quarta-feira, 3 de julho de 2024

Eleitores franceses no Brasil rejeitam ultradireita e Le Pen

O primeiro turno das eleições legislativas francesas no domingo passado (30/06) resultou numa marca histórica para o partido de ultradireita Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, que acabou sendo o mais votado para a formação da Assembleia Nacional, a câmara dos deputados do país.

Com cerca de 30% dos votos, o RN foi seguido pela coalizão de partidos de esquerda Nova Frente Popular (NFP), com 28%. Já a coligação do presidente centrista Emmanuel Macron, chamada Juntos, amargou um terceiro lugar, com apenas 20%.

Mas, se a eleição dependesse apenas dos eleitores franceses que vivem no exterior, os resultados seriam substancialmente diferentes. Não houve "onda de ultradireita” em nenhuma das 11 zonas eleitorais francesas que reúnem eleitores espalhados pelo globo.

Na zona da América Latina, por exemplo, a candidata apoiada por Le Pen amargou o terceiro lugar, ficando atrás de um ambientalista de esquerda e de uma macronista de centro. Já especificamente entre os eleitores franceses no Brasil, essa candidata de ultradireita caiu para o quarto lugar, sendo ultrapassada também por um conservador.

Na França metropolitana e nos territórios ultramarinos – que concentram 566 das 577 cadeiras da Assembleia Nacional –, o RN elegeu 37 deputados no primeiro turno e ainda tem 444 disputando o segundo.

Já a eleição para as 11 cadeiras do exterior foi um terreno bem mais difícil para a ultradireita. Ao final da contagem, o partido de Le Pen não consegui colocar nenhum dos seus candidatos no segundo turno nas 11 zonas. Os nomes do RN acabaram amargando terceiras e quarta colocações, em contraste com o que ocorreu na França.

O segundo turno vai ocorrer no próximo domingo (07/07), quando a composição final da Assembleia Nacional será conhecida. Para ter maioria, um partido precisa garantir 289 cadeiras.

•           Esquerda e macronistas lideram no exterior

Se na França a coligação de Macron saiu humilhada do primeiro turno, o mesmo não pode se dizer dos seus candidatos no exterior.

A aliança do presidente, chamada Juntos, elegeu apenas 2 deputados na França no primeiro turno e conseguiu levar 304 candidatos ao segundo turno. Destes, 10 estão nas 11 zonas do exterior. Há ainda um independente com laços próximos com o macronismo que está na disputa pela zona eleitoral que engloba a Espanha e Portugal.

Destes 11 candidatos macronistas no exterior, cinco terminaram o primeiro turno na liderança. É um contraste significativo com a França metropolitana e territórios, onde macronistas só conseguiram a liderança em 64 dos 566 distritos.

Já a aliança de partidos de esquerda Nova Frente Popular (NFP), que conta com legendas como A França Insubmissa (LFI) e o tradicional Partido Socialista (PS), entre outros, conseguiu passar 10 candidatos para o segundo turno nas 11 zonas do exterior. Cinco deles terminaram a primeira rodada na liderança.

Na França metropolitana, a NFP já elegeu 32 deputados no primeiro turno e tinha 413 disputando o segundo turno na noite de domingo. Desde então dezenas que estavam em disputas triangulares (quando há mais de dois candidatos no segundo turno) desistiram para tentar fortalecer rivais moderados com mais chances de frear candidatos da ultradireita.

Ainda no exterior, o partido conservador Os Republicanos (LR) – outrora uma das grandes forças políticas da França, mas hoje em declínio – conseguiu passar um de seus candidatos para o segundo turno na zona que reúne Chipre, Grécia, Israel, Itália, Malta e Turquia.

Neste caso, o candidato, o franco-israelense Meyer Habib, terminou na liderança e vai disputar a nova rodada com um macronista. Nos últimos dias, Meyer Habib despertou interesse da imprensa francesa porque seu nome foi citado numa lista de republicanos que haviam fechado uma aliança com o RN, de Le Pen. Habib, no entanto, negou ter aceitado tal aliança, ao contrário de outros republicanos na França.

No total, 1,6 milhão de franceses estavam aptos a votar nas 11 zonas no exterior. A taxa de comparecimento foi de 36,55%. Em contraste, na França a taxa chegou a 66,7%.

•           Eleitores franceses no Brasil preferiram esquerda e centro

Na zona eleitoral 2, que reúne a América Latina e o Caribe, também não houve "onda de ultradireita", e o segundo turno será disputado entre um membro da esquerda e uma macronista.

Os dois candidatos mais votados foram o franco-chileno Sergio Coronado, do partido ambientalista e membro da aliança de esquerda NFP, com 36,16% dos votos, e a macronista franco-dominicana Éléonore Caroit, com 33,49%.

A candidata do RN, Marie-Nathalie Gonçalves, acabou amargando o terceiro lugar na América Latina, com 13,28% e ficou fora do segundo turno. Assistente parlamentar do RN na França, ela é filha de uma mãe brasileira e um pai português.

No Brasil, os resultados foram similares ao do restante da zona eleitoral 2, mas levemente piores para o RN.

O ecologista Coronado encabeçou a preferência da maioria dos franceses no Brasil, recebendo 40% votos. Já a macronista Caroit recebeu 30%. Mas a ultradireitista Gonçalves acabou em quarto lugar no Brasil, com 10,9%, sendo ultrapassada também pelo candidato republicano Bertrand Dupont – um residente do Brasil –, que teve 11,4%.

O ecologista Coronado também ficou em primeiro lugar em três das quatro seções consulares francesas no Brasil: Recife, Brasília e Rio de Janeiro. Ele só ficou atrás de Caroit na seção de São Paulo.

No total, 15.999 franceses estavam aptos a votar no Brasil. Destes, 3.861 votaram nas seções consulares ou por via eletrônica – uma taxa de comparecimento de 24%.

•           Na França, centristas e esquerda tentam deter ultradireita

Em um esforço articulado para impedir a ultradireitista Reunião Nacional (RN) de formar maioria no Parlamento francês no segundo turno da eleição legislativa, marcado para o próximo domingo (07/06), partidos de centro e de esquerda então retirando candidaturas que concorrem entre si com a RN.

A estratégia visa concentrar em uma só candidatura do campo democrático os votos dos eleitores que não querem ver a eurocética e anti-imigração RN no comando da Assembleia Nacional – um cenário que levaria o governo do presidente Emmanuel Macron à paralisia.

A RN de Marine Le Pen conseguiu a liderança no primeiro turno, realizado no domingo passado, com 33,15% dos votos, seguida pela coalizão de partidos de esquerda Nova Frente Popular (NFP), com 27,99%, e pela coligação centrista de Macron, a Juntos, com 20,04%.

<><> 501 dos 577 assentos do Parlamento serão definidos no 2º turno

Mas a votação do primeiro turno só definiu 76 dos 577 deputados da Assembleia Nacional, que obtiveram maioria absoluta. Destes, 37 foram da RN, enquanto a NFP fez 32 e o Juntos, apenas dois. A decisão sobre os demais 501 assentos ficou para o segundo turno. Só que em 306 dessas 501 disputas, três candidatos se qualificaram. Boa parte deles é ligada à RN – que está em quase todas as votações do segundo turno –, à NFP (272) ou ao Juntos (239), segundo a Rádio França Internacional.

Com isso, candidatos da esquerda e do centro se veem competindo entre si – uma situação que pode beneficiar a RN, que já largou na frente em 260 disputas, contra 127 da NFP e 68 do Juntos, conforme um levantamento do jornal francês Le Monde.

Pesquisas realizadas antes do primeiro turno sugerem que uma grande maioria dos eleitores de esquerda e uma maioria menor de centristas estaria disposta a apoiar outro candidato para manter a RN fora do governo francês – na França semipresidencialista, é o Parlamento quem indica o primeiro-ministro e forma o gabinete de governo.

O Le Monde afirma que houve renúncias de candidaturas em ao menos 167 disputas, a maioria vindas da NFP ou do Juntos.

O prazo para retirada de candidaturas se encerra na noite desta terça-feira.

<><> Centristas mais relutantes

A própria NFP já havia anunciado que abriria mão de candidaturas em disputas onde houverem concorrentes do campo democrático mais bem votados e, portanto, com maiores chances de derrotar a ultradireita.

Macron indicou que sua coligação faria o mesmo, desde que os candidatos beneficiados pertençam a partidos que compartilham dos "valores da República". Já o conservador partido Os Republicanos, que teve 6,6% dos votos e só elegeu um deputado no primeiro turno, disse que pretende não retirar nenhuma candidatura.

Alguns aliados de Macron sugeriram, porém, que não ajudariam a eleger candidatos da sigla de esquerda radical França Insubmissa, equiparando-a à RN. Foi o caso do premiê francês Gabriel Attal, que acusou o partido de "evitar uma alternativa crível" a um governo de ultradireita.

"Nenhum voto deve ser dado aos candidatos da Reunião Nacional, mas também aos candidatos da França Insubmissa, de quem diferimos em princípios fundamentais", afirmou o ex-primeiro-ministro Eduoard Philippe, outro aliado de Macron.

O cenário de segundo turno, com numerosas disputas "triangulares" – como são chamadas as eleições entre três candidatos – é incomum na França. Isso porque, para se qualificar para um segundo turno, candidatos precisam ter mais de 12,5% dos votos do eleitorado – algo difícil diante do usual desinteresse dos franceses, que não são obrigados a votar.

No domingo, porém, a taxa de eleitores que compareceram às urnas foi de quase 67% – a maior desde 1997, e muito acima dos 47,5% vistos na última eleição parlamentar, em 2022.

<><> Macron dissolveu Assembleia Nacional após vitória da ultradireita nas eleições europeias

Em 9 de junho, após ver sua aliança centrista derrotada pela Reunião Nacional (RN) nas eleições ao Parlamento Europeu, Macron anunciou a dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições antecipadas.

Ao convocar uma eleição-relâmpago, o francês esperava voltar a atrair os eleitores que se opõem à ultradireita de Le Pen, como ocorrera nas presidenciais de 2017 e 2022, e eventualmente eleger uma Assembleia Nacional mais favorável.

 

•           Le Pen e o uso do feminismo pela ultradireita. Por Nina Lemos

Há alguns anos, o partido de ultradireita AfD (Alternativa para a Alemanha) resolveu fazer uma campanha "engraçadinha" (no mau sentido) e espalhou pelo país cartazes com imagens estereotipadas da Alemanha e dos muçulmanos. Num dos cartazes, uma foto de mulheres jovens de biquíni era acompanhada do texto "Burca? Nós gostamos de biquínis!". Em outro, os olhos de uma mulher usando burca eram seguidos da frase "a liberdade das mulheres não é negociável".

Quem via sem prestar atenção talvez não percebesse o quanto aqueles cartazes eram xenófobos e até poderia comprar a ideia de que eles eram um pouco feministas. Quem não te conhece, que te compre. O partido, além de xenófobo, é extremamente conservador.

Lembrei desses cartazes do partido cuja co-líder Alice Weidel foi reeleita para o cargo no fim de semana passado ao ver o sucesso eleitoral de outra mulher da ultradireita na Europa. Falo, claro, de Marine Le Pen, cujo partido, o RN (Reunião Nacional), venceu o primeiro turno da eleição parlamentar na França no domingo passado (30/06), com 33% dos votos. O resultado parcial (o final será definido no próximo domingo, no segundo turno) assustou a parte democrática e humanitária da Europa e do mundo. Afinal, não é nada legal ver o crescimento da ultradireita no continente, o que indica que o ódio, a xenofobia e o racismo estão crescendo a níveis alarmantes.

E isso não acontece só na França. Na eleição para o Parlamento Europeu, a AfD teve 16% dos votos, o que significa que eles cresceram quase 50% desde a última eleição europeia, em 2019.

Weidel e Le Pen têm muito em comum. Elas representam, junto com Giorgia Meloni, a primeira-ministra da Itália, do partido Irmãos da Itália, a ascensão de mulheres a cargos de lideranças em partidos da ultradireita europeia. E têm feito sucesso, o que lamento.

Le Pen e outras líderes femininas dessa direita radical demonizam imigrantes e usam xenofobia travestida de luta pelo direitos das mulheres para espalhar ódio e ganhar votos. As mulheres europeias, segundo esses partidos, precisam ser protegidas de "estrangeiros estupradores e agressores". Na narrativa da ultradireita europeia, homens, principalmente muçulmanos e refugiados, são, todos, uma ameaça às mulheres, o que não é verdade.

Se existe violência de imigrantes na Europa? Existe, sim. Mas os números mostram que o maior perigo para as mulheres ainda são os próprios europeus.

Na Alemanha, segundo dados do Ministério do Interior, 133 mulheres foram mortas por seus parceiros ou ex-parceiros em 2022, ou seja, por pessoas que elas conheciam intimamente.

No caso da França, a pauta de que só os estrangeiros colocam mulheres em risco também não se sustenta. Segundo dados do Ministério do Interior, em 2022, 118 mulheres foram vítimas de feminicídio no país. O número de tentativas de assassinatos de mulheres por parceiros aumentou 45%. O perfil típico do autor, segundo o ministério, é, em sua maioria, formado por homens de nacionalidade francesa, com idades entre 30 e 49 anos.

•           Suavizada na imagem

O sucesso das líderes da ultradireita não se deve só às pautas xenófobas e anti-imigração. Segundo estudiosos, mulheres como Le Pen, Meloni e Weidel também ajudam a dar uma "suavizada" na imagem da ultradireita. Afinal, essas mulheres são muito diferentes de misóginos grosseiros como os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro. Isso atrai votos de mulheres, que costumam votar menos do que os homens na ultradireita. No Brasil, esse papel tem sido cumprido por Michele Bolsonaro, muito mais articulada que o marido.

No caso da França, o perfil de eleitores já mudou. Em 2019, a ultradireita teve 19% dos votos femininos na eleição do Parlamento Europeu. Em 2024, esse número subiu para 30%.

Não digo que Le Pen, Weidel e Meloni estejam sendo manipuladas. Acho que elas acreditam mesmo no que pregam. E que são muito perigosas para o mundo e para a democracia.

Mas, confesso, me dói mais ver uma mulher líder da ultradireita do que um homem. Afinal, somos um grupo que ainda tem que lutar por pautas básicas, como igualdade salarial, por exemplo. Somos a parte que costuma se dar mal no mundo. E me dói, sim, ver pessoas que são historicamente oprimidas lutando para oprimir outras pessoas (principalmente imigrantes e estrangeiros, no caso). Mas, como disse um amigo: "Caráter não tem gênero".

E não, gente, nós, mulheres, não precisamos ter "sororidade" com mulheres de ultradireita. Sororidade é sobre ser companheira e tentar entender o lado de mulheres ao nosso redor. Mas existem mulheres que não estão do mesmo lado que nós e que representam ideias que precisam ser combatidas. Simples assim.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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