quarta-feira, 3 de julho de 2024

Por que tantos asiáticos estão abandonando suas religiões?

Joon (nome fictício) foi criado em um lar cristão na Coreia do Sul. Mas, como muitas pessoas em seu país natal, suas crenças religiosas são agora muito diferentes de quando ele era criança.

Ele se identifica hoje como agnóstico.

"Não sei o que há por aí. Deus pode existir, ou talvez não seja exatamente Deus — algo sobrenatural", diz ele, por telefone, de Seul.

Os pais de Joon ainda são cristãos convictos, e ele acredita que sentiriam uma "tristeza profunda" se soubessem que ele não era mais cristão.

Ele não quer chatear os pais, então pediu para usar um nome diferente.

A experiência de Joon reflete as conclusões de um novo estudo do think tank americano Pew Research Center, que mostra que os países do Leste Asiático apresentam uma das taxas mais elevadas tanto de pessoas que abandonam quanto de pessoas que trocam de religião no mundo.

Mais de 10 mil pessoas foram entrevistadas sobre suas crenças, e muitas disseram que agora possuem uma identidade religiosa diferente daquela na qual foram criadas.

Hong Kong e a Coreia do Sul estão no topo da lista, com 53% dos entrevistados em cada país afirmando que mudaram sua identidade religiosa, incluindo abandonar completamente a religião.

Em Taiwan, 42% das pessoas mudaram de crença religiosa; e no Japão, 32%.

Para efeito de comparação, um levantamento de 2017 na Europa não encontrou nenhum país onde a taxa de mudança excedesse 40%.

Nos EUA, dados coletados em 2023 revelaram que apenas 28% dos adultos já não se identificam com a fé em que foram criados.

No Brasil, a taxa usada para comparação fica um pouco acima de 10%.

Para Joon, a mudança de perspectiva coincidiu com o momento em que saiu de casa e foi exposto a novas ideias.

Enquanto crescia, sua família "acordava todas as manhãs por volta das 6h, e todos liam e compartilhavam versículos bíblicos".

Todas as manhãs "era como um pequeno culto de devoção", relembra.

Ele saiu de casa aos 19 anos e começou a frequentar uma das maiores igrejas de Seul — uma megaigreja com milhares de membros.

Ela adotava uma interpretação muito literal da Bíblia, rejeitando, por exemplo, a teoria da evolução. Isso era incompatível com a teoria científica que Joon havia aprendido. Sua visão de mundo também mudou de outras maneiras.

"Acho que o Cristianismo tem uma noção muito clara de preto no branco, certo ou errado. Mas depois de observar a sociedade e conhecer pessoas de diferentes origens, comecei a pensar que o mundo consiste em mais zonas cinzentas."

Joon diz que cerca de metade dos seus amigos já não acredita na fé na qual foram criados, especialmente aqueles que foram criados como cristãos.

E não é só o cristianismo que está perdendo adeptos ao seu redor: 20% das pessoas que foram criadas como budistas já abandonaram a religião. Em Hong Kong e no Japão, esse percentual é de 17%.

Há pessoas na região que optam por adotar uma nova fé. Na Coreia do Sul, por exemplo, 12% dos cristãos eram recém-chegados à religião, enquanto os novos devotos do budismo representavam 5%.

Em Hong Kong, os novos adeptos do cristianismo e do budismo somavam 9% e 4%, respectivamente.

No entanto, o maior grupo entre aqueles que mudam sua identidade religiosa é formado por aqueles que não se identificam com nenhuma, e este número é mais alto nos países do Leste Asiático do que em outras partes do mundo.

No total, 37% das pessoas em Hong Kong e 35% das pessoas na Coreia do Sul disseram que esta era sua experiência, em comparação com 30% na Noruega ou 20% nos EUA.

Mas apesar do que parece ser uma crescente secularização, um grande número de pessoas em toda a região afirma que ainda participa de rituais e práticas espirituais.

Em todos os países pesquisados, mais da metade das pessoas sem religião disseram ter participado de rituais para homenagear seus antepassados nos últimos 12 meses.

E a maioria das pessoas entrevistadas em toda a região afirma acreditar em deuses ou seres invisíveis.

Nada disso surpreende Se-Woong Koo, especialista em estudos religiosos em Seul.

Em conversa com a BBC, ele diz que a capacidade de adotar partes de diferentes religiões está em sintonia com a história da região.

"Historicamente falando, no Leste Asiático havia menos foco no que se poderia chamar de identidade religiosa exclusiva. Se você fosse taoísta, isso não significava que não pudesse ser budista ao mesmo tempo ou confucionista. Estas fronteiras eram muito menos claramente demarcadas do que no Ocidente."

Só no século 19, após o aumento do contato e das interações com o Ocidente, que o conceito de religião que temos hoje foi levado para o Leste Asiático.

E ser capaz de adotar múltiplas identidades e tradições foi algo que nunca desapareceu na região, explica Koo.

Ele também viu isso de perto. O especialista afirma que sua mãe mudou de religião em diversas ocasiões.

"No fim de semana passado, ela se registrou como membro de uma Igreja Católica na nossa região. E eu tinha certeza de que ela iria para lá no domingo."

Mas então ela disse a ele que, na verdade, estava "indo para uma sessão de oração e cura" em uma igreja evangélica local.

Koo perguntou: "O que aconteceu com a Igreja Católica, mãe?"

E ela respondeu que, naquele momento, precisava "mais de cura do que qualquer outra coisa".

Sua mãe "queria ir para a Igreja Católica porque ela costumava ser católica. Mas de alguma forma, quando se trata de receber um tipo específico de intervenção física que ela acredita precisar, ela recorre a outra tradição".

 

•           Santo Daime: a religião cristã que me serviu de ponte para a floresta. Por Caroline Apple

Há quem diga que o Santo Daime é apropriação cultural. Há quem diga que é a "caboclização" do cristianismo. Mas, independente de que lado você está nessa discussão, é inegável que essa doutrina que tem como fundamento a consagração da ayahuasca pode servir de ponte para uma conexão com a floresta que muitos de nós que vivem em centros urbanos talvez nunca tenham a oportunidade de ter. E assim foi comigo.

Acabei de voltar de uma rápida e intensa imersão em comunidades tradicionais daimistas no Acre. Lá pude constatar mais uma vez a potência das religiões ayahuasqueiras como um grande portal de acesso à luta dos povos indígenas e da floresta em pé, além do encontro de um conforto sobre contornos da identidade brasileira.

Meu trabalho como jornalista sempre foi voltado de alguma maneira para as questões relacionadas aos direitos humanos. Como uma população em estado de vulnerabilidade, os indígenas estavam contemplados dentro dos meus ideais e lutas, porém, o verdadeiro interesse, intensidade e confluência se apresentou para mim através do Santo Daime. Há sete anos troquei viagens "convencionais" para me adentrar na Floresta Amazônica acreana, visitando e me envolvendo com os povos indígenas e as comunidades tradicionais daimistas.

Nesses ambientes eu pude ter a oportunidade de conhecer um pouco de algumas culturas e espiritualidades pindorâmicas e também aquelas genuinamente brasileiras, que nos enche de tristeza diante da diáspora africana e do genocídio dos povos indígenas, mas também de alegria com a riqueza, coragem e resiliência de um povo que conseguiu bravamente manter sua cultura presente de alguma forma, mesmo diante das violências como aquelas promovidas pelas religiões judaico-cristãs. Não se trata de romantizar um ato de sobrevivência, e sim de reverenciá-lo, porque, gostemos ou não, essa é nossa história e as referências de quem somos estão aqui e são fruto de toda essa complexidade que é viver em um país que foi invadido e colonizado.

•           Cruzeiro em frente a igreja da linha do Pronto-Socorro do padrinho Wilson Carneiro na Colônia Cinco Mil - Créditos: Caroline Apple

•           Túmulo do Mestre Irineu no Alto Santo - Créditos: Caroline Apple

•           Mestre Irineu e madrinha Peregrina em retrato antigo na parede da casa do filho adotivo do mestre, Paulo Serra, no bairro Irineu Serra, em Rio Branco (AC) - Créditos: Caroline Apple

•           Arte em madeira do Mestre Irineu na casa de seu filho, Paulo Serra - Créditos: Caroline Apple

•           Cruzeiro em frente à igreja na sede da Colônia Cinco Mil, primeira comunidade formada pelo padrinho Sebastião Mota, grande responsável pela expansão do Santo Daime - Créditos: Caroline Apple

•           Igreja da sede da Colônia Cinco Mil - Créditos: Caroline Apple

•           Casa de adeptos da doutrina do Daime próxima à comunidade do Alto Santo, em Rio Branco (AC) - Créditos: Caroline Apple

O Santo Daime é uma religião tipicamente brasileira que tem a ousadia de propor a ressignificação de signos cristãos e tem como referência de conduta não a Bíblia, mas sim a consciência de cada um através da disciplina e respeito aos ensinamentos "enviados" pela espiritualidade através da ayahuasca. Os hinos nos convidam a "replantar" as ideias tortas cultivadas por anos pela igreja numa nítida luta desigual por poder. Algumas palavras fortes do cristianismo também aparecem, como o pecado e o sofrimento de quem peca, porém, assim como uma hermenêutica atualizada da Bíblia é muito bem-vinda, os hinos também carecem desse olhar para que não se cometa anacronismo.

O Daime foi a maneira mais incrível que eu encontrei de voltar a me relacionar com os ensinamentos de Cristo, como o amor, o perdão e a união, e a espiritualidade cristã sem me sentir maculada pelas atrocidades cometidas pelas instituições. É a chance de colocar a espiritualidade cristã no lugar dela: como mais uma espiritualidade em meio a tantas outras e nunca como a única verdade, porque não é. É a hora de congregar com uma religião que nasceu a partir da união de saberes indígenas e de um homem preto maranhense, que já trazia consigo como verdade a espiritualidade cristã e seus signos, mas incorporou os encantados em seus hinos e outras referências de sua terra que fazem parte da construção da identidade religiosa brasileira. Se olhar de perto, é tudo que a igreja tradicional combate há séculos: minorias, outras religiões e substâncias.

A questão patriarcal está presente em todas as estruturas sociais, e no Daime não é diferente. Entretanto, em sua essência, o papel da mulher é fundamental, porque é a única religião que tem a figura de uma mulher, a Nossa Senhora da Conceição, a Rainha da Floresta, como patrona, sendo a força mais exaltada dentro da doutrina.

É verdade que as igrejas de linhas do daime ou independentes que estão espalhadas pelo Brasil e pelo mundo precisam criar maneiras de manter os guardiões dessa medicina presentes dentro da doutrina, mas é verdade também que o Santo Daime já é uma ponte para a floresta e suas demandas, magias, forças e mistérios independente de qualquer coisa, basta querer, assim como eu um dia quis e aqui estou.

 

Fonte: BBC World Servic/Brasil de Fato

 

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