quinta-feira, 4 de julho de 2024

O genocídio em Gaza: uma poça de sangue no chão do bate-boca de Trump e Biden

É difícil colocar em palavras a escala da destruição material e humana representada pelo massacre do povo palestino em Gaza nas mãos da ocupação sionista. De fato, diariamente somos tomados por cifras de destruição e morte que são superadas quase tão rápido quanto são publicadas, tal é a escala de carnificina. Ao menos até o momento do primeiro debate presidencial entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden em 27/06, eram mais de 37 mil palestinos mortos, entre os quais mais de 10 mil mulheres e quase 16 mil crianças. Isso para não falar na escala da destruição, que já reduziu a maior parte de Gaza a ruínas, incluindo a destruição, pelos israelenses, de todas as universidades, seu assédio contínuo a instituições de saúde, com as poucas ainda de pé operando em constante estado de crise, superlotadas, sem suprimentos básicos e constantemente ameaçadas por ataques israelenses. Some a isso denúncias, relatos, vídeos e fotos absolutamente aterradores que rodam o mundo diariamente, de bombardeios a escolas que abrigam refugiados, crianças mortas de desnutrição e despedaçadas por bombas, campos de concentração e torturaestupro e requintes de crueldade como o recente relatório confirmando que a jovem Hind Rajab, de apenas 6 anos, foi fuzilada com 335 tiros israelenses quando estava presa em um carro com membros mortos de sua família, mesmo depois de ter conseguido entrar em contato com o Crescente Vermelho para pedir ajuda, e o cenário só pode ser descrito como de um pesadelo dos mais sombrios.

Todo esse massacre bárbaro e desumano é levado à frente com grande alegria pelos sionistas à frente da entidade colonial que é o Estado israelense. Mas não o fazem sozinhos. Só é possível ao Estado sionista que siga fazendo o que faz graças à cobertura diplomática e militar do imperialismo americano, bem como das potências europeias. De fato, os últimos meses viram a aprovação quase unânime pelo governo americano de um pacote após o outro de dinheiro e armas para abastecer o massacre sionista.

Mas não se teria noção de todo esse cenário assistindo ao último debate presidencial. Quando Trump e Biden se enfrentaram diante das câmeras da CNN, a situação palestina foi pouco mais que uma nota de rodapé. Ao todo, os candidatos gastaram menos de 5 minutos falando do assunto nas quase duas horas de debate. As posições expressas por cada um dos candidatos são reveladoras, mas mais ainda é seu silêncio - bem como do regime imperialista americano de conjunto.

Biden: apoio irrestrito ao genocídio, com notas de “relações públicas”

Biden sempre foi, desavergonhadamente, um apoiador do sionismo e da limpeza étnica perpetrada pelo Estado israelense. Desde seus anos como senador, era um entusiástico promotor do regime e amigo próximo do lobby sionista no Capitólio, a AIPAC. Desde o início da atual agressão contra Gaza, Biden garantiu aos israelenses tudo o que poderiam querer e precisar para levar a frente a completa destruição do enclave. Desde 7 de outubro, os Estados Unidos aprovaram mais de US$ 12,5 bi em ajuda militar ao Estado israelense, incluindo US$ 3,8 bi em março de 2024, parte de um acordo bipartidário, seguidos de US$ 8,7 bi em dotações suplementares em abril. A maioria do dinheiro se dá na forma do programa de ajuda militar estrangeira dos EUA, que deve ser gasto comprando da indústria bélica americana, embora o Estado israelense goze de uma exceção especial que permite que também use parte dos fundos para engordar seus próprios senhores da guerra, coisa que nenhum outro recipiente tem direito a fazer.

Biden não se furtou de reivindicar o generoso auxílio que garantiu para o massacre israelense: se gaba de suprir os israelenses com "todas as armas que precisam e quando precisam" e falou de como continua “a enviar nossos consultores e especialistas, para que possam pegar o Hamas como fizemos com Bin Laden", adicionando que o grupo palestino teria sido “grandemente enfraquecido”. Não mencionado no debate, não pode ser esquecido o auxílio prestado pelo “píer humanitário” construído pelos EUA na costa de Gaza para o aterrador massacre do campo de refugiados de Nuseirat, onde 247 palestinos foram chacinados por tropas israelenses, com ajuda americana, após invadirem o local disfarçados de caminhões de ajuda humanitária - um crime de guerra documentado em vídeo. Pouco tempo após a matança, o píer foi desativado sem ter entregue praticamente nenhuma ajuda humanitária.

Mas o apoio inabalável de Biden ao genocídio tem tudo para lhe custar caro nas urnas. Com uma maioria de eleitores apoiando um cessar-fogo e reprovando a conduta do atual presidente na crise, o octogenário - que nunca teve muito favor do eleitorado, mas conseguiu, em 2020, canalizar a revolta contra Trump para uma vitória eleitoral - claramente não conseguirá a mesma façanha após passar o último ano de sua presidência apoiando a limpeza étnica de Gaza. Um sinal particularmente claro disso é a alcunha de “Genocide Joe” com a qual ficou amplamente identificado, em especial por setores de sua antiga base votante.

E os democratas estão cientes disso. Os últimos meses em especial foram pautados pelo espetáculo tragicômico de Biden tentando equilibrar seu apoio irrestrito à carnificina sionista com uma suposta atuação pela “resolução do conflito” - algo constantemente sabotado pelos próprios israelenses, nem um pouco dispostos a sequer tentarem esconder suas intenções racistas e genocidas.

As várias trapalhadas de Biden nos últimos meses - desde o anúncio de entrega aérea de ajuda humanitária a Gaza, seguida imediatamente pela notícia de palestinos mortos por caixas de comida cujos paraquedas falharam, até a suposta “linha vermelha” contra a invasão de Rafah, solenemente ignorada pelo Estado israelense sem nenhuma consequência (e ainda acompanhada de insultos e ameaças de políticos israelenses de que propositalmente usariam armas que matam mais civis) - culminaram em suas respostas no debate, onde tentou, entre outros, qualificar seu comentário sobre entregar aos israelenses todas as armas que precisem dizendo que "a única coisa que eu neguei foram bombas de 2000 lb", o que justifica com uma suposta preocupação com o dano colateral que causam em áreas densamente populadas. O fato de que foi exatamente esse tipo de munição, de fabricação americana, o usado no notório Massacre das Tendas, que matou palestinos queimados vivos um campo de refugiados e criou cenas apocalípticas de corpos carbonizados e uma criança decapitada pela explosão, tornam a fala de Biden, no mínimo, pouco impactante.

Outro episódio do tipo foi a ridícula farsa do “acordo de cessar-fogo” que Biden apresentou ao mundo pouco antes do início da corrida presidencial, alegando ser um plano com o qual o Estado israelense já havia concordado. Levaram poucas horas para que não só Netanyahu pessoalmente desmentisse isso, mas membros de seu governo ameaçassem implodir a coalizão governante e essencialmente derrubar o primeiro ministro israelense caso o acordo fosse aceito. Apesar disso, Biden insistiu em repetir a mentira no debate, alegando que “o único que quer que a guerra continue é o Hamas”. Essencialmente, Biden sabe que a continuidade da guerra é impopular, especialmente com seus eleitores, e tenta desesperadamente fazer parecer que trabalha pela paz. Mas sua incapacidade (e, evidentemente, indisposição) a contrariar os israelenses em qualquer nível o impede de sustentar essa narrativa sequer no nível da demagogia eleitoral.

Trump: torcendo pelo banho de sangue mas evitando falar muito

A posição de Trump é diferente, no nível discursivo, por alguns motivos. Primeiramente, Trump sabe que, diferentemente de Biden, não enfrenta contradição quase nenhuma com sua base votante a apoiar abertamente o assassinato de palestinos. Pode seguir livremente o que foi a linha de sua presidência, quando reconheceu Jerusalém como a capital israelense e mudou para a cidade sob ocupação militar ilegal a embaixada americana, antes localizada em Tel-Aviv. Esse marco histórico na colaboração americana com a limpeza étnica da Palestina ocorreu logo no início de seu mandato, em 2017, e deu o tom de anos de relação muito próxima com Netanyahu e a extrema direita sionista - em perfeito alinhamento com a ideologia da extrema direita cristã que constitui sua base eleitoral em casa.

Exatamente por esse motivo, não é difícil ver porque Trump pôde falar desavergonhadamente que, diferentemente do que Biden falou, “na verdade, é Israel [quem quer continuar a guerra], e você [Biden deveria deixá-los e deixar que terminem o serviço”. Não há dúvidas de que Trump daria pleno seguimento a todo o apoio americano ao genocídio, em tom ainda mais aberto e entusiástico.

Nesse sentido, as breves falas também serviram para afastar quaisquer preocupações de que Trump poderia ter uma posição mais isolacionista com relação ao tema, que pairavam no ar em especial após um incidente há alguns meses, quando o ex-presidente pareceu responder de forma favorável a um canto de “Genocide Joe” iniciado na plateia em um de seus comícios, respondendo ambiguamente que “eles [que estavam cantando] não estão errados. Ele [Biden] fez tudo errado”. Trump, então, realinha seu discurso com um apoio inequívoco ao genocídio em curso.

Por outro lado, a campanha republicana também não é cega à impopularidade do tema, e Trump fez poucas afirmações categóricas sobre a guerra ou sua política para a Palestina em geral. Perguntado sobre se apoiaria o estabelecimento de um Estado palestino independente, evadiu a questão, soltando apenas um "eu teria que ver..." antes de mudar de assunto. Isso mostra que, enquanto na prática Trump agiu objetivamente durante sua presidência para minar qualquer possibilidade de soberania palestina, mesmo que limitada, sua campanha parece não considerar vantajoso romper publicamente com o que foi (pelo menos nominalmente, nunca de forma efetiva) a linha americana desde Oslo.

·        O silêncio sorridente de Washington

O pouco dito pelos candidatos é suficiente para revelar a aparentemente paradoxal quase ausência do tema no debate da última quinta-feira. Independentemente da relevância do que transcorre na Palestina, o motivo pelo qual não há quase nada a ser dito pelos representantes das elites governantes americanas é que eles concordam em praticamente tudo. A diferença que expressam é essencialmente discursiva: Biden tem nas mãos o ferro quente de presidir sobre um genocídio, uma posição altamente impopular, mas da qual não pode se afastar sequer um centímetro. Tenta em vão distanciar sua imagem da carnificina, mas as próprias ações de seu governo o impedem disso. Trump, por sua vez, goza da liberdade típica dos candidatos de oposição - pode criticar Biden por todas suas posições impopulares. Mas é estruturalmente incapaz de explorar a maior contradição de seu oponente porque, diferentemente de temas como a saída americana do Afeganistão, Trump não tem efetivamente nenhuma diferença com a linha de Biden. Não pode fazê-lo sangrar por seu papel em Gaza porque não só sabe que faria o mesmo, como não quer aparecer nem em discurso como quem faria diferente. Só pode afirmar que faria pior, dizer que Biden deveria “deixar” que os genocidas “terminem o serviço”. Uma fala repudiável, sem dúvidas, mas considerando que na a administração de Biden os EUA não fizeram efetivamente nada para frear ou mesmo desacelerar a investida israelense, acaba como uma diferenciação apenas discursiva.

Ao fim e ao cabo, este debate serviu acima de tudo para mostrar como, do ponto de vista dos interesses do imperialismo americano, pouco importa se os sionistas conduzirão seu genocídio com uma presidência azul ou vermelha na Casa Branca. O apoio ao Estado israelense é constitutivo da própria existência do imperialismo, e uma parte essencial de sua política para o Oriente Médio. Não pode haver qualquer ilusão em qualquer candidato de ambos os partidos em uma posição sobre o tema que não represente a continuidade do projeto que foi levado a frente pelo imperialismo sem hesitação desde 1948.

Nos EUA, o apoio irrestrito de Biden ao genocídio foi um ponto de desilusão para um grande setor, especialmente de jovens, que acordaram nos últimos anos para a vida política, em meio ao turbilhão da crise econômica sem horizonte de saída, o ressurgimento da guerra no primeiro plano do cenário mundial, e a pandemia, que colocou nu aos olhos de todos o fato de que os capitalistas alegremente sacrificariam milhões de vidas humanas em nome de seus lucros, assim como impressionantes processos de luta de classes como o Black Lives Matter e a grande onda de sindicalização entre trabalhadores por todo o país. Para esses jovens, que rejeitam o status quo imposto pelo triunfalismo neoliberal - que foi de celebrar o suposto “fim da história” para criar uma desigualdade inaudita e despejar sobre os trabalhadores de todo o mundo o peso da crise e da miséria enquanto alçava um punhado de parasitas a riquezas antes desconhecidas na história humana - os últimos meses foram de grande desolação, mas também de muita fúria.

Fenômenos como a grande onda de acampamentos estudantis pela Palestina mostraram o ressurgimento de um incipiente sentimento de solidariedade internacional, inclusive anti-imperialista, e apontam não apenas uma abertura, mas uma vontade de uma mudança radical.

E é justamente nesse desejo de mudança radical que está o caminho para o fim do genocídio, a libertação da Palestina e, de fato, a destruição de todo esse sistema de miséria que produz cenas patéticas e desumanas como esse debate presidencial. A tarefa urgente é, nos EUA e em todo o mundo, organizar esse ódio, e dotá-lo de uma estratégia revolucionária, capaz de superar a miséria do possível imposta pelo podre sistema oligárquico americano - bem como pelos regimes burgueses de todo o mundo - e construir uma saída dos trabalhadores, da juventude, e das e dos oprimidos! Uma saída com independência total de todas as variantes burguesas, que lute em todo o mundo contra toda forma de exploração e opressão. Para isso, é preciso a construção de um partido revolucionário.

 

Fonte: Esquerda Diário

 

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