Uma
inflamação nem sempre é ruim - veja como usá-la também para curar
Quando
era um adolescente atlético na Irlanda, Joseph Costello geralmente acompanhava
as sessões de treinamento intenso com banhos de gelo. Na época em que era
estudante de pós-graduação, ele havia encontrado um método mais extremo para
resfriar os músculos e as articulações doloridas que surgem com a inflamação
induzida pelo exercício: ficar em uma câmara fria a -110° C por alguns minutos
de cada vez.
A
experiência foi igualmente excruciante e revigorante, diz Costello, que começou
a pesquisar esse tipo de exposição ao frio intenso, chamada crioterapia, para
seu doutorado, concluído em 2012. "Foi literalmente de outro mundo",
revelou Costello, fisiologista ambiental e de exercícios da Universidade de
Portsmouth, no Reino Unido, que costumava jogar futebol gaélico e outros
esportes. "A temperatura mais fria já registrada na Terra foi cerca de 20
graus Celsius mais quente do que essa."
Mais
de uma década depois, mergulhos no gelo e duchas frias estão mais na moda do
que nunca como estratégias para combater a inflamação, e essa não é a única
abordagem que as pessoas estão adotando para “hackear” sua própria saúde.
Também são populares: exposição ao calor, alternância de temperaturas e
injeções que exigem a assistência de um profissional de saúde.
Mas
será que alguma dessas técnicas de combate à inflamação ajuda a acelerar a
cura? As evidências são ao mesmo tempo promissoras e obscuras, com alguns
estudos mostrando benefícios, outros não mostrando efeitos e outros mostrando
que as táticas de controle da inflamação podem sair pela culatra em alguns
casos. À medida que os cientistas investigam, eles estão desvendando um
mistério duradouro: Quando a inflamação é boa e quando ela causa danos?
"A
inflamação tem uma má reputação – todos tentam diminuir a inflamação no
corpo", diz Dean Wang, cirurgião ortopédico e chefe da divisão de medicina
esportiva da Universidade da Califórnia, em Irvine. "Mas nem toda
inflamação é igual, e a inflamação controlada é necessária para a cura da
doença. Acho que as pessoas não entendem isso o suficiente."
• Inflamação pode ajudar na recuperação
A
dor nas articulações é uma experiência quase universal. A osteoartrite afeta
cerca de 80% das pessoas com mais de 55 anos. Muitas outras desenvolvem lesões,
que se tornam cada vez mais comuns – e de cura mais lenta – com a idade.
Estudos sugerem que a inflamação é uma das principais causas da dor
musculoesquelética que acompanha tanto as lesões quanto a artrite. Mas
controlar o desconforto é um problema complicado, em parte porque a inflamação
é um processo essencial que nosso corpo desenvolveu para reparar danos.
Veja
como funciona: quando alguém tensiona ou rompe um ligamento ou tendão, o
insulto desencadeia a liberação de moléculas inflamatórias e citocinas,
iniciando uma sequência de eventos conhecida como inflamação aguda.
Imediatamente, os vasos sanguíneos se dilatam para permitir a entrada de mais
fluido na área lesionada. O inchaço e a coagulação ocorrem enquanto mais
células inflamatórias chegam para eliminar os danos e mobilizar outras células
para reconstruir os tendões, ligamentos e outros tecidos danificados.
“Esse
processo inflamatório agudo é essencial para a cura”, explica Wang, que durante
muitas cirurgias de ombro e joelho, ele usa uma ferramenta afiada para raspar o
tecido em que está trabalhando para "sujar um pouco" e causar
sangramento. Isso acelera as vias inflamatórias que fazem o trabalho de reparo,
mesmo em casos de dor crônica e inflamação que continuam por mais tempo do que
a fase aguda.
• Injeções para o controle da
inflamação
A
ideia de mexer com a inflamação é a base de uma abordagem médica cada vez mais
popular, chamada de plasma rico em plaquetas ou PRP, que visa ao tratamento de
tipos de dor mais crônicos de tendinite, artrite e outros problemas. As
injeções de PRP são feitas a partir do sangue da própria pessoa, que primeiro é
girado rapidamente para filtrar os glóbulos vermelhos e isolar as plaquetas,
que são essenciais para a coagulação e repletas de fatores de crescimento
anti-inflamatórios.
Misturadas
novamente, as injeções de PRP podem conter várias concentrações de glóbulos
brancos e outros ingredientes que aumentam ou diminuem a inflamação conforme
necessário, diz Wang. Para seus pacientes com artrite, ele usa um PRP
anti-inflamatório. Para pessoas com lesões crônicas nos tendões, como cotovelo
de tenista ou distensões nos isquiotibiais, ele faz formulações
pró-inflamatórias.
Os
esforços para avaliar a eficácia do PRP continuam sendo um trabalho em
andamento, em parte porque ele está sendo usado de muitas maneiras diferentes.
Em uma revisão de 2021, Wang e colegas analisaram 132 estudos sobre o uso do
PRP para 28 condições em oito especialidades, incluindo problemas
musculoesqueléticos, usos cosméticos e neurologia.
No
geral, 61% dos estudos apoiaram o uso do PRP, embora apenas um terço tenha
detalhado a formulação de PRP utilizada. Além disso, os estudos variaram na
forma como mediram os resultados, o que dificultou a comparação entre eles.
"A
prática está ultrapassando em muito a ciência", diz Wang. "Mas nossa
ciência é boa o suficiente para mostrar que há alguma promessa com esses
tratamentos. Para degeneração leve a moderada ou artrite do joelho, vale a pena
tentar esses tratamentos se você já tentou outras coisas e elas não
funcionaram."
As
injeções do futuro podem incluir células-tronco adultas (que regeneram o tecido
danificado) e as proteínas que elas produzem (chamadas de secretomas). Essas
injeções também estão amplamente disponíveis, diz Wang, mas a pesquisa ainda
está em andamento, e ainda não está claro se os resultados positivos resultam
de processos biológicos ou de efeitos placebo.
• Tratar a inflamação com muito gelo
Para
as pessoas que querem tratar a inflamação com as próprias mãos sem agulhas, a
exposição ao frio se tornou uma das principais concorrentes, com caríssimos
mergulhos no gelo vendidos em todo mundo e atraindo devotos que deliram com sua
capacidade de afastar a dor, a ansiedade, a depressão e muito mais. As pessoas
que adotam o frio geralmente invocam a inflamação como o elo entre a exposição
ao frio e os benefícios para a saúde.
Os
cientistas ainda estão trabalhando para estabelecer essa conexão direta.
Estudos demonstram que o frio ajuda a aliviar a dor, provavelmente diminuindo a
temperatura da pele, o que reduz a velocidade com que os nervos podem
transmitir mensagens de dor, diz Costello. A intensidade da exposição ao frio
extremo também pode funcionar como uma distração do que está doendo. Mas os
estudos que tentaram avaliar os efeitos da exposição ao frio na inflamação
aguda e crônica produziram resultados conflitantes.
Estudos
mostram que, após uma lesão, infusões de solução salina gelada reduzem a
inflamação em animais. E em um estudo de 2013 que incluiu 20 homens que
correram em declive por 40 minutos em um grau de -10%, houve uma ligeira
redução nas moléculas inflamatórias entre a metade dos participantes que se
sentaram em um banho de gelo a 40°F por 20 minutos depois.
Mas
esses resultados não foram estatisticamente significativos, e o banho de gelo
não fez diferença na dor muscular. Em outro estudo, os pesquisadores coletaram
biópsias musculares de nove homens jovens que fizeram um treino de força
seguido de um mergulho frio de 10 minutos em água a 50°F. Eles não encontraram
nenhuma diferença na resposta inflamatória em comparação com um leve giro
pós-exercício em uma bicicleta ergométrica.
Estudos
demonstram que a terapia com frio também pode neutralizar os ganhos musculares
resultantes dos exercícios físicos, possivelmente interferindo no processo
inflamatório. Em alguns casos, as intervenções com frio podem até aumentar a
inflamação, diz Costello.
"Há
mais evidências surgindo a cada ano", diz ele. "Mas ainda há poucos
estudos de pesquisa que apoiam a eficácia da terapia com frio para reduzir a
resposta inflamatória."
• Brincando com fogo
O
calor pode ser outra maneira de lidar com a inflamação e melhorar a saúde. Os
usuários regulares de sauna têm um risco menor de doenças cardiovasculares, de
acordo com uma pesquisa realizada com homens na Finlândia. É um tipo de
procedimento supervisionado por um médico que aumenta a temperatura corporal
mostrou-se promissor no tratamento da depressão e do câncer.
Em
uma revisão de 2021 da pesquisa sobre o uso constante de saunas e banheiras de
hidromassagem, o fisiologista ambiental da Universidade de Oregon, nos Estados
Unidos, Chris Minson, e seus colegas encontraram evidências de várias maneiras
pelas quais o calor pode suprimir as vias pró-inflamatórias e aumentar as
anti-inflamatórias em animais e pessoas.
Em
pacientes com insuficiência cardíaca, duas semanas de banho em fontes termais
levaram a uma queda em várias moléculas inflamatórias. E 30 sessões de uma hora
de banho quente durante 10 semanas reduziram os níveis de uma medida principal
de inflamação, chamada proteína C-reativa, no sangue de mulheres com síndrome
do ovário policístico, informou o grupo de Minson em 2019.
As
pessoas variam bastante em seus níveis de inflamação, que também podem mudar em
uma única pessoa de um dia para o outro e até mesmo ao longo do dia, dizem os
especialistas, o que torna difícil dar conselhos baseados em evidências que se
apliquem efetivamente a todos. Costello desaconselha a aplicação de gelo após
cada treino, pois isso pode interferir na recuperação e nos ganhos esportivos.
Por
outro lado, o frio pode ajudar com a dor que dificulta a movimentação ou
interfere nas atividades diárias, ou quando a inflamação crônica de baixo nível
se instala e inibe o processo normal de reparo, diz Minson. Ele recomenda
separar a exposição ao frio do exercício físico, por exemplo, mergulhando logo
pela manhã e se exercitando no final da tarde.
O
exercício em si tem efeitos anti-inflamatórios poderosos, acrescenta Minson.
Tomar medicamentos anti-inflamatórios ou outras medidas que impeçam o processo
inflamatório pode interferir nesses benefícios, pelo menos em jovens saudáveis.
"A inflamação é muito importante para o processo de cura", afirma
Minson. "Se ela for interrompida, não será necessariamente algo
saudável."
• volta à natureza
Se
as banheiras de hidromassagem quentes e os mergulhos no frio são agradáveis, a
experiência pode ter benefícios que vão além da inflamação e que, de fato,
acabam afetando-a. As pessoas que gostam de banhos frios geralmente relatam uma
sensação de euforia, como se tivessem acordado, se sentissem mais vivas e menos
estressadas, diz Minson. Um mergulho em água do mar a 12°C por até 20 minutos
levou a uma grande queda no pensamento negativo e a uma grande melhora no humor
de 42 estudantes de graduação que mergulharam em um estudo de 2021.
Essa
sensação de bem-estar pode ter importantes benefícios fisiológicos. Estudos
sobre mergulho no frio, que tendem a ser pequenos, mostraram reduções no
cortisol, o hormônio do estresse. Quando cronicamente elevado, o cortisol pode
levar a uma inflamação persistente de baixo nível.
Os
mergulhos no frio em ambientes naturais podem ser especialmente benéficos,
acrescenta Minson, que também é diretor científico de um aplicativo gratuito
chamado NatureDose, cujo objetivo é fazer com que as pessoas saiam mais de
casa. Passar tempo na natureza, de acordo com muitos estudos, melhora a saúde
física e mental.
As
rotinas e a comunidade que os nadadores habituais de água fria e os banhistas
de sauna costumam desenvolver trazem ainda mais benefícios para o sistema
imunológico, diz Costello. Para colher os benefícios com segurança, ele
aconselha as pessoas a consultar um médico antes de se exporem a temperaturas
extremas.
Recentemente,
Minson colocou uma sauna em seu quintal, ao lado de uma pequena área de
exercícios. Na maioria dos dias, ele passa cerca de meia hora na sala quente,
pontuada por uma ducha fria. Sua pesquisa o convenceu de que a prática é boa
para ele. Mais do que isso, ele é motivado pela sensação de bem-estar que a
prática lhe proporciona. "Quando cuido do meu corpo fazendo esse tipo de
coisa, durmo melhor", diz ele. "Fico mais feliz. Sinto-me mais
saudável."
Fonte:
National Geographic Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário