9 de julho de 1932: O dia em que a elite
paulista virou democrata
Dizem que os gaúchos
são o único povo que comemoram uma guerra que perdeu. Na realidade o povo
gaúcho é o único que comemora uma revolução derrotada. Isso porque o povo
paulista comemora uma guerra que também perdeu, com um detalhe: por seu caráter
político, era uma contrarrevolução.
No dia 9 de julho de
1932, o presidente Getúlio Vargas foi informado de que São Paulo havia corrido
às armas. E o grande mote dos paulistas era: contra a ditadura de Getúlio
Vargas, por uma nova constituição. Esse clamor por democracia, que arrebatou os
corações e almas de milhares de paulistas, é, se olharmos de perto, bem
peculiar. Mas por quê?
Ocorre que São Paulo,
desde o período imperial, sempre foi um estado poderoso. Com sua poderosa
capital construída, como uma fortaleza, para além da muralha de um país
litorâneo. Antes da era Getúlio, São Paulo teve quatro presidentes. Então, num
belo dia de 1930, quando o poder lhe saiu das mãos ocorreu entre as elites
paulista um surto de sentimento democrático. Vírus desse tipo, que gera súbita
transformação, é detectável nos dias de hoje entre as hordas bolsonaristas.
Hoje sabemos como é
real a possibilidade de vencer na narrativa o que se perdeu nos campos de
batalha, ou nas urnas, para citar um exemplo mais recente. No Rio Grande do Sul
houve uma grande mobilização militar para combater aqueles que dormiram
saudosos da escravidão e acordaram sedentos de um regime democrático e
constitucionalista. Eu conheci uma senhora, gaúcha, que tinha cinco irmãos.
Três lutaram em 1932.
No acervo de sua
família e pode-se ver seus irmãos fardados, fazendo turismo em São Paulo depois
da vitória. Desfilaram nas principais ruas de São Paulo e posaram no monumento
Grito do Ipiranga e no Museu Paulista. Deve ter dado uma raiva aos contras recém
surrados…
Costumamos achar que a
nossa última guerra foi a de 1924, quando libertadores se juntaram as tropas de
Prestes para vencer o Chimango. Mas não! Em 1932 sustentamos o governo saído da
Revolução de 1930. Demos de relho neles e relho neles e depois salgamos o lombo
retalhado.
Desarmados e
acanhados, como guris mijados, não lhes sobrou outra alternativa a não ser
respeitar o Governo desenvolvimentista de Getúlio. Mas, demonstrando alguma
astúcia, reagiram de maneira ardilosa: fundaram a USP. A instituição tinha com
missão precípua: pintar em cores dissimuladas a trajetória do movimento
fracassado que visava restaurar a ditadura de sua oligarquia e de quebra
constituir lideranças que no futuro não se deixassem tundar.
De qualquer forma no
campo da propaganda e da revisão histórica os vitoriosos foram eles. Ensinaram
manadas de historiadores, paulistas e gaúchos, a pintar o governo Vargas como o
mais terrível erro histórico da nossa nação. A coisa pegou tanto que não temos
por aqui uma única comemoração da Revolução de 1930, não se faz um reles
drinque em sua homenagem. A maioria das pessoas não sabe, nem pergunta por que
há uma importante rua chamada 24 de outubro.
Derrotados os
paulistas, o ignóbil e bárbaro gaúcho fronteiriço Getúlio Vargas submeteu
aquele estado a um castigo terrível: tornou-o o centro da nascente indústria
nacional. Fortunas se erigiram sobre o forte apoio financeiro da política do
governo federal. Minha avó sempre me dizia “a pior coisa que tem é gente
mal-agradecida”. O ódio de classe por aquele que possibilitou a CLT, a carteira
de trabalho, o salário mínimo etc. Renova-se anualmente nos 9 de julho. Um
pouco de honestidade intelectual dessa elite resultaria em uma estátua do
Getúlio de dez metros de altura em plena avenida Paulista.
Eu fico observando as
ações do atual governador de São Paulo e fico me perguntando: será que teremos
uma nova 32 contra o herdeiro de Getúlio, aquele que de fato derrotou o
fascismo no novembro de 2022, 90 anos depois da reação de 32? Quando eu vejo
Tarciso de Freitas se esforçando para fascistizar sua polícia, transmutando as
escolas em quartel e evangelizando a força funcionários públicos, chego a
desconfiar disso. Sabe como é sou gaúcho e nós gaúchos somos desconfiados.
Fonte: Por Giovanni
Mesquita, em A Terra é Redonda
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