Prevenção como protagonista na medicina do
futuro: envelhecimento populacional exige novo olhar para o cuidado
Adoção de hábitos
saudáveis e imunização são elementos essenciais para uma abordagem preventiva
de olho na longevidade com qualidade de vida. Isso inclui o incentivo e a
criação de oportunidades para uma boa nutrição, prática de atividades físicas,
acesso equitativo à saúde, imunização, redução do consumo de álcool e do
tabagismo. Com a tendência de uma população mais longeva – fenômeno que se
tornou global e não restrito aos países desenvolvidos – a abordagem preventiva
está cada vez mais no centro do debate para fomentar a qualidade de vida ao
longo da jornada.
Hoje, quase 40 anos
depois, a virada da lógica de uma saúde baseada na reatividade para a prevenção
ainda enfrenta desafios para se tornar realidade, segundo os especialistas
ouvidos nesta reportagem: a falta de ênfase em práticas preventivas na formação
de profissionais de saúde, políticas públicas de saúde mais efetivas e poucos
esforços no letramento em saúde da própria população são alguns deles.
Esse último item
conversa com a ideia de que o paciente deve estar no centro do cuidado, tendo
voz ativa e participação no cuidado com a sua saúde, enquanto o médico assume
um lugar de parceria e mentoria. O letramento em saúde se refere à capacidade
de uma pessoa compreender, interpretar e usar informações relacionadas para
tomar decisões informadas sobre cuidados pessoais e bem-estar – de acordo com o
Centers for Disease Control and Prevention (CDC), que atualizou a definição em
2020.
“Hoje, o paciente
espera sair da consulta com uma prescrição de medicamentos, ele já está educado
para isso. Se o profissional fizer uma recomendação de atividade física, ele
vai estranhar”, afirma Alexandre Kalache, médico epidemiologista e presidente do
Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-Brasil). “Essa é uma cultura
inapropriada, porque somos uma nação que está envelhecendo rápido e pessoas que
envelhecem têm um risco mais alto de desenvolver doenças crônicas que não são
curáveis, mas sim que necessitam de cuidados.”
De acordo com dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2010 e 2022 o
número de pessoas com 65 anos ou mais no país aumentou 57,4% – um total de mais
de 22 milhões de brasileiros. Para que a adoção de práticas de promoção de saúde
seja bem-sucedida, o paciente precisa compreender que embora alguns dos ganhos
não sejam imediatos, é essa manutenção de hábitos saudáveis a longo prazo que
vai lhe permitir um envelhecimento sadio. É o que aponta Maisa Kairalla, médica
geriatra e presidente da Comissão de Vacinação da Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG):
“É preciso pensar que
começamos a envelhecer quando nascemos. E isso é uma dificuldade para as
pessoas, que tendem a ser imediatistas e não têm um planejamento a longo prazo.
A impressão é de que a cada geração, esse imediatismo aumenta, então precisamos
começar a trabalhar isso.”
• Hábitos saudáveis como aliados no
envelhecimento
Kairalla reforça que a
prevenção é um conjunto que “inclui a prática de atividade física, alimentação,
qualidade de sono, relações sociais e o controle de fatores de risco”. Neste
contexto, as chamadas Blue Zones – termo dado para as cidades ou regiões que
possuem grandes populações idosas e que se adaptam para promover um ambiente
acolhedor para essas pessoas – ganharam destaque nos últimos anos justamente
por fomentarem essas características. Um estudo5 publicado no periódico
científico GeroScience, da Associação Americana de Envelhecimento (AGE, na
sigla em inglês), realizado nas Blue Zones revelou, por exemplo, que o hábito
de caminhar está relacionado a uma redução nos riscos de desenvolver doenças
cardiovasculares e cerebrovasculares, diabetes tipo 2, comprometimento
cognitivo e demência, além de melhorar o bem-estar mental, o sono e a
longevidade.
Em contraste, de
acordo com um levantamento feito por pesquisadores do Centro de Pesquisa
Clínica e Epidemiológica da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com
instituições dos Estados Unidos e Noruega, cerca de 26% dos idosos avaliados no
estudo não praticam qualquer tipo de atividade física no tempo livre.
Outro ponto de
destaque nessa equação de prevenção e qualidade de vida é a nutrição. O consumo
excessivo de alimentos ultraprocessados e ricos em gorduras, açúcares e sódio
tem sido associado ao risco de desenvolver condições como hipertensão,
obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e câncer – como destacou um
artigo publicado na Nutrients em 2020.
Uma das metas do Plano
de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não
Transmissíveis no Brasil, 2021-2030 (Plano de Dant), do Ministério da Saúde, é
o aumento do consumo recomendado de frutas e hortaliças. A iniciativa conta com
sugestões para ampliar a disponibilidade e o acesso a alimentos como frutas e
legumes, a elaboração de materiais de comunicação que incentivam a adoção de
uma dieta saudável e o estímulo à produção de alimentos de bases orgânicas e
agroecológicos em ambientes urbanos e rurais.
Kalache lembra,
contudo, que o país precisa de ações não só para uma alimentação saudável, mas
para garantir a segurança alimentar como estratégia de saúde: “Depois da
vacina, a segunda coisa para se manter saudável é uma boa nutrição, e
atualmente temos 12% dos brasileiros passando fome e 56% em instabilidade
alimentar, que é aquela pessoa que não sabe se terá acesso aos melhores
alimentos em termos de valor nutricional por questões de poder aquisitivo.”
• Imunização como protagonista
A imunização é outro
elemento que compõe o rol de ações para um envelhecimento com qualidade de
vida, como lembra Kairalla: “É uma das causadoras dessa transformação
demográfica no Brasil e no mundo, junto com o saneamento básico e os
antibióticos.”
Historicamente ela tem
uma relação estreita com o aumento da expectativa de vida e a longevidade: no
Brasil, entre 1940 e 1998, a expectativa de vida ao nascer saltou cerca de 30
anos, principalmente em razão da redução de óbitos por doenças infecciosas preveníveis
por vacinas, como destaca a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM).
Apesar de a vacinação
ainda ser muito associada à infância, o calendário de imunização contempla
todas as fases da vida, com vacinas recomendadas para cada faixa etária. Além
da proteção direta na infância, fase adulta e no envelhecimento, há ainda o benefício
da proteção coletiva – quando a sociedade mantém altas taxas de vacinação, a
incidência de doenças preveníveis tende a diminuir.
Na fase idosa
especificamente, há ainda a imunossenescência, processo natural de
envelhecimento do sistema imune. Neste sentido, ao receber os imunizantes ao
longo da vida, o indivíduo tem mais chances de envelhecer com um sistema
imunológico fortalecido e ao mesmo tempo ter evitado adquirir doenças. Da mesma
forma, tomar as doses recomendadas após os 60 anos contribui para evitar novas
infecções, que podem se manifestar de maneira mais agressiva com idades mais
avançadas.
Kairalla explica que
as doenças de maior risco para os idosos são as infecções respiratórias virais
e bacterianas, como o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), as pneumonias, o
Herpes Zoster e, agora, a Covid. “O Zoster é uma doença que causa muita morbidade,
porque o paciente tem uma piora de qualidade de vida extensa e por muito
tempo”, lembra.
A vacinação de adultos
e idosos têm como desafios questões de acesso e hesitação – que têm sido alvo
de campanhas de conscientização do Ministério da Saúde e de sociedades de saúde
nos últimos anos. Segundo Kalache, parte da mudança desta realidade passa pelo
letramento dos próprios profissionais de saúde: “Os médicos ainda entendem que
vacina é coisa para criança, eles não estão se atentando para o fato de que as
vacinas para o idoso vão muito além da gripe. Então, existe a necessidade de
uma educação tanto do profissional da saúde quanto da população em geral.”
Para ele, é preciso
uma abordagem que faça uso das oportunidades do dia a dia, como incluir
perguntas sobre imunização nas consultas de rotina. “Você tem uma pessoa idosa
que vai ao médico para medir a pressão, medir a glicemia. E aí o profissional
de saúde, seja o médico, o enfermeiro ou outro membro da equipe
multidisciplinar, aproveita para perguntar se a carteira vacinal está em dia.
Um estudo mostrou que perguntas-chaves como essa aumentam em até 40% a chance
do paciente adulto de tomar a vacina. Isso deve estar no nosso radar”,
completa.
• Desafios desde a formação
Esse desafio de
capacitação dos profissionais de saúde começa ainda na formação, segundo
Kalache. E não apenas para a imunização, mas para a abordagem da prevenção. A
dificuldade de estabelecer esse modelo de medicina preventiva é uma questão
histórica:
“Isso começa ainda na
formação dos profissionais de saúde, que é toda voltada para o curar e não para
o cuidado. Não há ênfase no aprendizado da prevenção. Em segundo lugar, a
prevenção também não é valorizada pelos atuais modelos de remuneração, tanto no
setor público, quanto no privado. Você ainda não é recompensado por prevenir,
então se corre atrás daquilo que vai pagar, que vai trazer um retorno
financeiro.”
Embora o ensino da
promoção de saúde esteja contemplado como obrigatório nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Medicina, por exemplo, a disciplina e
os aprendizados relacionados às práticas preventivas costumam ficar em segundo
plano.
“Para que o
envelhecimento seja sustentável no país, a gente precisa começar a falar de
prevenção. Aquela história de que prevenir é melhor do que remediar é mais do
que nunca essencial. E isso não tem acontecido nas escolas médicas, na formação
dos profissionais de saúde como um todo”, aponta Maisa Kairalla.
Para ambos os
especialistas, o Brasil ainda não está preparado para lidar com as demandas que
devem surgir com o envelhecimento da população e a prioridade deve ser olhar
para as estratégias de prevenção com mais atenção e colaborações intersetoriais
que incluam o governo, as instituições de saúde e outros atores sociais.
Segundo Kalache, o
papel da mudança na própria prática clínica nesse futuro exige uma alteração
cultural. “Temos que dar mais tempo ao profissional da saúde para que ele possa
exercer essa sua função de educador de promotor da saúde. A promoção da saúde e
a prevenção de doenças é mudar a chave e desenvolver uma cultura do cuidado”,
conclui.
Fonte: Futuro da Saúde
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