quarta-feira, 3 de julho de 2024

4 razões por que franceses votaram no partido de direita radical de Marine Le Pen

O partido de direita radical Reunião Nacional (NR) saiu como vencedor do primeiro voltaram para o partido liderado por Marine Le Pen e Jordan Bardella como nunca antes, permitindo-lhes vencer pela primeira vez as eleições parlamentares francesas?

O simples fato de isso ter se tornado possível é histórico, diz o veterano comentarista político francês Alain Duhamel.

·        1. Razões internas e a economia

No topo da lista de preocupações dos eleitores está a crise do custo de vida, que afetou o poder de compra, bem como o aumento dos preços da energia, acesso a cuidados de saúde e o medo da criminalidade.

Embora a economia francesa esteja bem de maneira geral, no interior do país, longe das grandes cidades, as pessoas dizem que se sentem ignoradas pelo governo, enquanto o desemprego regional em algumas áreas é elevado e pode até atingir 25% da população.

A moradia é inacessível para alguns, enquanto em algumas áreas as escolas e centros de saúde nessas regiões fecharam as portas devido a cortes de orçamento.

O economista Thomas Piketty disse à BBC que os "vencedores da globalização" formam o principal bloco de apoio a Macron, e aqueles que se sentem deixados para trás estão inclinados para a direita radical.

Piketty, autor do best-seller O Capital no Século 21, identifica uma grande base de apoio da direita "em pequenas cidades que tiveram uma grande perda de indústria e têm muitas dificuldades de acesso a serviços públicos, como linhas de trem e hospitais que foram fechados".

"É diifícil educar os filhos quando se vive longe dos grandes centros", diz.

Patrick, morador da cidade de Pontault-Combault, a leste de Paris, votou no RN nas eleições para o Parlamento Europeu. "As pessoas querem mudanças aqui e estão motivadas a votar", diz Patrick. "Eles não ficam felizes quando se sentem inseguras nas ruas."

Aurélie, uma faxineira de 37 anos com um filho de dois anos, na cidade de Amiens, no norte da França, onde Macron cresceu, diz que a segurança é o tema que a levou a votar no RN.

"Eu acordo todas as manhãs às 4h30 para ir trabalhar. Eu costumava andar de bicicleta ou caminhar em qualquer lugar de Amiens. Não mais. Agora vou no meu carro", disse ela à BBC. "Sempre há rapazes por perto e tenho medo."

Também entre as preocupações dos eleitores está a previdência social, depois de Macron sancionar no ano passado a reforma altamente impopular que aumentou a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos.

Macron disse que a reforma era essencial para evitar o colapso do sistema previdenciário.

Os recentes aumentos acentuados no custo da eletricidade e do gás para aquecimento das casas são um grande problema para os eleitores, e o líder da RN, Jordan Bardella, disse que se concentraria na redução do IVA (imposto sobre vendas) sobre energia e em mais de 100 bens essenciais, além de revogar a reforma previdenciária do governo Macron.

·        2. Insatisfação com o sistema político

Os eleitores do RN também dizem que o sistema político do país não funciona mais e que o partido de Le Pen ainda não foi testado no governo.

"Precisamos de mudança", disse Jean-Claude Gaillet, 64 anos, morador de Hénin-Beaumont, à agência de notícias Reuters após a votação de domingo. "As coisas não mudaram e devem mudar."

Outra apoiador do RN, Marguerite, de 80 anos, também moradora de Hénin-Beaumont, afirmou: "Eles conseguiram avançar porque as pessoas estão fartas. Portanto, as pessoas dizem agora: 'Não nos importamos, vamos votar e ver o que acontece'."

"Mas agora, tenho medo que outros partidos políticos coloquem obstáculos no caminho. Votamos, estes são os resultados, temos que aceitá-los e ver o que acontece."

Mas uma moradora da cidade vizinha de Oignies, Yamina Addou, disse estar chocada com o sucesso da direita radical.

Segundo ela, os eleitores "foram manipulados para apoiar a direita e que essa decisão pode levar a divisões graves e perigosas na sociedade francesa."

"Isso me choca. Acho muito triste, porque acho que as pessoas não percebem o que está acontecendo. Eles levam em consideração apenas o poder de compra e outras coisas de curto prazo."

"Mas por trás disso há muitas ideias e manipulações, que nos levarão a um tipo diferente de guerra. Ao contrário da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, será algo muito mais sutil. As pessoas não percebem que haverá uma guerra civil, é o que penso, e que pessoas como nós é que vamos sofrer."

Muitos culpam Macron pela atual crise do país.

Sophie Pedder, chefe da sucursal da revista britânica The Economist em Paris, disse à BBC: "Macron criou um movimento consensual para reunir pessoas de todas as diferentes convicções políticas. Funcionou e foi para pôr fim às intermináveis ​​disputas que aconteciam no Parlamento".

"Mas o resultado é que todos os moderados da esquerda e da direita aderiram ao partido de Macron e isso [apenas] deixou uma alternativa para as pessoas: os extremos."

·        3. Imigração e 'perda' da identidade francesa

Ao longo dos anos, Marine Le Pen, líder do RN no Parlamento, tem trabalhado para tornar o seu partido mais popular e mais aceitável para os eleitores franceses.

Ela afastou o partido das raízes antissemitas e extremistas de seu pai, Jean-Marie Le Pen, e de seus colegas fundadores da Frente Nacional, e o renomeou como Reunião Nacional.

No entanto, continua a ser um partido populista, eurocético e fortemente anti-imigração.

O seu atual líder, Jordan Bardella, disse que quer proibir os cidadãos franceses com dupla nacionalidade de ocupar cargos estratégicos sensíveis, chamando-os de "meio-nacionais".

Ele também quer limitar o bem-estar social para os imigrantes e se livrar do direito automático à cidadania francesa para crianças com pais nascidos fora do país.

Uma candidata do RN, Ivanka Dimitrova, disse à BBC que o partido tomaria medidas contra os imigrantes que gostariam de ter a sua lei religiosa acima das leis da nação francesa.

Não há provas de que esta seja uma crença dominante nas comunidades de imigrantes, e o partido também não deixou claro em que consistiria a "ação", para além da lei atual.

Leila Abboud, chefe da sucursal do jornal Financial Times em Paris, afirma: "A opinião pública na França endureceu contra a imigração na última década: talvez se possa atribuir isso à crise de refugiados da guerra na Síria em 2015".

Quando se trata da União Europeia, o RN prometeu acabar com a primazia das leis europeias, uma pedra angular do projeto da UE.

Mas as políticas anti-Otan e anti-UE foram suavizadas e os laços estreitos do Reunião Nacional com a Rússia de Vladimir Putin foram silenciosamente abandonados. Sair da UE não está na agenda desde 2022.

·        4. A direita radical nas redes sociais

O RN tem feito campanha com sucesso com base em slogans e ideias simples, aproveitando os receios das pessoas de perderem a sua identidade francesa e a crise mais ampla do custo de vida.

Eles usaram as redes sociais de forma muito eficaz para aumentar seu perfil e fazer com que os eleitores se sentissem confiáveis ​​e familiares.

"Na França, chamamos Jordan Bardella de político do TikTok porque ele é um político que mobiliza as redes sociais e está muito à vontade com isso", disse Vincent LeBrou, da Université de Franche-Comté, ao programa Newsnight da BBC.

"É algo que tem contribuído bastante para o perfil dele. Você não sabe exatamente o que ele está propondo, mas vê muito."

"Muitas pessoas [que votaram no RN] não são racistas", diz Charles Culioli, um candidato de esquerda do NPF que se opõe ao NR. "Eles estão simplesmente fartos do sistema, estão fartos das políticas de Macron, de todas as coisas que lhes foram prometidas."

 

¨      O que esperar do 2º turno das eleições antecipadas na França?

O Reagrupamento Nacional (RN) de direita de Marine Le Pen liderou o primeiro turno na França, obtendo 33,4% dos votos no domingo (30). A coligação de esquerda Nova Frente Popular ficou em segundo lugar, garantindo 27,99%, enquanto a aliança de centro-direita do presidente Emmanuel Macron, Juntos, ficou em terceiro lugar com 20,04%.

A aliança de centro-direita do presidente Emmanuel Macron, Juntos, foi "praticamente eliminada" pelo RN, de direita, de Marine Le Pen, no primeiro turno das eleições antecipadas para a Assembleia Nacional da França. Foi assim que o líder da coligação parlamentar do partido de direita francês se referiu aos resultados do primeiro turno das eleições parlamentares. Após o segundo turno, o RN poderá conquistar entre 230 e 280 cadeiras — uma maioria relativa — na câmara baixa de 577 cadeiras, de acordo com cálculos da TV nacional, uma vez que anteriormente tinha apenas 88 assentos. Está previsto que a coligação de Macron perca mais de 160 assentos, ganhando potencialmente apenas entre 70 e 100.

Mas ainda há o segundo turno da votação, no dia 7 de julho, veja então como ele funciona.

Três grandes blocos políticos estão competindo por assentos na Assembleia Nacional: a direita com o Reagrupamento Nacional (RN), a aliança centrista do presidente francês Emmanuel Macron, Juntos, e a coligação Nova Frente Popular.

De acordo com o sistema multipartidário francês, para garantir a maioria absoluta na Assembleia Nacional, um partido ou bloco deve obter mais de 50% dos votos, ou pelo menos 289 assentos dos 577. Além disso, a participação eleitoral deve atingir pelo menos 25% no primeiro turno das eleições. Durante este turno, qualquer candidato que não consiga obter o apoio de pelo menos 12,5% dos eleitores registrados localmente é eliminado da disputa.

·        Quem entra no 2º turno?

Os legisladores são eleitos por distrito e, nos círculos eleitorais onde nenhum candidato vence no primeiro turno, os dois primeiros candidatos passarão para o segundo turno. Além disso, qualquer candidato que obtenha mais de 12,5% do número total de eleitores registrados naquele círculo eleitoral também participará do segundo turno.

·        Que manobras políticas são esperadas?

Aproximadamente 300 círculos eleitorais podem potencialmente entrar em eleições triplas, com as pesquisas sugerindo que muitos eleitores estão inclinados ao partido RN. Portanto, não é inesperado que os políticos de centro-direita e centro-esquerda estejam planejando implementar uma estratégia testada e comprovada conhecida como "frente republicana". Essa tática envolve a retirada de um candidato de um terceiro partido da disputa e o incentivo aos eleitores a se unirem em torno do candidato em segundo lugar.

O primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, já declarou que a coligação centrista de Macron retirará cerca de 60 dos seus candidatos para permitir que outros candidatos tenham uma oportunidade de derrotar o RN.

"Tomamos uma decisão que diz respeito a mais de 60 círculos eleitorais. Isso implica a retirada dos nossos candidatos. O seu possível terceiro lugar levaria à vitória de um legislador do Reagrupamento Nacional sobre um candidato de outro partido que partilha os valores da república, como nós", afirmou Attal no domingo.

Os candidatos que vão para o segundo turno têm até a noite de terça-feira (2) para decidir se renunciam. Quem obtiver mais votos no segundo turno ganha a cadeira no distrito eleitoral.

·        Quais cenários pós-segundo turno são possíveis?

Se um partido político ou aliança que não seja a aliança centrista de Macron obtiver a maioria, o presidente será obrigado a nomear um primeiro-ministro dessa nova maioria. Esse cenário levaria a um acordo de partilha de poder conhecido como coabitação. É previsto que esse tipo de acordo persista durante o resto do mandato de Emmanuel Macron, até 2027.

Sob coabitação, o governo francês poderia implementar políticas que divergem da posição do presidente.

Aliás, não é de todo um acordo que Jordan Bardella — o político francês que é presidente do RN desde 2022 — se torne primeiro-ministro. Segundo a Constituição, é Macron quem decide quem lidera o próximo governo.

O próprio Bardella insistiu que não se tornará primeiro-ministro a menos que o RN obtenha a maioria absoluta, dizendo: "Não quero ser assistente do presidente."

Entretanto, os cartazes de campanha do RN parecem sugerir a probabilidade de Bardella ser primeiro-ministro.

Na história da França, a última coabitação deste tipo (1997-2002) ocorreu sob Jacques Chirac, com as questões de política interna efetivamente nas mãos do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, enquanto o conservador presidente francês tratava de questões de política externa e de defesa.

Independentemente do resultado das eleições, Macron prometeu que não renunciaria ao cargo de presidente.

 

Fonte: BBC News Mundo/Sputnik Brasil

 

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