Projeto de reintrodução traz a ararajuba de
volta aos céus de Belém
A ararajuba é tão
colorida quanto barulhenta. Penduradas nos galhos, três dessas aves gritam
enquanto olham para o biólogo Marcelo Vilarta, alguns metros abaixo, enquanto
ele as observa. Também chamada de guarubas, essas parentes de araras e
periquitos ostentam plumagem amarela vibrante, com pontas verdes nas asas, que
chamam atenção na vegetação amazônica. No entanto, são essas cores que colocam
sua população em risco de extinção.
O comércio ilegal de
animais de estimação, aliado à perda de habitat, reduziu a população de
ararajubas (Guaruba guarouba) a menos de 10 mil espécimes na natureza –
um pequeno número para um grande bioma como a Amazônia, o único lugar na Terra
onde são encontrados de forma nativa. Eles estão presentes principalmente no
estado do Pará, com registros também no Maranhão e no Amazonas.
“Não há ararajubas [na
natureza] em nenhum outro lugar do mundo”, diz Vilarta. Ele faz parte de um
projeto de reintrodução dessas aves apoiado pelo Instituto de
Desenvolvimento Florestal e Biodiversidade (Ideflor-Bio) e pela Fundação Lymington.
O programa começou em
2017, e o primeiro bando de ararajubas foi liberado na natureza em janeiro de
2018, no Parque Estadual do Utinga, em
Belém, cidade onde essas aves estão extintas há mais de cem anos. Os curiosos
espécimes que observam Vilarta da árvore são três dos 50 que foram soltos aqui
até agora.
“A ideia do projeto é
reduzir a vulnerabilidade da população de ararajubas e criar uma nova população
selvagem em uma área onde elas já estavam extintas”, diz o biólogo.
·
Capturada por sua
plumagem
A ararajuba desempenha
um papel importante na dispersão de sementes, especialmente de árvores
frutíferas como o murici (Byrsonima crassifolia) e o açaí (Euterpe
oleracea), além de outras 21
plantas nativas da Amazônia. Embora bastante
comum em cativeiro, a espécie se encontra ameaçada de extinção na
natureza. Tanto na Lista Vermelha da IUCN quanto
na classificação nacional, a ave é categorizada como vulnerável.
A perda de habitat por
desmatamento e o tráfico de animais silvestres continuam a ser ameaças
significativas para a ararajuba. O comércio ilegal era uma ameaça maior nas
décadas de 1980 e 1990, de acordo com Luís Fábio Silveira, curador de aves do
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, que trabalha com o projeto de
reintrodução da ararajuba. Hoje em dia, diz ele, as pessoas criam a ave em
cativeiro, e “elas podem ser adquiridos legalmente em todo o mundo” de
criadores autorizados.
No entanto, a demanda
por aves exóticas e raras como animais de estimação e os lucros que elas trazem
mantêm o mercado ilegal ativo na Amazônia.
“O tráfico de animais
silvestres é a terceira maior atividade comercial ilegal do mundo, perdendo
apenas para as drogas e as armas”, diz Julia Trevisan, bióloga e coordenadora
de vida silvestre do grupo de campanha World
Animal Protection, com sede no Reino Unido. A compra de aves
traficadas pode ser mais barata do que por meio de canais legais, e os
traficantes são atraídos pelos altos lucros potenciais. Uma arara-azul (Anodorhynchus
hyacinthinus), por exemplo, pode chegar a 90 mil reais. E uma pesquisa
online encontrou sites que vendem ararajubas por até 13 mil reais. A maioria
das aves traficadas é vendida no Brasil, mas algumas vão para os Estados Unidos
e a Europa.
Os traficantes
geralmente capturam ararajubas cortando árvores inteiras com ninhos e coletando
os filhotes sobreviventes. Essa é uma prática devastadora para a população
selvagem. “As aves que sobrevivem não podem se reproduzir novamente
porque seus ninhos foram destruídos”, diz Vilarta. “Eles precisam de cavidades
de árvores muito específicas para fazer ninhos, e essas cavidades são muito
difíceis de se encontrar.”
·
Protegendo a espécie
A Fundação Lymington,
sediada no estado de São Paulo, tem criado ararajubas com sucesso nos últimos
20 anos para aumentar o número da espécie e, em 2017, uniu-se ao Ideflor-Bio
para reintroduzir a ave de volta à natureza, com o apoio do Museu de Zoologia
da USP. Belém foi escolhida para a reintrodução para trazer de volta “uma
espécie a um lugar onde ela já havia desaparecido”, diz Vilarta.
O Parque Estadual do
Utinga, no centro de Belém, é uma unidade de conservação e o maior espaço verde
da cidade, com uma área de 1.393 hectares de ambiente amazônico natural
amplamente preservado, o habitat preferido da ararajuba. A área é protegida por
segurança privada e pela polícia ambiental pública, reduzindo a possibilidade
de tráfico e desmatamento.
Os coordenadores do
programa montaram dois aviários no meio do parque, onde dez ararajubas estão
sendo preparadas para serem reintroduzidos na natureza. A maioria veio do
programa de reprodução da Fundação Lymington, mas algumas foram resgatadas do
tráfico ou de serem mantidas como animais de estimação. Dentro dos recintos, as
ararajubas passam por um período de adaptação e aclimatação que leva pelo menos
cinco meses.
O viveiro tem
vegetação semelhante à que as ararajubas encontrarão na natureza, e elas são
ensinados a reconhecer e consumir alimentos locais. As aves também são
treinadas para reconhecer predadores, como jiboias, e para isso Vilarta e sua
equipe colocam cobras vivas em segurança perto do recinto. Em seguida, os
pesquisadores avaliam as reações das ararajubas às cobras, bem como às aves de
rapina locais que caçam na área, e dão a elas uma nota de aprovação se emitirem
coletivamente gritos de alarme quando os predadores se aproximam.
A educação ambiental
para o público em geral, especialmente em escolas e universidades e para os
visitantes do parque, também desempenha um papel fundamental na proteção de
longo prazo da ave. “O projeto intensificou a educação para aumentar a
conscientização sobre a importância dessa espécie para a cidade de Belém, pois
é essa ave que ajuda a propagar as espécies frutíferas típicas de nossa
cidade”, diz Monica Furtado da Costa, diretora do Ideflor-Bio. As atividades
educativas incluem a distribuição de cartilhas sobre a ararajuba para
estudantes, a criação de jogos para crianças e a realização de uma exposição
sobre a espécie no Parque Porto do Futuro, em Belém.
Até o momento, o
programa de reintrodução está funcionando. Um estudo publicado em 2021 sobre o
projeto constatou que “as aves liberadas foram muito bem-sucedidas em encontrar
e consumir alimentos nativos, fugindo de predadores, e um casal conseguiu se reproduzir
com sucesso”.
Apesar do sucesso, a
reintrodução de todas as ararajubas, especialmente as capturadas anteriormente,
nem sempre é fácil.
No viveiro, uma fêmea
de ararajuba se equilibra na rede de malha dentro do recinto e se aproxima de
Vilarta, demonstrando pouco medo das pessoas. O biólogo diz que ela já foi
mantida como animal de estimação, criada ilegalmente no Pará, antes que o proprietário
a entregasse para o projeto. “Você pode até falar com ela e ela responde”, diz
ele.
Outra ave se agarra à
rede próxima. Vilarta entra na gaiola, recolhe o animal usando uma vara longa e
o coloca perto de uma caixa-ninho para protegê-lo do sol escaldante do meio da
manhã. Antes de ser resgatado e entregue ao projeto, esse espécime em particular
havia sido mantido em uma gaiola por 15 anos e nunca aprendeu a voar. Vilarta
diz que a reintrodução dessas duas aves na natureza será um desafio, se é que
será possível, devido à sua incapacidade de se adaptar à vida fora do
cativeiro. “Pelo menos esses dois podem ser felizes e seguros aqui”, diz ele.
Atualmente, dez das
cinquenta ararajubas selvagens reintroduzidas permanecem no Parque Estadual do
Utinga e visitam o recinto diariamente para socializar com as aves em cativeiro
e comer nos comedouros que Vilarta deixa para elas. Ele passa todos os dias ao
lado dos recintos, monitorando as populações selvagens e em cativeiro.
As outras 40 que foram
liberadas anteriormente se dispersaram para outras regiões. Antes de ser solta,
cada ararajuba recebe um anel nas pernas e um colar no pescoço para ajudar a
manter o controle da população. Os colares de rádio ajudam a monitorar as aves
individualmente até certo ponto, mas não são eficazes em longas distâncias.
“Depois que elas são
solas, é difícil mantê-las sob controle”, diz Vilarta. O plano agora é expandir
o tamanho dos aviários atuais para acomodar mais ararajubas s e, em seguida,
soltar outras 50 na natureza nos próximos dois anos. Os pesquisadores e conservacionistas
esperam que essas aves continuem a criar suas próprias populações em Belém e
além.
“Espero que haja mais
filhotes em breve, porque agora eles precisam aumentar sua população
naturalmente”, diz Vilarta. “Em algum momento, poderemos parar de soltar novas
aves aqui e a população poderá se restabelecer naturalmente.”
Fonte: Mongabay
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