A última
cartada de Macron para tentar impedir que direita radical controle Parlamento
na França
O
partido Reunião Nacional (RN),
de direita radical, conseguiu mais uma vitória —
e está agora mais perto de alcançar seu objetivo de virar do avesso a política francesa.
Nos
próximos dias, vai se falar muito sobre candidatos de centro e de esquerda que
podem desistir da disputa no segundo turno, a fim de concentrar o voto anti-RN
— e muita lamentação sobre o desaparecimento da antiga Frente Republicana
(quando os partidos costumavam se unir para impedir a chegada da direita
radical ao poder).
Mas
seria necessária uma reviravolta de proporções monumentais para reverter a
única conclusão que pode ser tirada deste primeiro turno da eleição: que o RN é
agora indiscutivelmente a força política dominante na França.
No
entanto, o que falta decidir nesta semana ainda é bastante significativo.
É a
diferença entre um governo de direita radical com carta branca devido a uma
maioria absoluta na Assembleia Nacional, e um governo de direita radical
incapaz de fazer muita coisa porque a Assembleia está dividida.
No
momento, as projeções indicam que o RN teria algo entre 260 e 310 assentos na
Casa. Como seriam necessárias 289 cadeiras para garantir maioria absoluta,
obviamente o resultado ainda está em aberto.
Para
limitar os danos à sua causa, os centristas do presidente francês, Emmanuel Macron, e a
aliança de esquerda Nova Frente Popular vão fazer um apelo aos seus eleitores
para que votem estrategicamente no segundo turno, marcado para 7 de julho.
Mesmo que seu candidato tenha sido eliminado da disputa, os eleitores serão
instados a escolher quem quer que seja em seu círculo eleitoral que seja contra
o RN.
Mas
o problema com este tipo de ordem partidária é que cada vez menos gente escuta.
O
desaparecimento da vergonha que acompanhava votar no RN foi um processo longo,
mas que agora pode sem dúvida ser declarado encerrado.
A
outra dificuldade para os oponentes do RN é o alto número de votações
triangulares no segundo turno — em outras palavras, círculos eleitorais em que
três candidatos, e não dois, vão se enfrentar no próximo domingo. Normalmente,
um de centro, um de direita radical e um de esquerda.
A
razão para o alto número de eleições triangulares é a elevada participação
eleitoral, que por si só é resultado do alto risco que está em jogo.
Isso
acontece também porque a campanha relâmpago tornou
impossível para os partidos pequenos atuarem juntos, então a votação se
concentrou nos três blocos.
Evidentemente,
se houver três partidos competindo em um círculo eleitoral, será mais difícil
concentrar o voto anti-RN. Em muitos lugares, haverá candidatos centristas ou
de esquerda desistindo da disputa — mas isso está longe de acontecer em todos
os círculos eleitorais.
Em
geral, o país parece estar agora tomado por uma sensação de que a vitória da
direita radical é inevitável. O que antes era visto como algo absurdo que nem
sequer deveria ser contemplado, é agora um fato tangível à espreita.
Isto
deprime e irrita muitas pessoas, especialmente nas grandes cidades, como Paris
— onde a melancolia se abateu.
Em
outros lugares, longe dos centros urbanos, as pessoas provavelmente pensam
diferente.
·
As bandeiras de Le Pen
e Bardella para a França
Os
primeiros resultados de boca urna indicam que o partido Reunião Nacional, da
direita radical, saiu na frente no primeiro turno das eleições parlamentares
da França neste domingo (30/6).
Segundo
uma pesquisa divulgada pela rede de TV France 2, o Reunião Nacional (RN) obteve 34% dos votos. Já a Nova Frente
Popular, coligação de esquerda, teve 28,1% dos votos. A coligação liderada pelo
presidente francês, Emmanuel Macron, ficou
com 20,3%. Outros 10% dos eleitores votaram no partido Republicano.
Da
forma como a votação é organizada na França, o primeiro turno apenas elimina os
candidatos com menos votos em suas zonas eleitorais. E os candidatos que
obtiveram mais de 50% dos votos com uma participação de pelo menos um quarto do
eleitorado vencem automaticamente.
Os
assentos restantes - assim como a composição final do Parlamento e o novo
primeiro-ministro - só vão ser decididos após o segundo turno, no dia 7 de
julho.
Mas
o desenrolar do primeiro turno, mostram a força da direita radical e de Jordan Bardella.
O
aliado de Marine Le Pen, de
apenas 28 anos, é o atual presidente do Reagrupamento Nacional de direita
radical e pode se tornar o novo primeiro-ministro.
Emmanuel
Macron convocou o pleito de forma antecipada depois que o seu partido foi derrotado pelo Reagrupamento Nacional nas eleições para o Parlamento Europeu, que aconteceram no
início de junho.
O
partido da direita radical obteve 31,5% dos votos - mais do que o dobro do
obtido pelo Renascimento, de Macron.
Mas
a convocação de eleições antecipadas foi vista como uma aposta de alto risco
político do presidente francês.
Se
o Reunião Nacional obtiver a maioria no Parlamento, Macron será obrigado a
escolher um primeiro-ministro da coligação vencedora, ou seja, ter um
adversário político como seu premiê de governo.
Em
casos como esse, o presidente costuma desempenhar um papel mais discreto. Ainda
mantém poderes, como o comando das Forças Armadas e da política externa, mas
tem menos controle sob as políticas internas, que são ditadas pelo partido com
maioria absoluta no Parlamento.
·
Controle da imigração
O
Reunião Nacional enfrenta a atual eleição com uma agenda que tem como principal
foco o controle da imigração.
Segundo
Alessio Scopelliti, pesquisador dos partidos da direita radical na Universidade
de Bristol, a política está baseada em ideias como "a soberania nacional,
a manutenção da lei e da ordem, o autoritarismo e o nativismo".
O
nativismo mencionado pelo especialista é a política de promoção dos interesses
de uma população nativa contra os dos imigrantes.
Além
de facilitar a expulsão de estrangeiros que cometam crimes, o Reunião Nacional
propõe restringir o chamado direito de solo, ou jus solis, que
garante ao indivíduo o direito à nacionalidade do lugar onde nasceu.
Na
França, são considerados nacionais aqueles que tem pelo menos um dos pais
franceses. Filhos de estrangeiros que nasceram no país também têm direito à
nacionalidade, mas só ganham aos 18 anos e desde que tenham vivido na França
durante pelo menos cinco anos e desde os 11 anos.
Bardella
pretende acabar com esse direito, de forma que apenas filhos de pais franceses
sejam considerados cidadãos.
Essa
grande mudança seria acompanhada pelo que o político chama de um corte
"drástico" nos níveis de imigração. Para alcançar isso, ele propõe
medidas como a retirada de residência de migrantes que não trabalham há mais de
um ano, o fim dos vistos de reagrupamento familiar e a deportação sistemática
de migrantes irregulares.
Outra
promessa é erradicar ideologias islâmicas que ele classifica como
"perigosas", com medidas para fechar mesquitas e deportar pessoas
consideradas radicalizadas.
Ele
disse também querer proibir o uso do hijab, o véu islâmico, em público.
A
lei francesa atual já proíbe o uso de véus nas escolas públicas e proíbe o uso
de vestimentas que cobrem o rosto inteiro, como a burca, em público. O governo
de Macron também proibiu no ano passado o uso nas escolas da abaya, um vestido
que cobre todo o corpo muito usado por mulheres muçulmanas.
Em
uma entrevista concedida ao jornal Financial Times, Bardella chegou a dizer que
pretende travar uma "batalha cultural" nessa área.
"O
véu não é desejável na sociedade francesa", disse. "A batalha é em
parte legislativa, mas é também uma batalha cultural que precisa de ser
travada."
·
Melhorar a França para
os franceses
Na
área econômica, a atenção está em aumentar o apoio para quem o partido chama de
"verdadeiros franceses", ou seja, os não imigrantes.
"Bardella
e Le Pen apoiam um tipo de protecionismo econômico que defenda as pequenas e
médias empresas francesas", diz Alessio Scopelliti.
O
pesquisador afirma ainda que o partido tem impulsionado ideias que são
geralmente associadas à esquerda, como a defesa dos direitos e interesses da
classe trabalhadora.
"Eles
defendem a expansão do bem-estar social, mas apenas para os nativos franceses
brancos, excluindo automaticamente todos os outros grupos étnicos."
Bardella
prometeu defender o poder de compra da população cortando impostos sobre
combustíveis, gás e eletricidade. Também propõe cortes de impostos para as
empresas, se elas aumentarem os salários dos funcionários de baixa e média
renda em até 10%.
Ele
também quer reverter a reforma previdenciária aprovada por Macron, que aumentou
a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos.
Críticos
apontam que todas essas promessas de campanha devem custar bilhões a mais aos
cofres públicos. Mas Bardella disse que financiaria as medidas cortando, entre
aspas, “despesas que incentivam a imigração legal e ilegal” e tapando o que
chama de “brechas fiscais”.
O
político também é bastante crítico à União Europeia. Mas seu partido aos poucos
abandona a proposta de uma saída definitiva do bloco e caminha para a defesa de
reformas estruturais, feitas de dentro da organização.
Depois
que as consequências econômicas e até sociais do Brexit [a saída do Reino Unido
da União Europeia] se tornaram mais claras, muitos partidos de direita radical
passaram a apostar mais em um discurso que foca em mudar a União Europeia de
dentro", diz Alessio Scopelliti, da Universidade de Bristol.
"Eles
falam em proporcionar o que chamam de um verdadeiro tipo de integração
europeia, em que o povo europeu colabora entre si, mas cada um vive separado
nos em seu país, com as suas próprias identidades e com as suas próprias
economias."
Em
política externa, o grande tema das eleições é o envio de ajuda econômica
à Ucrânia pelos aliados
europeus.
Ao
longo dos anos, o Reunião Nacional foi acusado de manter uma relação próxima
com a Rússia e com Vladimir Putin.
Mas
Bardella tem se esforçado para deixar explícito seu apoio à Ucrânia, embora
rejeite a possibilidade de enviar mísseis de longo alcance a Kiev ou tropas
francesas - algo que Macron chegou a aventar.
O
partido de Bardella também se opõe à adesão da Ucrânia à União Europeia e à
Otan.
Todas
essas políticas, junto com a apatia dos eleitores de centro, ampliaram o apoio
a Bardella, especialmente no interior da França.
Segundo
especialistas, os eleitores em áreas rurais e menos industrializadas podem ser
cruciais para o desempenho da direita radical nessas eleições.
"Estas
zonas rurais são atingidas pelo desemprego e pela desindustrialização. E a
população é muitas vezes menos instruída e enfrenta dificuldades
socioprofissionais. Nesta região, a infelicidade é mais aparente e a
oportunidade é improvável, por isso o RN alcança um sucesso maior",
explica Vincent Lebrou.
·
Mesmas ideias, novo
tom
Bardella
teve uma ascensão meteórica na ultra direita francesa: de desempregado que
abandonou os estudos nos subúrbios de Paris, passou a protegido de Marine Le
Pen e presidente do partido.
Segundo
Cécile Alduy, professora da Universidade Stanford, ele defende as mesmas
mensagens e ideias de Marine Le Pen e o restante da legenda. Mas o faz de uma
maneira mais polida e calma, que ajuda o partido a se afastar de seu passado
controverso.
"Bardella
fala de uma forma tranquila e respeitosa. Não tem aquele sarcasmo ou ironia que
até Marine Le Pen usa contra jornalistas às vezes. Nunca levanta a voz, nunca
zomba", diz.
"E
isso é uma vantagem para quem representa o Reunião Nacional, porque a história
do partido é ter alguém como Jean-Marie Le Pen que vociferava na TV e agredia
adversários."
"Mas
eles mantêm as mesmas questões-chave, a mesma retórica e os mesmos argumentos.
É Marine Le Pen quem elabora a agenda e a plataforma e indica para ele sobre o
que falar. Ele vocaliza ela, mas com um tom mais baixo e uma boa fachada."
Jean-Marie
Le Pen, pai de Marine, foi o primeiro presidente do partido da direita radical
e ficou à frente da legenda até 2011, quando foi sucedido pela filha.
O
partido, que antes se chamava Frente Nacional, nasceu em 1972 e desde o início
se apoia no nacionalismo francês e no controle da imigração. Também ficou
marcado por seu passado racista e antissemita.
A
liderança de Jean-Marie Le Pen no partido foi marcada por inúmeras polêmicas.
Ele foi condenado múltiplas vezes por comentários xenofóbicos, antissemitas e
homofóbicos.
Depois
que Marine assumiu o partido, seu pai foi expulso em 2015 da legenda após
afirmar que as câmaras de gás foram um "detalhe" da história da Segunda Guerra Mundial.
Poucos
dias depois, em entrevista a um jornal da direita radical, ele assegurou que
era preciso "salvar a Europa boreal e o mundo branco". Ele defendeu
ainda o marechal Philippe Pétain, chefe de Estado francês durante a ocupação e
artífice da colaboração com a Alemanha nazista.
Em
2018, Marine Le Pen comandou uma renovação do partido em uma tentativa de se
livrar de seu passado e alcançar novos eleitores.
Mas
críticos dizem que esse processo foi pouco além da mudança de nome do partido,
já que muitos dos ideais permaneceram o mesmo – seus líderes teriam se tornado
apenas menos vocais e agressivos sobre algumas questões.
Por
tudo isso, Marine Le Pen continua marcada pelas opiniões radicais que já
manifestou em temas como imigração, nacionalismo e islã.
Por
isso, segundo especialistas, a escolha de Jordan Bardella como nova cara do
partido não foi por acaso.
Deputado
no Parlamento Europeu desde 2019, o jovem político é neto de avós italianos e
tem uma bisavó argelina – o que é enfatizado pela sua campanha em mais uma
tentativa de se afastar do passado racista.
Bardella
diz ainda que crescer em uma comunidade desfavorecida e conviver com o flagelo
das drogas, da pobreza, da ilegalidade e da imigração descontrolada o fez
acreditar que apenas a direita radical tinha a resposta.
E
segundo Pascal Humeau, profissional de media training que trabalhou com
Bardella durante quatro anos, Le Pen rapidamente percebeu como o histórico do
jovem poderia ser útil ao partido.
Mas
Humeau está longe de tecer elogios a Bardella. Os dois se afastaram após uma
discussão por dinheiro, então sua opinião precisa ser entendida com cautela.
Hoje ele descreve o líder do Reunião Nacional como um "produto de
marketing".
O
francês tem mais de 1,7 milhões de seguidores no TikTok - e parte de seu
sucesso atual é atribuído à sua capacidade de atrair e fidelizar eleitores
pelas redes sociais.
"Ele
é um político que mobiliza as redes sociais e faz isso de forma muito
confortável. Isso é algo que contribuiu de forma significativa para o perfil
dele. Você não sabe exatamente o que ele está propondo, mas o vê em todo
lugar", explica Vincent Lebrou, professor da Universidade de
Franche-Comté.
Fonte:
BBC News Paris
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