quarta-feira, 10 de julho de 2024

Luis Nassif: ‘A derrota provisória da ultradireita na Europa’

Alguns pontos relevantes para entender a lógica da derrota da ultradireita na Europa.

Aqui no Brasil, enquanto se vê setores enaltecendo um governador que propõe cortes de verbas da Fapesp e das Universidades estaduais e arma negócios obscuros com a Sabesp, na França e na Inglaterra houve uma reação contra a ultra-direita, com a vitória dos trabalhistas na Inglaterra e de uma frente de esquerda e centro na França.

Em ambos os casos, foi consequência de uma reação ampla contra a ultra-direita, um sentido de preservação da nação, mas não uma saída sólida contra o radicalismo.

Na Inglaterra, pela terceira vez na história, o Partido Trabalhista assume o poder com menos votos do que conseguiu nas eleições anteriores – que ele perdeu.

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Desde 1992, a Inglaterra foi sucessivamente governada por um conservador, um democrata liberal, um trabalhista e um verde. Como lembrou o Financial Times, essas mudanças, que antes levavam um século, ocorreram em poucas décadas.

Uma das razões é o descrédito em sucessivos governos, que acaba alimentando o crescimento de partidos menores. A nova força inglesa são os Democratas Liberais, os Verdes e os Reformistas.

Por trás desses terremotos estã a crise do modelo liberal, escancarada em 2008. As políticas de austeridade mataram qualquer tentativa de recuperação da economia britânica – e europeia Houve precarização até do sistema de saúde, um dos orgulhos do modelo inglês. E nada indica a formação de consensos para alterar radicalmente o modelo.

Tome-se o caso da França, que afastou provisoriamente o perigo da ultradireita. Esta foi vitoriosa no primeiro turno. Se o Rally Nacional, de Marine Le Pen, vencesse as eleições, seria a primeira vez que a ultradireita assumiria o poder na França desde a Segunda Guerra.

Paara barrar a ultradireita, houve um amplo acordo em que a esquerda retirou todos seus candidatos que estavam em terceiro lugar. Já os líderes de Macron não tiveram o mesmo desprendimento, mas pelo menos candidatos tiveram o bom senso de se retirar das eleições.

A eleição marcou uma vitória robusta da Nova Frente Popular, de esquerda.

Com a maior bancada, a NFP certamente reivindicará o cargo de primeiro ministro. E seu líder, Jean-Luz Mélenchon vem com propostas claras para mudar o modelo econômico: aumento drástico de impostos sobre os ricos para financiar investimentos e programas sociais. Tem propostas mas não tem maioria.

Provavelmente conseguirá reverter o aumento da idade de aposentadoria – Macron aumentou de 62 para 64 anos – e reintroduzir algum imposto sobre ativos financeiros. O pacto entre esquerda e centro será essencial para evitar a volta da ultradireita nas próximas eleições, mas não para mudar o modelo.

O quadro torna-se mais complicado quando se analisam as regras fiscais para os países da União Europeia. Para cumprir as metas, os estados-membros poderão sofrer quatro anos de consolidação fiscal para até 1% do PIB a cada ano, de acordo com o Pacto de Estabilidade e Crescimento firmado no inverno passado. E tudo isso em um ambiente de altas taxas de juros, em que apenas rolar a dívida já terá um custo elevado. Levada ao pé da letra, não haverá recursos para políticas industriais, sociais, para a transição verde.

Além dessas restrições, há prioridades de cada grupo que compõe a aliança. Há enorme resistência ao aumento de impostos na Europa. Há pequenos espaços para tributar impostos internacionais sobre transações digtitais e financeiras, algum imposto sobre multinacionais, sobre carbono e taxas de importação e, em alguns países, também sobre propriedades ou heranças, mas em valor insuficiente para financiar a transição verde e as novas políticas industriais.

Se não se chegar a consensos, que alterem significativamente o atual modelo de concentração de renda, a ultradireita voltará fortalecida nas próximas eleições.

 

¨      Um brioche e duas perguntas. Por Felipe Bueno

A parte civilizada da humanidade precisa dar os parabéns e guardar como exemplo a atitude de políticos e partidos que abriram mão de projetos próprios para evitar a chegada da extrema direita ao poder na França.

Felicitações também devem ser enviadas ao presidente Emmanuel Macron que, ousado, mandou o aviso quando recebeu o resultado das eleições para o parlamento europeu e ajudou a desmontar a bomba fascista. Por enquanto, pelo menos.

Dadas as características do sistema eleitoral local, os potenciais extremistas perderam; mas a vitória, por outro lado, não tem um único perfil nem uma única “cara”.

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O que nos leva à primeira das duas perguntas do título deste artigo: e agora, o que acontece com a França?

A natureza da aliança feita às pressas para engavetar o fascismo explica a pergunta; afinal, há socialistas, verdes, centristas, direitistas – todos evidentemente com visões distintas de país e de administração.

O futuro breve dirá se essa grande frente republicana vai sobreviver, mas é provável que se despedace tão rapidamente como se formou, com consequências para a cadeira de primeiro-ministro e para a governabilidade.

Do outro lado da cerca, não nos esqueçamos, a extrema direita quase dobrou de tamanho em dois anos, passando de 88 para 143 cadeiras no parlamento francês.

A ainda mais vistosa fascista local, Marine Le Pen, avisou que a vitória da extrema direita “foi apenas adiada”, o que nos leva à segunda – e mais complexa – pergunta do título deste artigo: como evitar a manutenção do crescimento de forças retrógradas, negacionistas, racistas e não-civilizadas, uma vez que são cada vez mais legitimadas pelo voto?

A França, imortal em nossas mentalidades como berço das luzes e do saber da modernidade (há quem diga que, especificamente neste aspecto, o verdadeiro berço seja o finado Império Austro-Húngaro) escapou novamente do retrocesso. Os movimentos de seu presidente e parte de seus políticos engavetaram momentaneamente a guinada para a extrema direita. Talvez estejam no caminho para descobrir, finalmente, que ações práticas de conscientização e inclusão política funcionam melhor que microfragmentações de mini minorias que são encantadoras em cafés de bairros de elite ou reels do Instagram, mas não aplacam, na vida real, a fome que os excluídos têm de pão. Ou de brioches.

 

¨      O olhar triste da Mariana. Por Marilza de Melo Foucher

Ofereço um buquê de flores para Mariana. Esta mulher que simboliza a República francesa um buquê de flores multicoloridas, amarradas numa fita das cores como um arco-íris. Mariana agradece com um olhar triste.

Por que me olhas assim Mariana? Pergunta a “bi-nacional” franco-brasileira. Porque o vírus da intolerância foi propagado pelo território francês e várias pequenas e médias comunas foram afetadas, principalmente nas zonas rurais.

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Precisamos salvar os filhos e as filhas da República. Eles/elas vivem nas zonas rurais, nas cidades periféricas próximas das antigas minas e de siderúrgicas. São os obreiros, metalúrgicos, agricultores que foram abandonados pelos governantes de esquerda e de direita. Estes lugares que a república desertou foram os primeiros cooptados pela extrema direita que neles busca se fortalecer de crises sociais, econômicas e políticas.

A extrema direita avança como um lobo na pele de cordeiro, trazendo consigo um novo discurso formatado para conquistar esses territórios abandonados. Aos poucos, os seguidores da família Le Pen vão destilando o racismo, instigando a rejeição aos imigrantes. Propagam a ideia de que os imigrantes são responsáveis pelos problemas do País. “Tudo é culpa dos migrantes”, afirmam em todas as ocasiões, mesmo que não existam em certos territórios a chegada de novos estrangeiros. E os chamados imigrantes tem dupla nacionalidade ou são naturalizados franceses, pois são originários das antigas colônias francesas. Todavia a mentira, a imprecisão e o exagero para provocar a divisão e o medo integram o DNA da extrema direita, desde o já conhecido passado macabro até hoje.

A República não pode abandonar essa população sem bússola e atraída pelas promessas da extrema direita. É urgente buscar soluções socioeconômicas concretas para tratar o desemprego, a perda do poder aquisitivo, a desclassificação social, o deserto medicinal e ausência de serviços públicos fundamentais. Os territórios que foram conquistados pela extrema direita devem ser incluídos na República. A extrema direita liberou o racismo e dividiu a França. O vírus da segregação racial e o ódio espalhados pela extrema direita precisa ser sanado

Temos um mapa eleitoral retratando a divisão provocada por votos de protestos e votos de convicção. Na bagagem da extrema direita existe o peso histórico da ideologia fascista e nazista. Apesar da família Le Pen tentar esconder essa herança e reformar sua linguagem como estratégia de aceder ao poder, assistimos, no primeiro turno, um desfile de conteúdos xenófobos difundidos pelos novos eleitos da extrema direita. Entre os dois turnos vários ataques racistas e de violência contra imigrantes foram registrados em discursos públicos e redes sociais.

A nova frente popular de esquerda que conseguiu barrar a ascensão da extrema direita ao poder tem uma missão desafiadora: Resgatar o simbolismo republicano da liberdade, fraternidade e Igualdade. Olho para Mariana e digo a ela que a França será sempre multicolorida.  Depois de expor suas primeiras preocupações Mariana lança um olhar menos triste, contemplando o buquê de flores decorado com uma fita que tem as cores do arco-íris

Mariana acrescenta: Nós mulheres somos mais sensíveis às mudanças de estações e nesse buquê tem rosas vermelhas que não perdem seus espinhos para se proteger de agressões! A beleza não se priva de revolta! Nós mulheres somos resistentes as intempéries. Eu represento a República que venceu a tirania diz Mariana. Temos que redesenhar um novo destino menos cinza para as gerações de migrantes, pois eles trazem novas cores para esta França mestiça

A revolta dos jovens oriundos da migração é normal, todavia, devemos educá-los ao respeito republicano, aos valores que sustentam nossa República. Seguimos o que dizia Jaurès: A República é o direito de cada homem, qualquer que seja a sua crença religiosa, de ter a sua parte de soberania. Nossos valores não podem ser pisoteados e devem ser transmitidos aos jovens, dentre eles a laicidade que garante a todos os cidadãos, quaisquer que sejam as suas convicções filosóficas ou religiosas, a convivência pacífica.

Outro valor precioso é a democracia e o exercício da cidadania. Os governantes devem defender a democracia, o que significa respeitar a soberania do povo. A República nasce para proteger os mais carentes. O modelo social francês é um patrimônio republicano.

Os valores da Liberdade, igualdade, fraternidade são reconhecidos na declaração dos direitos humanos e temos o dever de transmitir as novas gerações.

Nossas crianças precisam de educação cívica para não serem afetadas pela rejeição do outro que é diferente. O outro é parte integrante do saber conviver com as diferenças

A representante da República Democrática Francesa que se tornou símbolo mundial prossegue nos seus pensamentos.  Eu só vou poder continuar sorrindo depois que os novos eleitos da república respeitarem os valores humanistas que nos guiaram e permitiram romper com a tirania.
Espero que a esquerda unida e humanista possa governar para resgatar os símbolos de nossa República.

Mariana, antes de se despedir, recorda a frase de Victor Hugo. “Eu quero que a República tenha dois nomes: que se chame Liberdade e que se chame coisa pública”

 

¨      Mesmo com derrota da extrema direita, França viverá instabilidade política

A esquerda francesa impediu que a extrema direita dominasse o parlamento do país, responsável por escolher o primeiro-ministro do país. O impacto dessa vitória, que estampou o noticiário internacional, mudará os rumos não somente do Legislativo francês, como também deverá ditar a liderança e conduções do país.

Neste domingo, quase 50 milhões de pessoas da França, ou 67% dos eleitores, votaram para escolher os 577 assentos da Assembleia Nacional. Foi a maior participação popular em 40 anos, em um país onde as eleições não são obrigatórios, como no Brasil.

E as estimadas deram ao bloco da esquerda, a coalizão da esquerda chamada Nova Frente Popular, a maior quantidade de parlamentares; seguida da coalizão de centro do presidente Emmanuel Macron ficou em segundo lugar; e a extrema direita ligada a Marine Le Pen obteve o terceiro lugar.

A comemoração veio massivamente pelos países liderados por presidentes de centro-esquerda. Mas apesar da reviravolta em comparação ao primeiro turno, quando a extrema direita venceu, a prática, contudo, ainda haverá obstáculos para enfrentar este terceiro grupo, que apesar de não ter liderado as somas, ditará negociações.

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Para entender o que seguirá às eleições francesas, é preciso entender como funciona o sistema político do país. Semipresidencialista, os eleitores elegem os partidos do Parlamento. E a coalizão que obtiver mais votos é responsável por indicar o primeiro-ministro, que governo o Executivo juntamente com o presidente.

Mas a maioria das cadeiras do parlamento é de 289. Pelas estimativas, a coalizão da esquerda ganhou entre 150 e 180 parlamentares. Em seguida, a de Macron, ganhou de 150 a 170. E a extrema direita, o restante.

Apesar de liderar as cadeiras, em comparação às demais coalizões, a esquerda não escolherá sozinha o primeiro-ministro. Precisará negociar com o partido de Macron e, ainda que com menor peso, com a extrema direita.

O presidente francês, que perdeu a maioria, precisará dialogar com a esquerda que é maioria. E a Assembleia Nacional viverá uma instabilidade.

A Nova Frente Popular apresentará um candidato a primeiro-ministro e, na manhã desta segunda-feira (08), o atual primeiro-ministro de Macron, Gabriel Attal, chegou a apresentar sua demissão. Isso porque, mesmo com a derrota da extrema direita, o grupo político do presidente teve também uma redução e, consequentemente, perdeu força política.

Macron não aceitou o pedido de demissão de Attal e pediu para aguardar o desenrolar do que virá de negociações entre os partidos políticos.

 

Fonte: Jornal GGN

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