A sede por petróleo na Amazônia Legal
A Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) planeja lançar dois novos blocos
para a exploração de petróleo na Amazônia em 2025. As áreas, atualmente em
estudo, estão localizadas em Roraima, na bacia do Tacutu, e aguardam a manifestação
do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para serem ofertadas ao
mercado petroleiro. De acordo com análise da InfoAmazonia, nove terras
indígenas, ocupadas pelos povos Makuxi, Wapixana, Ingarikó e Taurepang, estão
na área de impacto direto do empreendimento: Raposa Serra do Sol, Bom Jesus,
Canauanim, Jabuti, Malacacheta, Manoa/Pium, São Marcos, Tabalascada e Serra da
Moça.
A bacia do Tacutu está
na fronteira com a Guiana, país por onde ela se estende. A parte brasileira da
bacia tem cerca de 15 mil km², segundo a ANP, onde foram perfurados ao menos
dois poços na década de 1980 pela Petrobras, os dois sem registro de petróleo.
Do lado da Guiana, onde foram ao menos três perfurações, um poço apresentou
resultado positivo para óleo em 1982.
Apesar de não ter
registros de petróleo nas perfurações brasileiras realizadas na década de 1980
na bacia do Tacutu, pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR)
encontraram vestígios de óleo em amostras coletadas a uma profundidade
superficial de 45 metros em 2016, o que motivou o início dos estudos na área
pela ANP em 2023.
Para entender a
proximidade da futura exploração de petróleo às comunidades indígenas, a
InfoAmazonia cruzou a localização dos dois blocos que devem ser ofertados no
próximo ano com as delimitações dos territórios indígenas. A análise utilizou
como critério a Portaria Interministerial nº 60/2015, que estabelece um raio
mínimo de 10 quilômetros para definir quais áreas são afetadas pelo
empreendimento.
• Debate na Câmara
O anúncio das novas
áreas para oferta permanente —modalidade de licitação para blocos e áreas de
exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil— foi feito pelo
diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, durante audiência pública realizada na
Câmara dos Deputados em 18 de junho. Apesar do impacto sobre os nove
territórios protegidos, o encontro não contou com a participação de
representantes dos povos indígenas.
A reunião foi
solicitada pelo deputado Gabriel Mota (Republicanos-RR) e recebeu as principais
lideranças políticas de Roraima, como o governador Antonio Denarium (PP), o
prefeito de Boa Vista, Arthur Henrique (MDB) e o presidente da Assembleia
Legislativa, deputado estadual Soldado Sampaio (Republicanos), além de
representantes do governo federal e da Petrobras.
Os deputados
presentes, boa parte da bancada do Norte, cobraram celeridade do governo
federal para a apresentação dos estudos preliminares da área.
Antonio Denarium disse
que o governo estadual “é totalmente favorável a essa pesquisa e a exploração
no estado de Roraima”. O prefeito de Boa Vista, Artur Henrique, e o presidente
da Assembleia Legislativa de Roraima, Soldado Sampaio, também defenderam a
exploração sustentando a necessidade de diversificação econômica e o potencial
energético do estado.
Na defesa da abertura
de novas áreas para exploração de petróleo na Amazônia, os parlamentares
defenderam o “progresso” e o “desenvolvimento” e argumentaram que boa parte de
Roraima já é constituída por áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas,
justificando a necessidade de explorar áreas disponíveis fora desses
territórios.
No mesmo dia em que os
deputados debatiam o lançamento de novos blocos para exploração de petróleo na
Amazônia, na audiência na Câmara, o presidente Lula (PT) defendeu publicamente
a produção de petróleo na região ao comentar os planos da Petrobras previstos
na margem equatorial, na Foz do Amazonas.
Em entrevista à rádio
CBN, o presidente confirmou que pode ser contraditório explorar petróleo na
Amazônia diante das ambições ambientais que o país se propõe: “É contraditório?
É, porque estamos apostando muito na transição energética. Mas enquanto a transição
energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com
esse petróleo”, afirmou Lula.
Atualmente, existem 52
blocos já licitados na região amazônica brasileira, em exploração ou produção.
Outros 307 estão em estudo e 92 estão disponíveis para oferta pública,
aguardando empresas interessadas. No total, são 451 áreas de exploração
previstas na Amazônia Legal, segundo levantamento da organização Arayara.
• Apetite por petróleo
No último ano, o
governo Lula tem destacado indicadores positivos relacionados ao meio ambiente
e ao clima, como a redução de 22% do desmatamento na Amazônia, chegando a uma
queda de 50% nas terras indígenas, além de exibir para todo o mundo, durante a
última Conferência do Clima, em Dubai, uma diminuição de 8% das emissões de
gases do efeito estufa.
No entanto, os avanços
ambientais têm sido manchados por anúncios que indicam um apetite do país em
aumentar a produção de petróleo.
Além dos dois novos
blocos na bacia do Tacutu, o governo federal tenta viabilizar a exploração na
Foz do Amazonas, na margem equatorial. O projeto teve o pedido de licença
ambiental negado pelo Ibama em 2023 por “inconsistências técnicas preocupantes
para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade
socioambiental”.
Apesar da negativa do
órgão ambiental federal, a Petrobras quer explorar outros cinco blocos na mesma
região da Foz do Amazonas e aguarda análise de um recurso para a perfuração de
um bloco na área.
Além disso, no final
do ano passado, o governo federal chegou a ofertar outros 21 blocos em leilão
para exploração de petróleo e gás em outra região da Amazônia, na bacia do rio
Amazonas. Mais da metade deles (12 blocos) está localizada na área de impacto
direto de pelo menos 20 terras indígenas, incluindo áreas de uso de territórios
quilombolas demarcados.
• Por enquanto, sem consulta prévia às
populações indígenas
A Fundação Nacional
dos Povos Indígenas (Funai) foi informada em fevereiro de 2023 sobre os planos
da ANP de lançar os novos blocos de petróleo na bacia do Tacutu para leilão. O
órgão ainda não deu seu parecer sobre o projeto.
À InfoAmazonia, a
Funai informou que o projeto para exploração de petróleo na bacia do Tacutu
“ainda está em fase de instrução processual para verificação das distâncias
entre o projeto e as terras indígenas, bem como verificação sobre eventuais
reivindicações fundiárias na área de influência e quanto à presença de povos
isolados e/ou de recente contato na região do empreendimento”.
Por estarem a menos de
10 quilômetros da área delimitada para uma futura exploração, as comunidades
indígenas do entorno devem ser consultadas, conforme estabelece a Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169). Essa convenção, que tem
força de lei, garante às comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas,
quilombolas e ribeirinhos, o direito à consulta livre, prévia e informada sobre
qualquer empreendimento ou ato administrativo que interfira na autonomia dos
seus territórios, inclusive com poder de veto.
No entanto, nenhum
representante dos órgãos indígenas do governo federal participou da audiência
na Câmara.
No encontro com os
deputados, o diretor-geral da ANP afirmou que a área total do projeto já foi
reduzida para evitar sobreposições às terras indígenas. As alterações ocorreram
após parecer da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH)
de Roraima encaminhado ao órgão em junho do ano passado.
Mesmo assim, os
representantes da ANP e do MME reconhecem que existe a proximidade com os
territórios, mas que somente na fase de licenciamento serão abordadas as
salvaguardas dessas populações por meio da consulta livre, prévia e informada
como prevê a OIT-169.
• Diretor do MME diz que se não explorar
‘vai aumentar emissões de CO2’
Jair Rodrigues dos
Anjos, diretor de política de exploração e produção de petróleo e gás do MME
afirmou que, embora não haja áreas indígenas dentro dos blocos delimitados, a
proximidade dessas áreas exige cuidados específicos.
“A gente antecipa os
desafios que vão ter que ser enfrentados pelo órgão ambiental no momento do
licenciamento e também pela empresa que vai desenvolver naquela região”,
afirmou o diretor, emendando que “não existe nenhum interesse do governo em
vetar completamente a exploração. Existe sim um interesse de aproveitar as
oportunidades”, afirmou.
O diretor fez uma
associação com a exploração de petróleo na Amazônia que é controversa, ao
afirmar que se o Brasil não explorar suas reservas estará contribuindo com
aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE) no planeta, afirmando que
a exploração de combustíveis fósseis no Brasil é mais limpa do que em outros
lugares do mundo.
“Se a gente deixar de
explorar, o Brasil vai estar aumentando a carga de CO2 no mundo”, disse.
Moara Menta Zon,
gerente de projetos da Secretaria Executiva do MMA, explicou o papel do Grupo
de Trabalho Interministerial na avaliação ambiental e na autorização de leilões
da ANP e destacou que as avaliações prévias evitam que áreas sensíveis sejam ofertadas
nos leilões. Zon não apresentou detalhes sobre a avaliação na bacia do Tacutu,
mas afirmou que o projeto está em fase final de avaliação no ministério.
A manifestação
conjunta do MMA e MME deve indicar as ressalvas socioambientais para a
exploração de petróleo e gás na bacia. Após isso, a agência reguladora poderá
publicar uma minuta do edital de licitação dos blocos, realizar a audiência
pública sobre o edital e, por fim, publicar o edital de licitação.
Segundo informado na
reunião na Câmara, o MME já concluiu seu relatório, e aguarda apenas a juntada
da manifestação do MMA para que a proposta de exploração no Tacutu seja
definida pela ANP.
Fonte: Por Fábio
Bispo, na InfoAmazonia
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