Por que
tantos asiáticos estão abandonando suas religiões?
Joon
(nome fictício) foi criado em um lar cristão na Coreia do Sul. Mas, como muitas
pessoas em seu país natal, suas crenças religiosas são agora muito diferentes
de quando ele era criança.
Ele
se identifica hoje como agnóstico.
"Não
sei o que há por aí. Deus pode existir, ou talvez não seja exatamente Deus —
algo sobrenatural", diz ele, por telefone, de Seul.
Os
pais de Joon ainda são cristãos convictos, e ele acredita que sentiriam uma
"tristeza profunda" se soubessem que ele não era mais cristão.
Ele
não quer chatear os pais, então pediu para usar um nome diferente.
A
experiência de Joon reflete as conclusões de um novo estudo do think tank
americano Pew Research Center, que mostra que os países do Leste Asiático
apresentam uma das taxas mais elevadas tanto de pessoas que abandonam quanto de
pessoas que trocam de religião no mundo.
Mais
de 10 mil pessoas foram entrevistadas sobre suas crenças, e muitas disseram que
agora possuem uma identidade religiosa diferente daquela na qual foram criadas.
Hong
Kong e a Coreia do Sul estão no topo da lista, com 53% dos entrevistados em
cada país afirmando que mudaram sua identidade religiosa, incluindo abandonar
completamente a religião.
Em
Taiwan, 42% das pessoas mudaram de crença religiosa; e no Japão, 32%.
Para
efeito de comparação, um levantamento de 2017 na Europa não encontrou nenhum
país onde a taxa de mudança excedesse 40%.
Nos
EUA, dados coletados em 2023 revelaram que apenas 28% dos adultos já não se
identificam com a fé em que foram criados.
No
Brasil, a taxa usada para comparação fica um pouco acima de 10%.
Para
Joon, a mudança de perspectiva coincidiu com o momento em que saiu de casa e
foi exposto a novas ideias.
Enquanto
crescia, sua família "acordava todas as manhãs por volta das 6h, e todos
liam e compartilhavam versículos bíblicos".
Todas
as manhãs "era como um pequeno culto de devoção", relembra.
Ele
saiu de casa aos 19 anos e começou a frequentar uma das maiores igrejas de Seul
— uma megaigreja com milhares de membros.
Ela
adotava uma interpretação muito literal da Bíblia, rejeitando, por exemplo, a
teoria da evolução. Isso era incompatível com a teoria científica que Joon
havia aprendido. Sua visão de mundo também mudou de outras maneiras.
"Acho
que o Cristianismo tem uma noção muito clara de preto no branco, certo ou
errado. Mas depois de observar a sociedade e conhecer pessoas de diferentes
origens, comecei a pensar que o mundo consiste em mais zonas cinzentas."
Joon
diz que cerca de metade dos seus amigos já não acredita na fé na qual foram
criados, especialmente aqueles que foram criados como cristãos.
E
não é só o cristianismo que está perdendo adeptos ao seu redor: 20% das pessoas
que foram criadas como budistas já abandonaram a religião. Em Hong Kong e no
Japão, esse percentual é de 17%.
Há
pessoas na região que optam por adotar uma nova fé. Na Coreia do Sul, por
exemplo, 12% dos cristãos eram recém-chegados à religião, enquanto os novos
devotos do budismo representavam 5%.
Em
Hong Kong, os novos adeptos do cristianismo e do budismo somavam 9% e 4%,
respectivamente.
No
entanto, o maior grupo entre aqueles que mudam sua identidade religiosa é
formado por aqueles que não se identificam com nenhuma, e este número é mais
alto nos países do Leste Asiático do que em outras partes do mundo.
No
total, 37% das pessoas em Hong Kong e 35% das pessoas na Coreia do Sul disseram
que esta era sua experiência, em comparação com 30% na Noruega ou 20% nos EUA.
Mas
apesar do que parece ser uma crescente secularização, um grande número de
pessoas em toda a região afirma que ainda participa de rituais e práticas
espirituais.
Em
todos os países pesquisados, mais da metade das pessoas sem religião disseram
ter participado de rituais para homenagear seus antepassados nos últimos 12
meses.
E a
maioria das pessoas entrevistadas em toda a região afirma acreditar em deuses
ou seres invisíveis.
Nada
disso surpreende Se-Woong Koo, especialista em estudos religiosos em Seul.
Em
conversa com a BBC, ele diz que a capacidade de adotar partes de diferentes
religiões está em sintonia com a história da região.
"Historicamente
falando, no Leste Asiático havia menos foco no que se poderia chamar de
identidade religiosa exclusiva. Se você fosse taoísta, isso não significava que
não pudesse ser budista ao mesmo tempo ou confucionista. Estas fronteiras eram
muito menos claramente demarcadas do que no Ocidente."
Só
no século 19, após o aumento do contato e das interações com o Ocidente, que o
conceito de religião que temos hoje foi levado para o Leste Asiático.
E
ser capaz de adotar múltiplas identidades e tradições foi algo que nunca
desapareceu na região, explica Koo.
Ele
também viu isso de perto. O especialista afirma que sua mãe mudou de religião
em diversas ocasiões.
"No
fim de semana passado, ela se registrou como membro de uma Igreja Católica na
nossa região. E eu tinha certeza de que ela iria para lá no domingo."
Mas
então ela disse a ele que, na verdade, estava "indo para uma sessão de
oração e cura" em uma igreja evangélica local.
Koo
perguntou: "O que aconteceu com a Igreja Católica, mãe?"
E
ela respondeu que, naquele momento, precisava "mais de cura do que
qualquer outra coisa".
Sua
mãe "queria ir para a Igreja Católica porque ela costumava ser católica.
Mas de alguma forma, quando se trata de receber um tipo específico de
intervenção física que ela acredita precisar, ela recorre a outra
tradição".
• Santo Daime: a religião cristã que me
serviu de ponte para a floresta. Por Caroline Apple
Há
quem diga que o Santo Daime é apropriação cultural. Há quem diga que é a
"caboclização" do cristianismo. Mas, independente de que lado você
está nessa discussão, é inegável que essa doutrina que tem como fundamento a
consagração da ayahuasca pode servir de ponte para uma conexão com a floresta
que muitos de nós que vivem em centros urbanos talvez nunca tenham a
oportunidade de ter. E assim foi comigo.
Acabei
de voltar de uma rápida e intensa imersão em comunidades tradicionais daimistas
no Acre. Lá pude constatar mais uma vez a potência das religiões ayahuasqueiras
como um grande portal de acesso à luta dos povos indígenas e da floresta em pé,
além do encontro de um conforto sobre contornos da identidade brasileira.
Meu
trabalho como jornalista sempre foi voltado de alguma maneira para as questões
relacionadas aos direitos humanos. Como uma população em estado de
vulnerabilidade, os indígenas estavam contemplados dentro dos meus ideais e
lutas, porém, o verdadeiro interesse, intensidade e confluência se apresentou
para mim através do Santo Daime. Há sete anos troquei viagens
"convencionais" para me adentrar na Floresta Amazônica acreana,
visitando e me envolvendo com os povos indígenas e as comunidades tradicionais
daimistas.
Nesses
ambientes eu pude ter a oportunidade de conhecer um pouco de algumas culturas e
espiritualidades pindorâmicas e também aquelas genuinamente brasileiras, que
nos enche de tristeza diante da diáspora africana e do genocídio dos povos
indígenas, mas também de alegria com a riqueza, coragem e resiliência de um
povo que conseguiu bravamente manter sua cultura presente de alguma forma,
mesmo diante das violências como aquelas promovidas pelas religiões
judaico-cristãs. Não se trata de romantizar um ato de sobrevivência, e sim de
reverenciá-lo, porque, gostemos ou não, essa é nossa história e as referências
de quem somos estão aqui e são fruto de toda essa complexidade que é viver em
um país que foi invadido e colonizado.
• Cruzeiro em frente a igreja da linha
do Pronto-Socorro do padrinho Wilson Carneiro na Colônia Cinco Mil - Créditos:
Caroline Apple
• Túmulo do Mestre Irineu no Alto Santo
- Créditos: Caroline Apple
• Mestre Irineu e madrinha Peregrina em
retrato antigo na parede da casa do filho adotivo do mestre, Paulo Serra, no
bairro Irineu Serra, em Rio Branco (AC) - Créditos: Caroline Apple
• Arte em madeira do Mestre Irineu na
casa de seu filho, Paulo Serra - Créditos: Caroline Apple
• Cruzeiro em frente à igreja na sede
da Colônia Cinco Mil, primeira comunidade formada pelo padrinho Sebastião Mota,
grande responsável pela expansão do Santo Daime - Créditos: Caroline Apple
• Igreja da sede da Colônia Cinco Mil -
Créditos: Caroline Apple
• Casa de adeptos da doutrina do Daime
próxima à comunidade do Alto Santo, em Rio Branco (AC) - Créditos: Caroline
Apple
O
Santo Daime é uma religião tipicamente brasileira que tem a ousadia de propor a
ressignificação de signos cristãos e tem como referência de conduta não a
Bíblia, mas sim a consciência de cada um através da disciplina e respeito aos
ensinamentos "enviados" pela espiritualidade através da ayahuasca. Os
hinos nos convidam a "replantar" as ideias tortas cultivadas por anos
pela igreja numa nítida luta desigual por poder. Algumas palavras fortes do
cristianismo também aparecem, como o pecado e o sofrimento de quem peca, porém,
assim como uma hermenêutica atualizada da Bíblia é muito bem-vinda, os hinos
também carecem desse olhar para que não se cometa anacronismo.
O
Daime foi a maneira mais incrível que eu encontrei de voltar a me relacionar
com os ensinamentos de Cristo, como o amor, o perdão e a união, e a
espiritualidade cristã sem me sentir maculada pelas atrocidades cometidas pelas
instituições. É a chance de colocar a espiritualidade cristã no lugar dela:
como mais uma espiritualidade em meio a tantas outras e nunca como a única
verdade, porque não é. É a hora de congregar com uma religião que nasceu a
partir da união de saberes indígenas e de um homem preto maranhense, que já
trazia consigo como verdade a espiritualidade cristã e seus signos, mas
incorporou os encantados em seus hinos e outras referências de sua terra que
fazem parte da construção da identidade religiosa brasileira. Se olhar de
perto, é tudo que a igreja tradicional combate há séculos: minorias, outras
religiões e substâncias.
A
questão patriarcal está presente em todas as estruturas sociais, e no Daime não
é diferente. Entretanto, em sua essência, o papel da mulher é fundamental,
porque é a única religião que tem a figura de uma mulher, a Nossa Senhora da
Conceição, a Rainha da Floresta, como patrona, sendo a força mais exaltada
dentro da doutrina.
É
verdade que as igrejas de linhas do daime ou independentes que estão espalhadas
pelo Brasil e pelo mundo precisam criar maneiras de manter os guardiões dessa
medicina presentes dentro da doutrina, mas é verdade também que o Santo Daime
já é uma ponte para a floresta e suas demandas, magias, forças e mistérios
independente de qualquer coisa, basta querer, assim como eu um dia quis e aqui
estou.
Fonte:
BBC World Servic/Brasil de Fato
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