quinta-feira, 4 de julho de 2024

Sem presença humana, 'sua soberania não vale nada', diz Aldo Rebelo sobre a Amazônia

Durante sessão especial na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (2), o ex-ministro da Defesa brasileiro, Aldo Rebelo, destacou a importância geopolítica e econômica da Amazônia brasileira, mas criticou a falta de investimento em infraestrutura, que joga contra a soberania nacional brasileira.

Segundo ele, a situação da região é "dramática" e o Brasil perde soberania devido à falta de presença demográfica e atividade econômica. "Se você não tiver presença humana, a sua soberania não vale nada", declarou.

Para o ex-ministro, há quatro princípios para a preservação da Amazônia: a soberania brasileira, o direito ao desenvolvimento, a proteção das populações indígenas com acesso às conquistas da tecnologia e ciência, e a proteção do meio ambiente com um inventário sério e bilateral.

"A Amazônia passou a ocupar o lugar de honra no salão de debates da geopolítica do mundo", afirma Rebelo, citando a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas de 2025 que acontecerá em Belém (PA).

Rebelo destaca a decisão do Conselho de Segurança da ONU de transformar a questão climática em um assunto de segurança internacional.

Segundo ele, há uma visão global da Amazônia como crucial para o equilíbrio do planeta, o sequestro de carbono e a redução dos riscos climáticos. "A Amazônia é uma área de disputa geopolítica, e não apenas por razões ambientais."

No entanto, Rebelo também chama a atenção para o paradoxo da pobreza na região amazônica. "Na região mais rica do Brasil você tem a população com os maiores níveis de pobreza", diz, ao criticar a falta de infraestrutura básica e as políticas que impedem o desenvolvimento econômico.

Ele menciona a criminalização da atividade agrícola e pecuária, a perseguição aos produtores locais e a presença predominante de organizações não governamentais (ONGs) que, segundo ele, têm mais influência do que o próprio Estado brasileiro na região.

Rebelo também criticou o bloqueio de projetos de infraestrutura importantes, como a remoção de pedras na hidrovia Tocantins-Araguaia para tornar o rio navegável. Ele comparou a situação com a rapidez da China na construção de ferrovias, o que mostra uma incapacidade do Brasil de avançar em projetos essenciais para o bioma amazônico.

•           Quanto petróleo tem na Margem Equatorial?

Estudos da Petrobras relatados pela mídia indicam que o bloco que a estatal tenta licenciamento ambiental para exploração na Margem Equatorial tem potencial de 5,6 bilhões de barris de óleo, um aumento de 37% na produção brasileira.

Rebelo aponta a contradição no tratamento de áreas similares em diferentes estados brasileiros, como a proposta de fazer poços de petróleo na Margem Equatorial do Amapá, do lado da Guiana.

Segundo ele, enquanto uma área está sendo explorada, outra enfrenta proibições. O caso da região em questão, por exemplo, possui críticas contrárias a sua exploração, por vezes vinculadas direta ou indiretamente a ONGs estrangeiras, que têm ligação com empresas que já exploram o local.

Segundo Rebelo, a situação socioeconômica no Amapá é alarmante, com "73% da população no cadastro de transferência de renda, sem renda própria, dependendo de renda pública".

Rebelo critica a criminalização das atividades agrícolas e pecuárias na Amazônia, como um dos diversos fatores que dificultam a vida dos locais.

Rebelo também cita o crime organizado na região. "A cada 100 metros você encontra uma pichação de um grupo do crime organizado — Comando Vermelho, PCC, Família Norte, disputando território", relata.

Segundo Rebelo, jovens são "exterminados" nessas disputas enquanto o tráfico domina os rios. Por outro lado, ele observa que os recursos do Estado, como helicópteros e viaturas, são usados para perseguir pequenos produtores em vez de combater o crime organizado.

O atual secretário municipal de Relações Internacionais de São Paulo (SP) também enfatizou a falta de oportunidades para os jovens da região, formados em áreas como mineração, veterinária, e engenharia de petróleo e gás, mas sem perspectivas de emprego devido às proibições. Desta forma, acabam por buscar emprego em outros estados brasileiros, como Goiás ou Rio Grande do Sul.

 

•           Até quando esperar para começar as mudanças? Por João Pedro Stedile

Os crimes e as tragédias ambientais se repetem no Brasil com frequência cada vez maior. Secas na Amazônia, enchentes no Maranhão e em Recife, queimadas no pantanal, desmatamento e rebaixamento do lençol freático no cerrado, a reserva hídrica das três maiores bacias hidrográficas do país…

A tragédia no Rio Grande do Sul é apenas a ponta do iceberg de tantas agressões que atingem milhões de pessoas e obriga a sociedade, e, sobretudo, os governos, nos três níveis, a refletir sobre a necessidade de mudanças urgentes.

Foi uma tragédia anunciada. Há muito tempo a comunidade científica vinha alertando que o monocultivo de grãos e as pastagens levam a um desequilíbrio na distribuição das chuvas.

As mudanças no Código Florestal, defendidas e aprovadas pela bancada ruralista na década de 2000, diminuíram o tamanho das áreas de cobertura vegetal nas margens dos córregos e rios e desobrigaram a reposição de áreas de desmate. Sem qualquer fiscalização, foi uma festa.

O governo gaúcho ainda mudou centenas de artigos da lei estadual ambiental. Tudo para ajudar o agronegócio, que nem sequer deixa riquezas no estado, porque exporta commodities agrícolas sem pagar um centavo de ICMS, graças à Lei Kandir, do governo FHC.

Somam-se a esse desplante as ações predadoras da mineração, em todos os cantos, desde a retirada de areia até as grandes mineradores de ferro, além dos crimes dos garimpeiros.

Por fim, o uso de agrotóxicos talvez seja a maior agressão à natureza. O Brasil é o país que mais usa agrotóxicos, inclusive produtos proibidos na Europa, que eliminam a biodiversidade, alteram o equilíbrio da natureza e contaminam o lençol freático. Mas quem se importa se isso é controlado por meia dúzia de empresas transnacionais, que não pagam impostos, mas financiam políticos?

Os crimes estão aí, escancarados. E os mais afetados são sempre os pobres, que pagam com suas vidas. São os moradores de locais não adequados, empurrados pela especulação imobiliária das cidades para encostas; são os ribeirinhos; são os agricultores familiares.

O que fazer? Não precisamos mais derrubar nenhuma árvore para plantar ou criar gado. O desmatamento zero precisa ser estendido da Amazônia aos demais biomas, como o cerrado, a mata atlântica e o pantanal. Essa política deve ser combinada com um grande plano nacional de reflorestamento nesses biomas, nas cidades, na beira das estradas e nas margens de córregos e rios. Empresas estatais deveriam criar viveiros e distribuir mudas de árvores nativas e frutíferas.

Precisamos colocar limites ao avanço do agronegócio, ao modelo predador que enriquece apenas as empresas transnacionais exportadoras e meia dúzia de fazendeiros.

Somente a agricultura familiar pode “esfriar” o planeta, protegendo a biodiversidade e combatendo a fome.

Para isso, devemos estimular a policultura de alimentos saudáveis, com um grande programa de agroecologia, que distribua insumos necessários aos agricultores familiares, com uma política de reindustrialização que forneça máquinas agrícolas adequadas e fertilizantes orgânicos.

A reforma agrária é uma política fundamental para garantir acesso à terra aos agricultores que não as têm —muitos expulsos pelo avanço do agronegócio— e para realocar os atingidos climáticos. Nas cidades, é primordial garantir moradia digna em locais com segurança e futuro.

Tudo isso custa muito dinheiro, mas é melhor prevenir e salvar as vidas e a natureza do que chorar depois. O Rio Grande do Sul vai precisar agora de R$ 60 bilhões apenas para repor perdas.

Vamos continuar correndo atrás da reparação ou vamos nos preparar para uma vida melhor para todos?

 

•           Indígenas do “Levante pela Terra” publicam Manifesto cobrando demarcações e fim definitivo da lei do marco temporal

MANIFESTO PELA VIDA, DEMARCAÇÕES E O BEM-VIVER

Nós, povos indígenas, vivemos em estado de constante ameaça, que exige estarmos em permanente vigília e mobilização. Neste momento, junho de 2024, em que iniciativas legislativas, executivas e judiciárias ameaçam nossa sobrevivência enquanto povos originários, nos vemos obrigados a intensificar nossas lutas e amplificar nossa voz de protesto para defender nossos direitos mais básicos: vida, territórios e o bem-viver.

Com o Levante pela Terra em sua segunda edição, nós indígenas do Sul do Brasil, Mato Grosso do Sul e São Paulo, dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani e Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guarani Mbya, Huni Kuin e Tukano estivemos em Brasília (DF), de 24 à 28 de junho. Voltamos a ocupar os gramados da capital federal, como um marco de lutas do movimento indígena pela vida dos nossos territórios, por nossas vidas, por nossos direitos.

Nos mobilizamos em defesa dos nossos direitos, principalmente pela demarcação dos nossos territórios e pela declaração da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que fixa tanto o marco temporal como outras normas de impedimento à demarcação de terras indígenas. Ao mesmo tempo denunciamos o favorecimento do agronegócio, que destrói, invade e explora nossos territórios, em detrimento às demarcações por parte do governo de Luis Inácio Lula da Silva.

Trazemos a público, neste manifesto, nossas preocupações, denúncias e reivindicações, na expectativa e confiança de sermos ouvidos, respeitados e atendidos em nossas demandas.

A primeira edição do Levante pela Terra, em 2021, teve importância histórica para a derrubada da tese do marco temporal. Hoje, convocamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a repercutirem essa mensagem urgente, e a somarem forças nas nossas lutas. O futuro da humanidade e a subsistência de nosso planeta passam por nós, povos originários. Cumprimos um dever ancestral de manter viva nossa cultura, defender nossas terras, e com elas, nossas florestas, os seres que as coabitam, nossas fontes de água. Sem isso – sem nós -, não há alimento, não há vida, não há futuro para ninguém.

Reafirmamos nossas bandeiras de luta e decretamos nosso ESTADO PERMANENTE DE MOBILIZAÇÃO:

1º Pela retomada imediata da demarcação, desintrusão e proteção das terras indígenas, com recursos financeiros e pessoal suficiente junto aos órgãos públicos para essa finalidade.

2º Pela declaração pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com urgência, da inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, conhecida como a lei do marco temporal, permitindo que os processos de demarcação sigam em frente. É incompreensível que uma lei inconstitucional continue vigente e sendo usada como arma contra nossos direitos fundamentais.

3° Para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) cumpra o seu dever constitucional de defesa dos direitos indígenas e manifeste-se com urgência no RE 1017365 e na ADI 7582 pela inconstitucionalidade da Lei 14.701/23.

4º Pela interrupção imediata de qualquer medida anti-indígena no Congresso Nacional.

A não adoção destas medidas são as principais responsáveis por aumentar a violência contra povos indígenas, e os conflitos em nossos territórios.

LANÇAMOS: Protocolo Indígena de Prevenção, Preparação, Resposta e Recuperação em Situações de Risco e Desastre para orientar o Estado Brasileiro na atuação junto a povos indígenas em situações de catástrofes ambientais, a exemplo da ocorrida no Rio Grande do Sul no mês de maio de 2024.

REAFIRMAMOS: demarcar nossas terras é um direito originário. Nossos direitos não são negociáveis e nem podem ser ameaçados, extintos, reduzidos ou usados como moeda de troca;

DECRETAMOS: todos os anos, na segunda semana do mês de junho, o Levante pela Terra retornará à capital federal, até que todos os territórios indígenas estejam demarcados, regularizados e livres de invasores; o segundo semestre de 2024, como período de mobilização em nossas regiões e territórios para denunciar o valor destinado o agronegócio por meio do Plano Safra 2024/2025 – mais de 500 bilhões de reais – enquanto valores ínfimos são destinados à demarcação de terras indígenas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva;

Diga ao povo que avance!

Avançaremos!

Brasília – DF, 28 de junho de 2024

# Levante pela Terra

 

Fonte: Sputnik Brasil/MST/Cimi

 

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