quarta-feira, 8 de março de 2023


 Como é Baikonur, a base espacial secreta de onde a União Soviética conquistou o espaço

A primeira - e a mais secreta - base espacial do mundo, o Cosmódromo de Baikonur, fica no meio de um vasto deserto na Ásia central, a 2.600 km a sudeste de Moscou e a 1.300 km das duas principais cidades do Cazaquistão, Nur-Sultan (a capital) e Almaty.

Foi desse local remoto da estepe que, em 1957, a União Soviética lançou com sucesso o primeiro satélite artificial do mundo - Sputnik 1 - em órbita da Terra.

Foi também dali que, quatro anos depois, em 1961, foi lançado o foguete que levou Yuri Gagarin para tornar-se o primeiro ser humano a voar no espaço, a bordo da nave Vostok 1. E, em 1963, Valentina Tereshkova saiu de Baikonur como a primeira mulher no espaço.

Desde o término do programa dos ônibus espaciais da Nasa, a agência espacial norte-americana, em 2011, Baikonur tornou-se o único local de lançamento de foguetes em funcionamento no planeta para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).

Agora, 60 anos depois do primeiro voo histórico de Gagarin, Baikonur é a principal base de lançamento de foguetes do mundo.

Mas como e por que um posto avançado poeirento nos confins do oeste do Cazaquistão tornou-se o improvável portal da humanidade para o espaço sideral?

Para chegar ao espaço, você precisa de duas coisas: estar longe de áreas povoadas e estar o mais perto possível do Equador, para aproveitar a velocidade de rotação da Terra, que é maior naquela região do planeta.

No caso do programa espacial norte-americano, a resposta era a costa oriental da Flórida, onde foi construído o Centro Espacial Kennedy.

Já a União Soviética foi até a então chamada República Socialista Soviética do Cazaquistão em busca de um local remoto dentro das suas fronteiras onde ela pudesse realizar testes de mísseis de longo alcance e lançamentos de foguetes.

A União Soviética vinha conduzindo testes com foguetes desde a década de 1920. Depois da Segunda Guerra Mundial, ela conseguiu a tecnologia dos foguetes alemães V-2, o que impulsionou significativamente o seu programa espacial.

Os soviéticos identificaram uma enorme extensão de terreno improdutivo no sul da estepe do Cazaquistão, ao longo do rio Sir Dária, em um pequeno assentamento chamado Tyuratam (ou Toretam).

Já havia ali um terminal ferroviário - uma plataforma básica para carga e passageiros - construída para os geólogos e pesquisadores que originalmente procuravam petróleo, mas não muito mais que isso.

        lançamento de foguete

Era um deserto plano e sem árvores, com condições climáticas extremas. As tempestades de areia eram frequentes; as temperaturas atingiam mais de 50°C no verão e tempestades de gelo sopravam ventos abaixo de -30 °C no inverno.

Usando a linha de trem, a máquina soviética começou a trabalhar, trazendo milhares de trabalhadores para construir e montar instalações e um conjunto de plataformas de lançamento, incluindo a maior cratera artificial do planeta: um fosso com 250 m de comprimento, 100 m de largura e 45 m de profundidade, projetado para receber a enorme quantidade de chamas e fumaça expelida pelo maior foguete do mundo durante o seu lançamento.

A cidade de Tyuratam cresceu ao longo do rio, a cerca de 30 km ao sul das instalações de lançamento. Para despistar seus concorrentes norte-americanos, os soviéticos mudaram o nome de Tyuratam, tomando a denominação de outra cidade a algumas centenas de quilômetros de distância para rebatizar o cosmódromo e a cidade local.

Assim nascia o segredo de Baikonur.

Curiosamente, parece apropriado que essa área desolada e distante seja o último lugar onde os astronautas permanecem antes de deixar a Terra e o primeiro lugar que eles veem quando voltam para casa.

No documentário sobre sua estada por tempo recorde a bordo da ISS, A Year in Space ("Um Ano no Espaço", em tradução livre), o astronauta da Nasa Scott Kelly descreveu Baikonur como uma espécie de casa a meio caminho do espaço: "Em alguns aspectos, faz um pouco de sentido para mim chegar primeiro a um lugar como esse, já isolado do que é normal para você. Parece mais um ponto de partida para outro lugar ainda mais isolado. Sabe, um local remoto para [chegar a] outro local mais remoto."

No seu livro Beyond: The Astonishing Story of the First Human to Leave Our Planet and Journey into Space ("Para Além: A Surpreendente História do Primeiro Ser Humano a Sair do Nosso Planeta e Viajar para o Espaço", em tradução livre), Stephen Walker escreveu que o controle do espaço era uma missão ideológica e uma questão militar.

Os foguetes foram primeiramente desenvolvidos para voar para o espaço, mas os governos rapidamente perceberam seu potencial para carregar mísseis balísticos que pudessem lançar bombas sobre territórios inimigos distantes. Os satélites em órbita da Terra também poderiam fornecer uma visão astronômica das terras distantes que os espiões humanos teriam problemas para visitar.

Enquanto, no início dos anos 1960, os Estados Unidos tentavam manter as aparências sobre suas tentativas - sabidamente estagnadas - de levar alguém para o espaço, o sigilo soviético beneficiou o programa espacial da URSS.

Afinal, se ocorresse uma tragédia durante um lançamento norte-americano, a TV mostraria ao vivo, em frente à imprensa e ao país.

Já para os soviéticos, o sigilo oferecia a liberdade de assumir maiores riscos e avançar com mais rapidez e sentido de urgência.

"Os soviéticos estavam protegendo seu local de lançamento de mísseis e sua tecnologia. O míssil R7, que transportou Gagarin, era o maior míssil balístico intercontinental do mundo na época. E seus segredos precisavam ser protegidos. As pessoas tinham muito medo de que os norte-americanos conseguissem essa tecnologia - o que, na verdade, por fim aconteceu", afirmou Walker à BBC.

Com a queda da União Soviética em dezembro de 1991, o Cazaquistão tornou-se independente e, subitamente, a base espacial mais importante da Rússia estava em solo estrangeiro.

Em 1994, os russos assinaram um acordo com o Cazaquistão para alugar Baikonur ao custo anual de cerca de 7 bilhões de rublos (cerca de R$ 627 milhões).

Uma quantidade cada vez maior de turistas visita Baikonur para assistir aos lançamentos, especialmente missões tripuladas para a ISS, mas o senso de sigilo permanece até hoje.

A cidade é essencialmente um enclave russo rodeado pelo Cazaquistão e o cosmódromo é uma instalação restrita operada pela agência espacial russa, Roscosmos.

Os viajantes devem estar em um tour guiado e organizado por uma operadora certificada para solicitar uma série de permissões de entrada.

Elena Matveeva, gerente de projetos da Vegitel - uma das principais operadoras de turismo em Baikonur -, afirma que o senso de sigilo é parte dos atrativos do cosmódromo.

"Ele oferece a oportunidade de visitar um local único que não é possível visitar sozinho. Você só pode vir [com] uma operadora de turismo autorizada que pode [solicitar] liberação de acesso."

Baikonur compreende o cosmódromo - um pedaço de terra enorme, de 7 mil quilômetros quadrados, com um complexo de hangares e plataformas de lançamento - e a cidade (antes chamada de Tyuratam), que fica ao sul.

A cidade de Baikonur, de muitas formas, é uma relíquia perfeita da União Soviética dos anos 1960.

Mosaicos estoicos mostrando camaradas musculosos anunciando a nova era espacial ainda decoram os portões de entrada e as paredes dos blocos de apartamentos funcionais de concreto bruto, onde moraram trabalhadores da construção, engenheiros aeroespeciais e suas famílias.

Dentro do cosmódromo, hangares em ruínas ficam ao lado dos chalés minimalistas originais, onde os primeiros cosmonautas, como Yuri Gagarin, passaram a última noite antes de viajar para o espaço.

A maioria dos turistas visita Baikonur especificamente para presenciar o lançamento de foguetes. Mas Gianluca Pardelli, fundador e diretor da Soviet Tours - agência de turismo especializada em viagens para a antiga União Soviética -, afirma que Baikonur também é interessante pelos seus atrativos culturais e históricos.

"A cidade homônima próxima ao cosmódromo é um exemplo perfeito de planejamento urbano soviético no meio do nada - é uma cidade planejada soviética no meio da estepe e do deserto do Cazaquistão", afirma ele.

Um tour típico de Baikonur engloba visitas às instalações de lançamento, incluindo a Plataforma Gagarin, de onde Yuri seguiu para o espaço pela primeira vez.

O Museu Histórico do Cosmódromo de Baikonur conta a história da base de lançamento: "Ele guarda objetos que você não encontrará em nenhum outro lugar, em nenhum outro museu espacial do mundo", afirma Stephen Walker. "Ele é repleto de artefatos estranhos, pequenos objetos, peças e partes, tudo para celebrar os dias de glória do programa espacial soviético."

Baikonur oferece muitos exemplos preservados da arte e da arquitetura soviética dos anos 1960.

Chegar até lá já é uma aventura por si só. É preciso tomar um voo para uma das principais cidades do Cazaquistão - Astana ou Almaty - seguido por um voo doméstico para a cidade de Kyzylorda e uma viagem de quatro horas de carro ou trem (lento) para o oeste, através da área descampada até Baikonur.

Chegando lá, você pode escolher entre um hotel internacional, que também acomoda os astronautas, ou um hotel mais barato sem pompa, em estilo soviético.

Os turistas que comparecem ao almoço participam de festividades, incluindo o transporte do foguete russo Soyuz em um vagão ferroviário especial do hangar até a plataforma de lançamento e uma cerimônia de despedida para os astronautas (ou cosmonautas, como são chamados na Rússia), enquanto eles embarcam em um ônibus para dirigir-se à espaçonave.

Para Robert Joy, turista de Swansea, no País de Gales, que visitou Baikonur em 2019, ver o transporte do foguete foi o ponto alto da visita.

"Você fica ao lado do foguete e o acompanha até a Plataforma de Lançamento n° 1. É uma total satisfação."

Joy afirma que viajar para Baikonur era o sonho de sua vida. "Sempre quis visitar Baikonur desde que era criança. Era o local de lançamento secreto dos soviéticos atrás da Cortina de Ferro."

Para Elena Matveeva, a experiência de presenciar um lançamento causa grande emoção.

"É uma combinação de um evento espetacular com a história sendo vivida. Porque, quando você vê o foguete sendo lançado, sente a terra tremendo e ouve o ronco dos motores... você está participando desse evento histórico. E, de alguma forma, você se sente alguém próximo dos cosmonautas que estão indo para o espaço."

Em novembro de 2020, a companhia norte-americana SpaceX, de Elon Musk, lançou sua primeira missão Crew Dragon, enviando uma tripulação para a ISS do Centro Espacial Kennedy da Nasa, na Flórida (EUA). Foi o primeiro lançamento de uma missão tripulada nos Estados Unidos desde o ônibus espacial Discovery, em 2010.

A Rússia também está construindo a sua própria base de lançamento de foguetes, o Cosmódromo de Vostochny, no extremo leste do país.

Mas a Rússia é otimista sobre a continuidade das operações em Baikonur. Em uma declaração exclusiva para a BBC, a Roscosmos afirmou que o novo Cosmódromo de Vostochny não causará redução das atividades em Baikonur.

"A Rússia, em cooperação com [a] República do Cazaquistão, está criando o novo complexo espacial de Baiterek, em Baikonur. Outro projeto importante é a modernização da famosa Plataforma Gagarin para operação do moderno veículo de lançamento Soyuz 2."

Seja qual for seu futuro como base de lançamento de foguetes, a importância de Baikonur como pedaço vivo da história, nostalgia soviética e herança cultural humana é inquestionável.

Londres, Paris, Pequim e Washington podem ser centros de impérios do passado ou do presente, mas foi de uma estação de trem empoeirada no meio da estepe do Cazaquistão que a humanidade fez sua primeira incursão para o cosmos.

 

       O lixo que revela o passado em bases nucleares soviéticas

 

Em uma base militar soviética no meio da floresta na Polônia, a quilômetros da vila mais próxima, a família de um funcionário público passava mais uma manhã de sábado.

As crianças escovaram os dentes rapidamente depois do café da manhã e correram para fora, para brincar de soldados com pistolas de plástico. Seu pai vestiu o uniforme, com o emblema da foice e do martelo brilhando, enquanto sua mãe se sentava para um jogo de xadrez.

Mas eles sabiam que, embaixo dos seus pés, guardadas com o máximo segredo, havia ogivas nucleares, provavelmente muito mais poderosas que as bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945.

"Os comandantes sabiam muito bem que, para sua saúde psicológica, é muito importante criar uma ilusão de vida pacífica no dia a dia", afirma Grzegorz Kiarszys, arqueólogo da Universidade de Szczecin, na Polônia, que estudou as ruínas e pilhas de lixo em três bases soviéticas de armas nucleares, abandonadas há muito tempo no noroeste da Polônia.

Cada uma dessas bases - Podborsko, Templewo e Brzeźnica Kolonia - foi, um dia, o lar de cerca de 140 pessoas. A maior parte era composta de soldados, mas havia também alguns funcionários públicos e suas famílias imediatas, que foram autorizadas a viver ali.

Kiarszys observou evidências fotográficas que confirmam a presença dessas famílias, mas foram os materiais impressos e o lixo que elas deixaram para trás que revelaram as visões mais surpreendentes sobre a sua vida na Polônia.

O lixo pode contar muito sobre uma pessoa ou uma comunidade. Seu estudo é chamado de garbologia. Nessas antigas bases isoladas, uniformes antigos permanecem se decompondo junto às folhas, ao lado de embalagens de doces, patos de borracha e telefones de brinquedo. O texto em alguns desses materiais confirma sua data e origem: a União Soviética.

Kiarszys afirma que o lixo das bases soviéticas é "completamente diferente" do que você encontraria em uma lixeira polonesa comum na mesma época. Há sapatos de marca do Ocidente, por exemplo, e brinquedos que poderiam ser peças de Lego - coisas que apenas poucas pessoas, como funcionários soviéticos com acesso a moeda estrangeira, poderiam comprar no regime comunista do bloco oriental.

Os moradores locais do oeste da Polônia sabiam que o exército soviético operava diversas instalações naquela parte do país durante a Guerra Fria, mas somente depois da queda da União Soviética em 1991 é que os poloneses souberam como algumas dessas bases eram usadas para armazenar armas nucleares.

"Por muitos anos, eles nos disseram que não havia armas nucleares no território polonês", afirma Kiarszys. Essas bases escondidas abrigavam um incrível poder de destruição que poderia ter sido lançado durante uma eventual guerra no continente europeu. "A ideia, por si só, era maluca", segundo o pesquisador. "Mas era assim que os generais soviéticos acreditavam que se daria a guerra na Europa."

 

Fonte: BBC Travel

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