terça-feira, 9 de julho de 2024

Por que os franceses rejeitaram direita radical mais uma vez

Os franceses rejeitaram mais uma vez a chegada da direita radical ao poder.

Apesar dos resultados expressivos das forças direitistas na votação para o Parlamento europeu e no próprio primeiro turno dessa eleição para o legislativo nacional, na hora da definição a população francesa recuou — algo que já havia acontecido em eleições presidenciais no país.

A derrota surpreendente deixou o partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, como a terceira força mais votada na Assembleia Nacional.

As previsões de uma semana atrás, de alcançar 300 cadeiras no parlamento diminuíram para algo na faixa de 150. E isso aconteceu porque os franceses apareceram em grande número nas seções de votação — o maior comparecimento em mais de 40 anos.

Jordan Bardella, protegido de Marine Le Pen e que era cotado para ser o novo primeiro-ministro francês em caso de uma vitória do RN, declarou que a aliança "não natural" e "desonrosa" entre esquerdistas e a coligação de Macron impediu a vitória de seu partido.

Bardella se refere à aliança entre partidos de esquerda que deixaram suas diferenças para formar uma coligação anti-RN.

Os vários blocos políticos de tendências diversas de esquerda, superou a distância que os separa do bloco do presidente Emmanuel Macron para chegar ao surpreendente resultado no segundo turno das eleições legislativas.

Políticos da direita radical observam que nada, a não ser a oposição ao RN, une os políticos dessa aliança, que vai de Edouard Philippe, na centro-direita, a Philippe Poutou, da esquerda trotskista. E que essa falta de entendimento é um mau presságio para o futuro.

De qualquer forma, as urnas mostraram que a maioria dos franceses não quis a direita radical — seja porque se opõem às suas ideias, seja porque temem a agitação que inevitavelmente acompanharia a sua chegada ao poder.

Mas se Jordan Bardella não será o próximo primeiro-ministro do país, quem será?

Essa é a grande incógnita. E, contrariamente à convenção que se seguiu às eleições parlamentares francesas anteriores, poderá demorar semanas até termos uma resposta.

Porque algo aconteceu nessas semanas tensas, algo que mudou a própria natureza do sistema político francês.

Como disse o proeminente analista político Alain Duhamel — veterano em todas as eleições desde Charles de Gaulle: “Hoje já não existe nenhum partido dominante. Desde que Macron chegou ao poder, há sete anos, temos estado num período de desconstrução das nossas forças políticas".

“Talvez agora estejamos iniciando um período de reconstrução.”

O que ele quer dizer é que existe agora uma multiplicidade de forças políticas: três grandes blocos (esquerda radical, direita radical e centro), mais o centro-direita. E dentro deles existem tendências e partidos concorrentes.

Sem nenhum partido capaz de obter a maioria na Assembleia Nacional, é agora inevitável um longo período de negociações que possa formar uma nova coalizão que vá do centro-direita até a esquerda.

Nada indica como isso acontecerá. Os diferentes componentes politicos dessa possível aliança expressam uma aversão mútua até o momento.

Mas é possível apostar que Macron irá apelar para um período de conciliação após as tensões das últimas semanas.

Convenientemente, este período vai durar até a Olimpíada de Paris e as férias de verão, permitindo que os franceses recuperem o ânimo.

Nesse meio-tempo, Macron designará alguém para liderar as negociações e juntar as diferentes partes. Será alguém da esquerda? Será alguém do centro? Será um político de fora desse bloco? Não sabemos.

O que parece certo é que a França está prestes a entrar num sistema mais "parlamentarista".

Macron e o futuro primeiro-ministro terão menos poder nessa nova fase.

Mesmo que o presidente consiga colocar um centrista no cargo de premiê (o que não é nada fácil, dada a força demonstrada pela esquerda), essa pessoa exercerá o poder por direito próprio e com base no apoio parlamentar.

Macron — sem perspectivas de concorrer novamente em 2027, quando acaba seu mandato — será uma figura menor.

Então o presidente perdeu a aposta? Estará ele arrependido da sua pressa em antecipar as eleições? Ele está pronto para dar um passo atrás?

Podemos ter a certeza de que não é assim que Macron vê as coisas. Ele dirá que sua decisão foi tomada porque a situação era insustentável.

Possivelmente, ele dirá também que deixou as coisas mais claras na política francesa ao dar a chance para o RN obter uma parcela maior das cadeiras na Assembleia para refletir o apoio do partido no país.

E pode ainda sustentar que sua arriscada aposta de que os franceses nunca colocariam a direita radical no poder estava correta.

O poder de Macron pode estar em declínio. Mas, por enquanto, ele segue no Palácio do Eliseu, consultando a sua equipe, estimulando os políticos, ainda dominando o relógio político.

¨      Após a eleição, como fica o governo da França?

Após a surpreendente vitória da esquerda nas eleições legislativas francesas, o país dá início a um período de incerteza política.

Nesta segunda-feira (8), o primeiro-ministro Gabriel Attal, de centro, chegou a pedir renúncia, mas o pedido foi rejeitado pelo presidente do país, Emmanuel Macron. Macron quer que Attal permaneça no cargo enquanto o novo cenário se desenha.

A coalizão Nova Frente Popular, de esquerda, obteve 182 assentos na Assembleia Nacional, seguida pelo bloco de centro Juntos, do qual Macron e Attal fazem parte, com 168. Em terceiro lugar, a extrema direita, liderada pelo Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, obteve 143 cadeiras – mais do que tinha em 2022, mas com um desempenho menor do que o previsto após ter saído na frente no 1º turno.

Nenhuma força política, portanto, conseguiu chegar aos 289 assentos necessários para formar maioria e formar governo sozinha.

A França moderna não tem a tradição de eleger uma legislatura sem um partido dominante – algo que não é incomum em outros países europeus.

A situação força uma negociação entre duas as forças políticas para formar uma aliança, e isso exige que parlamentares cheguem a consensos sobre o que o governo vai fazer. As divisões na sociedade francesa, sobretudo em temas como impostos, imigração e política externa para o Oriente Médio, torna o cenário desafiador.

Embora ainda não tenham batido, líderes da Nova Frente Popular, de esquerda, indicaram antes das eleições que poderiam se aliar ao centro para garantir uma maioria. No segundo turno das eleições legislativas, centro e esquerda retiraram candidaturas concorrentes em diversos distritos para enfraquecer a extrema direita -- estratégia que deu certo.

A viabilidade de um governo juntando as duas forças, entretanto, ainda é incerta. Ambos os blocos nutrem desavenças profundas em determinados tópicos, como a reforma da Previdência francesa, por exemplo.

Logo após as pesquisas de boca de urna indicarem a vitória da Nova Frente Popular, Jean-Luc Mélenchon, um dos principais líderes da aliança da esquerda, cobrou de Macron, a admissão da derrota de seu campo político.

A "Nova Frente Popular (NFP) vai aplicar o seu programa, apenas seu programa e todo o seu programa", disse Mélenchon. "O presidente tem o dever de convidar a Nova Frente Popular a governar."

Até a publicação desta reportagem, Macron ainda não havia indicado quando fará o convite para que os partidos formem governo.

Caso as tentativas para formar uma coalizão entre os partidos fracassem, Macron poderia nomear um governo de especialistas não afiliados a legendas políticas. Esse governo provavelmente lidaria principalmente com os assuntos cotidianos de manter a França funcionando.

Essa alternativa, ainda assim, exigiria aprovação pelo novo Parlamento.

<><> Decepção na extrema direita

Para a extrema direita, apesar do crescimento do número de assentos obtidos pelo Reunião Nacional (RN), o resultado foi uma decepção. No primeiro turno, ocorrido há apenas 1 semana, o partido de Marine Le Pen, havia saído à frente de todas as demais forças políticas -- a sigla chegou a projetar obter para si a maioria absoluta da Casa.

Jordan Bardella, a liderança mais jovem do partido, que seria o premiê em caso de vitória do RN, disse que as eleições e os acordos políticos jogaram o país "nos braços de Mélenchon (político que é um dos líderes da esquerda francesa)". Ele afirmou que vai amplificar o trabalho na oposição e chamou um provável acordo entre esquerda e centro de "aliança da desonra".

 

•        Dividida em 3, França mergulha em cenário desconhecido

As eleições legislativas trouxeram mais incertezas do que certezas para o futuro governo francês.

A Nova Frente Popular, de esquerda, sem dúvida é a maior vitoriosa do segundo turno, enquanto a Reunião Nacional, da extrema direita, é derrotada, caindo para o terceiro lugar, atrás do grupo liderado pelo presidente Emmanuel Macron. Embora deva dobrar o número de cadeiras na Assembleia, o partido de Marine Le Pen ficou longe da maioria absoluta necessária para liderar o governo.

Nenhum dos três blocos conseguiu a maioria e é aí que paira a principal incerteza: quem governará? A França caminha para um parlamento suspenso, o que vai requerer a formação de alianças entre grupos com interesses irreconciliáveis. 

Formada por cinco partidos, a Nova Frente Popular se aglutinou rapidamente após a dissolução da Assembleia Nacional, por Macron. São partidos que têm diferenças ideológicas entre si, mas em comum, alcançaram o mesmo objetivo:  frear a ascensão do RN neste segundo turno e impedir a nomeação do discípulo de Marine Le Pen — o jovem Jordan Bardella — a primeiro-ministro francês. 

 Não por acaso Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa, foi o primeiro a se pronunciar, como o principal partido do bloco, para cobrar e reivindicar a vitória de seu bloco, logo após a divulgação das projeções dos resultados.

 “O presidente tem que se curvar e admitir que isso é uma derrota. Ele tem o poder e o dever de chamar a Nova Frente Popular para governar”, vaticinou Mélenchon. Não por acaso, Macron preferiu se manter calado até que o panorama esteja mais claro.  

A euforia inicial desta vitória da esquerda sobre a extrema direita rapidamente gerou dúvidas sobre o caráter de possíveis alianças. A coligação centrista Juntos, de Macron, descartou, durante a campanha, negociações com os extremos, seja de esquerda ou direita. A recíproca parece ser verdadeira. Mélenchon deixou claro, em seu discurso inicial, as divergências com o atual governo, incluindo a reforma previdenciária.

 Os próximos dias serão cruciais para testar o equilíbrio de poder dentro da Nova Frente Popular, unificar as vozes e definir quem de fato a liderará.  Socialistas moderados poderão, por exemplo, tentar se descolar da esquerda radical e aderir ao bloco de Macron, que deverá perder 100 cadeiras no Parlamento, mas, menos mal, ainda ficou à frente do RN. 

A manobra do presidente, ao dissolver da Assembleia Nacional e antecipar as eleições após a derrocada de sua coligação no Parlamento Europeu, assustou o país, com a perspectiva da extrema direita de assumir o governo. Cerca de 200 candidatos de centro e esquerda abandonaram a disputa no segundo turno, para bloquear a propagação do RN.

 Macron e a NFP adiaram novamente os planos de Le Pen e de seu partido, mas a França mergulhou num cenário desconhecido, dividida em três blocos — por enquanto, ingovernável e com o Parlamento paralisado.  

•        Quem é quem na aliança de esquerda na França

A Nova Frente Popular (NFP) de esquerda da França, uma aliança de partidos montada às pressas depois que o presidente Emmanuel Macron convocar uma eleição parlamentar surpresa, obteve uma vitória surpreendente na votação de domingo sobre a extrema direita e os centristas governistas.

Diante do resultado, Macron terá que nomear um primeiro-ministro do bloco. As estimativas iniciais geralmente são precisas.

O NFP - formado pelo Partido da extrema esquerda France Unbowed, o Partido Ecologistas, Partido Socialista e outras coligações - não disse quem seria seu escolhido para primeiro-ministro.

<><> A seguir, algumas de suas figuras mais conhecidas:

•        Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda na França

Jean-Luc Mélenchon, 72 anos, tem sido um elemento fixo na política de esquerda francesa há décadas e ocupou cargos ministeriais em governos anteriores, quando era membro do Partido Socialista.

Ele concorreu à presidência em 2012, 2017 e 2022, melhorando sua pontuação a cada vez. Ele ficou em terceiro lugar em 2022, logo atrás da líder de extrema direita Marine Le Pen. Macron venceu essa eleição.

Orador inflamado, Mélenchon é uma das figuras mais divisivas da política francesa, entusiasmando alguns eleitores e horrorizando outros com suas propostas desenfreadas de impostos e gastos, retórica de guerra de classes e posições polêmicas de política externa, especialmente sobre Gaza. Os críticos o acusam de antissemitismo, o que ele nega.

•        Marine Tondelier, líder dos Ecologistas

Tondelier, 37 anos, cresceu em Henin-Beaumont, uma cidade no norte da França que é conhecida como um bastião do Rally Nacional (RN) de extrema direita e de sua líder Le Pen.

Tondelier tem um longo histórico de oposição ao RN.

Ela foi eleita como membro da oposição do conselho municipal da cidade em 2014. Ela documentou suas experiências de trabalho sob o comando de um prefeito do RN e o que ela descreveu como a atmosfera opressiva gerada pela administração de extrema direita em um livro de 2017 intitulado "News from the Front".

Tondelier também foi eleita para um conselho regional do norte em 2021 e tornou-se líder do partido ecologista mais conhecido da França, os Verdes, no ano seguinte.

•        Raphael Glucksmann, cofundador do partido de centro-esquerda Place Publique

Raphael Glucksmann, 44 anos, liderou a lista de candidatos socialistas nas eleições europeias no início de junho. Ele obteve quase 14% dos votos, logo atrás do grupo Together de Macron. Isso foi considerado um sinal de renascimento para um partido que governou a França nas décadas passadas, mas que recentemente caiu no esquecimento eleitoral.

Glucksmann frequentou escolas de prestígio e teve uma carreira em jornalismo e radiodifusão antes de se ramificar em várias direções, inclusive como conselheiro do então presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili.

Ele defende um forte apoio europeu à Ucrânia em sua resistência contra a invasão da Rússia.

•        Laurent Berger, ex-líder sindical da Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFTD)

Laurent Berger, 55 anos, é ex-diretor de um dos principais sindicatos da França, o moderado CFDT. Ele tem um histórico de forte oposição ao RN.

Berger disse que não quer ser primeiro-ministro, mas outras pessoas da esquerda propuseram seu nome, dizendo que ele poderia ser uma figura unificadora e uma alternativa popular a Melenchon.

 

Fonte: BBC News Mundo/Deutsche Welle/g1

 

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