da circulação e da exportação de ‘ouro
frio’ , para ser esquentado nos países vizinhos ou mesmo em centros
consumidores com legislação mais frouxa, como nos países asiáticos”.
Recentemente,
a Repórter Brasil revelou que fiscais da Receita Federal
identificaram 5 quilos de ouro em pó não declarados, misturados a uma carga de 15 toneladas de carvão ativado que
acabou retida no Porto de Santos (SP) sob suspeita de ilegalidade no comércio
do minério precioso.
Nesta
semana, a colaboração internacional Opacidade Dourada: o mecanismo do tráfico
de ouro latino-americano, liderada pela organização de jornalismo investigativo
do Peru Convoca, e que tem a participação da Repórter Brasil e de
outros veículos da Colômbia, do Equador e da Venezuela, publica uma série de
reportagens revelando as formas de lavagem de dinheiro
em cinco países da América do Sul.
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Alta
recorde na cotação estimula ilegalidade e desafia fiscais
Em
março de 2024, o preço do ouro no mercado internacional bateu um recorde,
atingindo a maior cotação da história, o que pode estimular o aumento de garimpos ilegais na
Amazônia. “É necessário manter o alerta na fiscalização”, conclama Bruno
Manzolli, da UFMG.
O
caminho para aperfeiçoar a fiscalização passa pela imposição de regras mais
rígidas para licenciamento ambiental no setor, defende Hugo Loss, coordenador
de operações de fiscalização do Ibama. “O nosso desafio é transformar o regime
de lavra garimpeira e o licenciamento ambiental em medidas de efetivo controle
dos impactos que essas atividades causam, pois hoje a regulação ambiental de
municípios e estados é muito precária para garimpos”, diz.
O
agente do Ibama lembra ainda que o país peca no controle de comércio e uso de
equipamentos utilizados em garimpos. Investigação recente da Repórter
Brasil mostrou que, no último ano, 90 retroescavadeiras foram apreendidas em
terras indígenas e unidades de conservação na
Amazônia. “Não há controle no uso de máquinas como dragas, motores e
escavadeiras, a exemplo do que ocorre com o uso de motosserra, em que o órgão
ambiental está habilitado a controlar a comercialização e o porte desse equipamento”,
observa o agente ambiental.
O
senador Contarato concorda: “O crime está em constante evolução e novas formas
de investigação e controle de fiscalização são necessárias para tentar coibir a
sofisticação da prática ilícita desses atos. É necessário um esforço conjunto
para que haja uma política eficaz de combate ao contrabando de ouro ilegal”.
Fonte:
Reporter Brasil
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