quarta-feira, 8 de março de 2023


O que Sigmund Freud diria sobre nossa obsessão pelas selfies?

Se você for aos lugares mais bonitos do mundo, provavelmente verá pessoas tirando fotos… de si mesmas. E talvez você faça o mesmo.

A palavra selfie foi aceita pelo Oxford English Dictionary, um dos mais importantes da língua inglesa, em 2013 e rapidamente se tornou a palavra do ano.

Apesar do neologismo, as selfies são tão antigas quanto a fotografia. Acredita-se que a mais antiga selfie seja do americano Robert Cornelius, que, aos 30 anos, tirou uma foto de si próprio do lado de fora de sua loja de lâmpadas na Filadélfia.

Mas por que nós usamos uma tecnologia tão inovadora que é a fotografia para captar imagens que podemos ver todos os dias no espelho?

E quem poderia explicar melhor as peculiaridades humanas se não Sigmund Freud?

•        'Eu me amo, você me ama'

Freud, o pai da psicanálise, popularizou várias ideias, como a do ego, superego e inconsciente. Um de seus conceitos mais famosos é o do narcisismo, o amor desproporcional por si mesmo.

Na mitologia grega, um jovem chamado Narciso viu seu reflexo na água e passou tanto tempo admirando sua própria beleza que se isolou do resto do mundo. Finalmente, ele se afogou tentando abraçar sua própria imagem.

Freud pensava que um pouco de autoestima é algo natural nos seres humanos. Porém, o exagero do amor próprio pode se tornar um problema psicológico a ponto de a pessoa excluir relações com os outros, como fez Narciso na mitologia.

•        Testes de personalidade

Os psicólogos desenvolveram testes para medir traços de personalidade, como o narcisismo.

Alguns dos resultados não surpreendem:

- Os narcisistas tendem a ser mais ativos nas redes sociais;

- Publicar selfies está fortemente vinculado ao narcisismo.

Mas esse cenário é pior com os homens. Pesquisas indicam que o narcisismo clínico é 40% maior entre os homens do que com as mulheres.

Uma pesquisa que a psicóloga americana Jean Twenge fez desde 2009 com adolescentes dos Estados Unidos apontou que o narcisismo tem aumentado em um ritmo maior que a obesidade. No estudo intitulado "A epidemia do narcisismo", ela conta histórias de pessoas comuns que contrataram paparazzi para segui-las como se fossem famosas e jovens que fizeram cirurgias plásticas sem necessidade.

"Os narcisistas acreditam que são melhores que os outros, carecem de relacionamentos afetuosos, constantemente buscam atenção e valorizam a riqueza material e a aparência física", escrevou Twenge.

•        E o que pensaria Freud?

A maioria das ideias de Freud derivam de suas observações cotidianas, de modo que toda a informação disponível hoje seria um prato cheio para ele. O fenômeno da selfie talvez se tornasse um objeto de estudo para o psicanalista, se ele estivesse vivo.

Ele teria notado, como os psicólogos deste século já sabem, que muitas pessoas publicam selfies não porque estão apaixonadas por si mesmas, mas porque querem ser adoradas por outras pessoas que as seguem nas redes sociais.

Para Freud, essa necessidade de aprovação pareceria neurótica ou histérica.

•        Chamar a atenção

É bom lembrar que Freud empreendeu suas pesquisas no final do século 19, uma época de repressão sexual muito mais profunda.

As mulheres e os homens se mantinham estritamente separados e aprendiam desde cedo a se envergonhar quando se sentiam sexualmente atraente. Ou seja, ser sexy era um problema.

Muitas das pacientes de Freud eram da alta sociedade de Viena e sofriam de "paralisia histérica", incapacidade de se mover sem ter qualquer explicação médica. O psicanalista pensava que essas mulheres paravam de se mover porque "queriam chamar a atenção" - porém, não sabiam disso.

A histeria, até meados do século 20, era uma doença (inventada) que tinha como sintomas a insônia, irritabilidade, nervosismo, infelicidade, desobediência e impertinência, segundo os médicos da época.

Então, se para chamarmos atenção já chegamos ao ponto de pararmos de nos mover, talvez seja melhor publicar algumas selfies, não?

Talvez sim, mas isso não significa que essa obsessão seja totalmente saudável, não apenas pelo que ela diz sobre nós mesmos, mas também porque ela afeta as demais pessoas.

•        Infelicidade

As selfies nos mostram em nossos melhores momentos, que são cuidadosamente montados e manipulados. Assim, diariamente somos bombardeados por imagens de outras pessoas que têm vidas e corpos aparentemente perfeitos.

Estudos recentes mostram que essa exposição excessiva nos enchem de inveja e criam sentimentos de isolamento, insegurança e inadequação.

Nas palavras de Freud, nos tornamos mais neuróticos: "O objetivo da psicanálise é aliviar as pessoas de sua infelicidade neurótica, de modo que elas possam ser infelizes comuns".

Então, da próxima vez que você apontar a câmera para si próprio, lembre-se de Narciso e tente focar também seus amigos. Além disso, pode contar com Freud.

 

       Quem eram os alienistas, grupo do qual Sigmund Freud fez parte

 

Não resta dúvida. Sigmund Freud, o neurologista austríaco fundador da psicanálise, que criou uma abordagem inteiramente nova para compreender a personalidade humana e é considerado uma das mentes mais influentes e controversas do século 20, era um alienista.

Não apenas ele. Seus colegas contemporâneos também eram, assim como muitos antes deles.

Embora soe como algo relacionado a alienígenas, não tem nada a ver com isso.

Os alienistas eram aqueles que se ocupavam de estudar, compreender, cuidar e ajudar os pacientes que sofriam de "alienação mental" a superar a doença.

O termo nasceu na França revolucionária e sobreviveu até o início do século 20.

•        A origem do termo

Se você pesquisar por "alienista" em um dicionário, encontrará algo como "especialista no estudo e tratamento de doenças mentais".

O início desta nova especialidade médica foi fruto de uma corrente de pensamento distinta sobre a loucura que teve sua expressão em vários lugares do velho continente, mas o termo em si nasceu na França.

Ao longo dos séculos 17 e 18 na Europa, os doentes mentais eram cuidados por suas famílias ou vagavam pelos campos e cidades mendigando, indica Juan Carlos Stagnaro em seu dossiê "O nascimento da psiquiatria: um movimento europeu".

Mas muitos ficavam confinados em hospitais criados pelas monarquias para tirar de circulação aqueles que eram considerados "perturbadores" da ordem social.

O rei teve que ceder à pressão daqueles que exigiam condições mais humanas para quem estava internado nos hospitais do reino

Na França, no início do reinado de Luís 16, o movimento filantrópico — inspirado nas ideias de Jean-Jacques Rousseau — revelou, entre outras denúncias, as condições miseráveis em que se encontravam os confinados nos Hospitais Gerais do reino.

A pressão foi tamanha que o rei confiou a Jean Colombier, inspetor-geral de hospitais civis e prisões do reino, e a seu assistente, François Doublet, a elaboração de um relatório sobre o estado dos loucos internados.

(..)."milhares de insanos são trancados nas prisões sem que ninguém pense no menor remédio", diz um trecho do documento.

"O semilouco se confunde com o louco perdido, o furioso com o louco tranquilo: alguns são acorrentados, outros são deixados em liberdade em seu cárcere."

"Em suma, a menos que a natureza venha em seu auxílio e os cure, o fim de seus males é o de seus dias e, infelizmente, até então, a doença só faz aumentar, em vez de diminuir."

Embora as reformas para melhorar a situação tenham sido temporariamente interrompidas pela revolução, o relatório teve grande repercussão no país, que se tornou uma república.

As novas autoridades francesas colocaram em prática as recomendações de Colombier e Doublet, reformando o atendimento aos alienados de suas mentes e da sociedade, de acordo com os novos Direitos do Homem instituídos pela revolução.

Reformas semelhantes ocorreram em outras partes do continente.

Em 1808, na Alemanha, o médico e anatomista Johann Christian Reil defendeu a criação de uma disciplina médica independente que chamou de psiquiatria.

•        Alienismo alienado

Ambos os termos permaneceram em uso.

Mas o estudo, a compreensão, o cuidado e a ajuda aos pacientes que sofriam de "alienação mental" se desenvolveram — e o alienismo foi ficando para trás.

Relembrando sua experiência como um "jovem alienista", o renomado psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung — colaborador mais próximo de Freud — escreveu em 1952:

"Nossa formação como alienistas estava intimamente relacionada à anatomia do cérebro, mas não à psique humana."

"Observações meramente clínicas — e subsequentemente post mortem, quando se costumava olhar para um cérebro que não mostrava sinais de anormalidade — não eram particularmente esclarecedoras."

"O axioma 'doenças mentais são doenças cerebrais' não dizia nada a ninguém."

Freud e Jung se concentraram na psicologia dos transtornos mentais, em vez de em sua neurologia ou fisiologia, influenciando profundamente a maneira como psiquiatras e psicoterapeutas (ainda chamados de alienistas no início do século 20) conceitualizavam os sintomas.

"Fascinantemente", observa o psicólogo físico e forense Stephen A. Diamond em um artigo na revista Psychology Today.

"O pêndulo histórico oscilou dramaticamente nos últimos cem anos, do biologismo bruto dos primeiros alienistas até os penetrantes conhecimentos da psicologia profunda no século 20, e agora, lamentavelmente, de volta à nossa conceitualização predominantemente neurobiológica e médica."

Seria o retorno dos alienistas?

 

       Como Sigmund Freud introduziu a cocaína na medicina europeia

 

Em 1815, um jovem alemão se tornou a primeira pessoa a extrair a essência do ópio, e a chamou de morphium, em homenagem ao deus grego dos sonhos: Morfeu.

Seu nome era Friedrich Sertürner e com seus experimentos ele encontrou a chave para criar grande parte dos medicamentos modernos.

O que mais tarde foi chamada de morfina foi amplamente utilizada, especialmente para eliminar a dor, mas também como um substituto para o álcool. Até que os médicos perceberam que era ainda mais viciante do que as substâncias que ela supostamente deveria substituir.

Os opioides são ótimos analgésicos, mas têm efeitos colaterasis significativos, desde constipação e vômito até o vício - e em certos casos podem levar à morte.

•        As virtudes da folha sul-americana

O sucesso de Sertürner encorajou outros: em 1820, os químicos isolaram outras substâncias de importância médica, como a quinina, a estricnina e a cafeína.

Plantas em todo o mundo foram logo examinadas em busca de alcalóides que pudessem competir com os opiáceos.

Uma planta na América do Sul continha uma substância com propriedades extraordinárias para eliminar a dor.

Mas, como a morfina, veio com um preço muito alto.

O alcalóide extraído das folhas de coca já era um conhecido estimulante na América do Sul.

O pó branco, conhecido como cocaína, foi adicionado a vinhos promovidos pelo papa católico; a refrescos, para aqueles que desaprovam o álcool, e a gotas e pastilhas analgésicas.

Mas foi a reputação da cocaína de combater a fome e a fadiga que levou um curioso médico austríaco a investigar seus efeitos a fundo.

•        A droga mágica

Isso foi muito antes de ele desenvolver a psicanálise. Ele se interessou muito pela cocaína.

Ele a chamou de droga mágica e a receitou para seus pacientes para toda uma gama de doenças, incluindo o vício da morfina, ironicamente.

Além disso, ele enviou amostras de cocaína a vários de seus colegas, incluindo um oftalmologista chamado Karl Koller.

•        Sem sensação

Koller estava usando morfina e outras substâncias para tentar aliviar a agonia da cirurgia ocular, mas nada havia funcionado.

Quando ele experimentou um pouco de cocaína, percebeu que a ponta da língua estava dormente.

Ele se perguntou, então, o que aconteceria se a cocaína fosse posta no olho.

Primeiro, ele tentou com um sapo e um cachorro e eles pareciam bem, então ele decidiu dissolver um pouco do pó na água e colocar algumas gotas em seus olhos e os de um colega.

Então, eles espetaram seus olhos com um alfinete afiado.

Eles descobriram que estavam totalmente adormecidos.

Era extraordinário. Enquanto o ópio adormeciam a dor, a cocaína era um anestésico, o que literalmente significa a ausência de sensação.

•        Sem sinais

A cocaína impede que os nervos enviem sinais. E isso afeta não só os nervos que detectam a dor, mas todos eles. É por isso que faz com que o olho ou a língua pareçam totalmente adormecidos.

A cocaína tornou possível uma cirurgia ocular complicada.

Atualmente, ela não é muito usada, mas seus derivados certamente sim: eles formam a base de muitos anestésicos de uso local.

Então, se você alguma vez estiver na cadeira do dentista e resistir a alguma operação potencialmente dolorosa, lembre-se com agradecimentos a Sigmund Freud e ao Dr. Koller. Ou Coca Koller, como às vezes era chamado.

 

Fonte: Por Tomás Chamorro-Premuzic, psicólogo, para BBC Ideas/BBC News Mundo 

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