terça-feira, 23 de julho de 2024

'Ataques à carne': a estratégia brutal da Rússia para ganhar terreno na guerra da Ucrânia

Soldados ucranianos no front de batalha utilizam um termo bastante gráfico para descrever as táticas russas que enfrentam todos os dias: eles chamam de "ataques à carne".

Tratam-se de grupos de soldados russos atacando suas posições de defesa, às vezes dez vezes por dia.

O tenente-coronel Anton Bayev, da Brigada Khartia da Guarda Nacional Ucraniana, diz que em apenas algumas horas chegam diversos grupos de soldados russos às posições de linha de frente ucraniana no norte de Kharkiv.

"Os russos usam isso na maior parte dos casos simplesmente para ver onde está localizada a nossa equipe de tiro e para constantemente esgotar as nossas unidades", diz.

"Nossos homens se mantêm em posição e lutam, e quando você é atacado por quatro ou cinco ondas de inimigos em um dia, que você tem que destruir, sem fim, é muito difícil, não só fisicamente, mas também psicologicamente".

A tática levou a um número surpreendente de baixas russas desde que Moscou lançou a sua última ofensiva, há dois meses.

Cerca de 1.200 soldados russos foram mortos ou feridos todos os dias em maio e junho, o nível mais alto desde o início da guerra, segundo autoridades ocidentais.

Normalmente, os drones detectam rapidamente os atacantes, e os russos muitas vezes deixam seus mortos e feridos no campo de batalha, diz o tenente-coronel Bayev. "A principal tarefa deles é simplesmente nos atacar e nos exaurir completamente."

A tática expõe a estratégia russa de aproveitar ao máximo sua principal vantagem: os números.

Em Pokrovsk, na região de Donetsk, o capitão Ivan Sekach, da 110ª Brigada Ucraniana, compara o que vê a uma esteira de produção levando os russos em direção à morte, embora permita que avancem lentamente.

A Rússia possui uma população significativamente maior que a da Ucrânia. Alguns dos envolvidos nas operações são ex-prisioneiros, e a Rússia também recruta muitos mediante um pagamento único que às vezes pode chegar a milhares de dólares.

Há, inclusive, queixas do lado russo sobre "regimentos de incapacitados", em que soldados feridos são forçados a retornar ao combate.

Um vídeo mostra dezenas de homens, alguns de muletas, dizendo a seus comandantes que estão feridos e precisam de tratamento hospitalar, mas são mandados de volta ao front.

Isso, dizem autoridades ​​ocidentais, permite a Moscou continuar a enviar soldados diretamente para as linhas da frente de batalha na mesma proporção em que são mortos ou feridos, por mais mal treinados que sejam.

A Ucrânia não conseguiria igualar as táticas russas, mesmo que tivesse as tropas necessárias, em parte devido a uma atitude diferente em relação às baixas.

Um general sênior foi demitido nas últimas semanas após denúncias de que estaria usando o que se costuma chamar de tática soviética: enviar pessoas para o front.

"Há muitas críticas porque perdemos muitos dos nossos homens devido a uma mentalidade e estratégia de estilo soviéticas”, diz Ivan Stupak, antigo oficial do Serviço de Segurança. "Estamos limitador de pessoal. Não temos outra opção que não seja pensar no nosso pessoal."

Na área em torno de Kharkiv, os avanços russos pararam. Mas no Leste, a tática de desgaste da Rússia registra progressos lentos porém constantes.

"Infelizmente, há muitos russos. E eles estão tentando realizar essa operação em busca de centímetro por centímetro, polegada por polegada, 100 metros por dia, 200 metros por dia. E, infelizmente, é um sucesso para eles." diz Stupak.

Em Kiev há frustração com o ritmo do apoio ocidental. Um alto funcionário reclama que a Ucrânia recebe ajuda suficiente para não perder, mas não o suficiente para vencer.

As autoridades ocidentais reconhecem que 2024 foi um ano difícil para a Ucrânia, com atrasos na chegada da assistência militar dos EUA que colocaram pressão sobre as defesas, custando território e vidas.

"Parece que a estratégia é ir aumentando de pouco em pouco", disse à BBC Oleksandr Merezhko, presidente da comissão parlamentar ucraniana de relações exteriores.

"Recebemos pouco a pouco, e tenho a impressão de que nossos aliados ocidentais fornecem um pouco de armamento e vêem o que acontece, como se tivessem medo do que chamam de escalada".

O fim das restrições ao uso de armas americanas na fronteira com a Rússia fez diferença e contribuiu para deter o ataque de Moscou a Kharkiv.

"Se tivermos de lutar com as mãos atadas nas costas, o que faremos é sangrar até à morte. É por isso que é de crucial importância que nos permitam utilizar mísseis de longo alcance no território da Rússia, e já temos resultados", observou Merezhko.

Mas uma outra autoridade ucraniana diz que o uso de ataques de maior alcance contra a Rússia é apenas um paliativo e que não altera fundamentalmente a dinâmica da guerra.

"Estamos caminhando para um impasse", afirma Ivan Stupak, antigo funcionário dos serviços de segurança, que reconhece que isso pode levar à "pílula amarga" de algum tipo de negociação.

Durante uma visita a Kiev na semana passada, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, sugeriu pela primeira vez um cessar-fogo para acelerar as negociações, uma postura que gerou desconfiança entre as autoridades de Kiev.

Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano Zelensky, disse à imprensa em Washington: "Não estamos dispostos a comprometer coisas e valores muito importantes".

Os ucranianos temem que sem garantias firmes de segurança - como a adesão à OTAN, no lugar de negociações vagas sobre uma ponte para adquirir o status - a Rússia possa reagrupar-se e atacar novamente no futuro.

Vladimir Putin aposta no desgaste da Ucrânia no campo de batalha e na superação da determinação do Ocidente em apoiar o país.

Além de lançar bombas aéreas guiadas sobre posições da linha da frente e civis em Kharkiv, Moscou também atacou instalações energéticas em todo o país, levando a apagões cada vez mais frequentes e preocupação com o inverno.

As eleições nos EUA em novembro adicionam outra camada de incerteza à dúvida sobre a capacidade da União Europeia de assumir o controle da situação.

Para o tenente-coronel Anton Bayev, na linha da frente próxima de Kharkiv, a capacidade de atacar a Rússia pode ter sido vital, mas agora vê que o seu inimigo está adaptando suas táticas - e não apenas com "ataques à carne".

As perdas agora vêm de ataques com morteiros e bombas deslizantes, enquanto as forças ucranianas continuam com escassez de munição.

"Precisamos de tudo e sempre falta", diz.

"Os meninos estão aguentando. Todos nós estamos aguentando. É duro, mas todos sabem o preço e por que tudo isso é feito."

¨      Mísseis dos EUA na Alemanha podem levar a uma escalada perigosa com Rússia, diz especialista

A implantação de mísseis de longo alcance dos EUA na Alemanha pode provocar uma escalada de tensões, disse à Sputnik o ex-oficial de inteligência dos Estados Unidos Scott Ritter.

Neste mês de julho, os Estados Unidos anunciaram que a partir de 2026 começariam a implantar mísseis SM-6 e Tomahawk na Alemanha, armas que anteriormente eram principalmente colocados em navios, bem como novos mísseis hipersônicos.

"Este é um desenvolvimento extremamente desestabilizador, e a Rússia disse que vai responder. A resposta específica da Rússia é desconhecida, mas a Rússia parou o desenvolvimento ou interrompeu a implantação de um sistema de médio alcance RS-26 ainda em 2017. E acredita-se que a Rússia pode colocar esse sistema de volta em operação e implantá-lo em pouco tempo", disse ele.

De acordo com o ex-oficial de inteligência, a decisão de implantar mísseis estadunidenses terra-ar, terra-terra, mísseis de cruzeiro e hipersônicos na Alemanha é uma escalada irresponsável. Ele advertiu que a decisão de Berlim poderia levar a eventos muito trágicos.

"Um erro, um erro de cálculo, um erro de julgamento pode levar a uma situação em que esses mísseis são disparados em fúria, e isso levaria a uma possível troca nuclear geral entre os Estados Unidos e a Rússia", alertou Ritter.

O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, disse que Moscou escolherá entre a mais ampla gama de opções, desenvolvendo uma resposta à implantação de mísseis americanos de longo alcance na Alemanha, sem descartar nenhuma opção, incluindo a implantação de sistemas similares em equipamentos nucleares.

<><> 'Europeus devem entender papel suicida que os espera', diz Lavrov sobre mísseis dos EUA na Alemanha

O ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, afirmou neste sábado (20), durante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, que os estadunidenses podem até planejar implantar os mísseis, mas quem sofrerá as consequências será a Europa.

Lavrov disse que por mais que o governo de Olaf Scholz tenha liberado os Estados Unidos de implantarem os mísseis de longo alcance em território alemão em 2026, "os responsáveis ​​do país norte-americano sabem que não é a sua nação que sofrerá em uma nova guerra global, mas sim os seus aliados no velho continente".

"Sholz disse inocentemente: 'Os EUA decidiram implantar sistemas de ataque de alta precisão na Alemanha, e esta é uma boa decisão' [...]. Os europeus devem compreender o papel suicida que os espera", afirmou o chanceler russo.

Para professora da Universidade Autônoma Metropolitana no México, Ana Teresa Gutiérrez del Cid, "o mais grave neste momento para a situação geopolítica é [a decisão de] abrigar [em território alemão] armas norte-americanas muito letais. Isso mostra que, na realidade, [os europeus] eram países ocupados por armas da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], por bases militares, que estão basicamente na Alemanha. E não sei se os seus líderes conseguem ver isso, mas [essa ação] não obedece aos interesses nacionais dos países europeus, mas sim aos interesses das empresas transnacionais".

Aparentemente, esse globalismo levou os líderes europeus a esquecerem a sua pátria e a sacrificar o interesse nacional. Porque é muito evidente na Alemanha, que até recentemente era a principal potência europeia, e também é visto na França, que [o presidente, Emmanuel] Macron obedece aos interesses do banco Rothschild, afirmou a especialista entrevistada pela Sputnik.

"O que não se entende é como os europeus estão dispostos a ir para uma nova guerra e não tentam anular esta possibilidade e pelo contrário, líderes como o húngaro [Viktor] Orbán são criticados e tentaram assassinar o líder eslovaco [Robert Fico]. Toda esta situação é muito lamentável", acrescentou Gutiérrez del Cid.

De acordo com Mikael Valtersson, veterano das Forças Armadas suecas e observador político e militar, Moscou tem uma ampla variedade de opções para responder à decisão.

O militar citou, em entrevista à Sputnik, locais como Kaliningrado, Belarus, Extremo Oriente, Alasca, Costa Oeste dos Estados Unidos, Norte da África e Caribe como lugares que Moscou poderia implantar seus mísseis como resposta.

Independentemente do que a Rússia acabe fazendo, o "o grande risco" da ação dos EUA, e da subsequente resposta russa, surgirá da redução do tempo de aproximação de mísseis de alcance intermediário colocados perto das fronteiras uns dos outros, o que aumenta a tensão e os riscos de qualquer lado tomando uma "decisão precipitada", alertou o militar.

Em 10 de julho, a Casa Branca anunciou formalmente planos para implantar novos mísseis SM-6, Tomahawks e armas hipersônicas, que têm alcance significativamente maior do que aqueles atualmente estacionados na Europa.

O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Riabkov, alertou esta semana que Moscou tomaria todas as medidas que considerasse necessárias para responder à ameaça no devido tempo.

¨      Ucranianos pagam até US$ 2 bilhões por ano para não serem enviados para combater a Rússia

Homens em idade de serviço militar na Ucrânia pagam até US$ 2 bilhões por ano para evitar serem enviados para a zona de hostilidades do conflito ucraniano, informou o deputado da Verkhovna Rada (Parlamento da Ucrânia), Dmitri Nataluja.

"O mercado negro para evitar o serviço militar, cujo volume anual varia entre US$ 700 milhões e US$ 2 bilhões [cerca de R$ 3,9 e R$ 11,2 bilhões] por ano, é a estimativa mais precisa", declarou Nataluja em um vídeo publicado pelo canal de televisão TSN.

No dia 18 de maio, entrou em vigor uma lei que endurece as condições para a mobilização militar na Ucrânia e as sanções para quem escapa da convocação. Algumas cláusulas entraram em vigor em meados de abril, após a promulgação de uma lei por Vladimir Zelensky.

A nova legislação exclui a possibilidade de desmobilização após 36 meses de serviço e dá aos reservistas um prazo de 60 dias após o decreto ter entrado em vigor para comparecerem em um cartório de alistamento militar e atualizarem os seus dados pessoais.

Da mesma forma, a nova lei permite o envio de citações para contas eletrônicas e obriga os cidadãos do sexo masculino com idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos a portarem consigo os títulos de registo militar durante o período de mobilização e a apresentá-los a pedido de funcionários dos cartórios de registo e alistamento militar, agentes policiais e de fronteira.

Os serviços consulares no exterior da Ucrânia também estão suspensos para homens entre os 18 e 60 anos que não possuam tais certificados de registro militar.

¨      Líder da esquerda da França afirma que retiraria o país da OTAN se fosse presidente

Jean-Luc Mélenchon, fundador do partido de esquerda França Insubmissa (FI), disse em entrevista ao jornal espanhol El Pais, neste domingo, que retiraria a França da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se fosse eleito presidente do país. "A OTAN carrega uma lógica de guerra", afirmou.

"Opto pela lógica do desarmamento e do apaziguamento… Se estivesse no Palácio do Eliseu, certamente me retiraria de forma sistemática e organizada do comando militar conjunto, da OTAN", disse Mélenchon.

Ainda assim, o político não pararia de ajudar a Ucrânia em seu conflito com a Rússia. "Somos europeus, não somos NATOistas."

"Os tratados europeus estipulam que a nossa defesa contra os agressores é coletiva. Portanto, as medidas tomadas pela União Europeia para ajudar a Ucrânia provavelmente mereceriam a nossa aprovação."

A saída do país da OTAN é pedida também por outros políticos, como Florian Philippot, líder do partido eurocético francês Os Patriotas, que no final de junho apelou à retirada da França da OTAN depois de a Ucrânia ter lançado um ataque mortal com mísseis em uma praia movimentada na Crimeia.

A França Insubmissa encabeça a coligação de esquerda Nova Frente Popular (NFP). Através de uma aliança com a frente presidencial de Emmanuel Macron, Juntos (Ensemble), as duas ideologias derrotaram eleitoralmente o partido de direita Reagrupamento Nacional nas últimas eleições parlamentares, ocorridas no dia 7 de julho.

Como consequência, o primeiro-ministro, Gabriel Attal, apontado por Macron, renunciou ao cargo. Caberá agora a NFP apresentar um novo primeiro-ministro para gerir o país.

A França possui um sistema semipresidencialista, no qual o poder Executivo é dividido entre o presidente, em cargo da política externa e defesa, e o primeiro-ministro, a quem cabe gerir toda a política interna.

Em poucas ocasiões na história da Quinta República francesa houve um caso como o de agora, no qual o primeiro-ministro pertencerá a outro partido que não o do presidente. No país essa situação é chamada de coabitação.

As próximas eleições presidenciais da França estão marcadas para acontecer em 2027.

 

Fonte: Por Gordon Corera, correspondente de segurança da BBC, Kyiv/Sputnik Brasil  

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