terça-feira, 9 de julho de 2024

Aldo Fornazieri: Vitórias e limites das esquerdas

A vitória do Partido Trabalhista na Inglaterra e do Nova Frente Popular nas eleições legislativas da França representam, antes de tudo, um alívio e uma descompressão política em face do crescimento e das ameaças de vitória de partidos de extrema-direita pelo mundo afora. Essas vitórias, contudo, precisam ser bem dimensionadas para que não se criem falsas ilusões. 

A rigor, três componentes principais determinaram os resultados: exaustão com os partidos no poder, clivagens ideológicas profundas acerca de valores e programas de governo e incapacidades dos governos (de qualquer tendência ideológica) de promover mudanças significativas nas condições de vida da amplos setores sociais menos abastados. O Partido Social-Democrata, no poder na Alemanha, por exemplo, vem tendo um desempenho sofrível, assim como Macron vem tendo na França. Já os Conservadores na Inglaterra foram desastrosos.

O modelo político-partidário inglês não se presta muito, por ora, à formação de alianças e frentes eleitorais. Na tradição tratava-se de um modelo bipartidário – Conservadores e Trabalhistas –, mas com o crescimento do Partido Liberal Democrata e do Partido Reformista (extrema-direita) a necessidade de formação de alianças pode se torar uma constante no futuro. Não agora, pois o Partido Trabalhista, com 412 cadeiras dos 650 assentos, tem enorme folga para governar sozinho. 

O primeiro-ministro Keir Staimer, contudo, conduziu o partido para posições mais moderadas e centristas. Conter a pobreza crescente, melhorar a saúde pública e investir em habitação são os principais pontos do programa trabalhista. Afinal de contas, com o Brexit e com políticas antissociais, os conservadores deixaram um saldo social deplorável. Keir avisou que as mudanças serão lentas, pois além do fardo social, existem também outros problemas como inflação, necessidade de reaproximação com a União Europeia e de garantir a responsabilidade fiscal.

O Partido Conservador ficou com apenas 131 cadeiras. Foi a maior derrota da sua história. Os liberais saltaram de 15 para 61 cadeiras e os extremistas de 1 para 15 cadeiras. Já o Partido Nacional Escocês caiu de 43 para 10 cadeiras. No total, no primeiro turno foram eleitos 76 e, no segundo, 501deputados.

No caso da França, as eleições também tiveram uma marca claramente mudancista. No primeiro turno e nas eleições para o Parlamento Europeu, a extrema direita da Reunião Nacional cresceu significativamente. No segundo turno, a Nova Frente Popular, de centro-esquerda, saiu vitoriosa. 

O presidente Macron foi o grande derrotado das eleições, tanto política, quanto eleitoralmente. A sua aliança de centro (Juntos) caiu de 250 cadeuras para 168. Sua derrota só não foi maior porque os partidos de esquerda retiraram vários candidatos no segundo turno para apoiar os centristas, tendo em vista que se formou a Frente Republicana, reunindo a centro-direita e a esquerda, para impedir a vitória da extrema-direita. 

A Nova Frente Popular foi a surpreendente vencedora final, conquistando 182 cadeiras, obtendo um crescimento em relação ao quadro anterior. Ela não existia antes das eleições. É composta pelo Partido Socialista, Partido Comunista, Partido Verde e França Insubmissa, partido mais à esquerda, liderado por Jean-Luc Mélanchon, França Insubmissa e Partido Socialista ficaram com um número de cadeiras maios ou menos iguais. 

A Reunificação Nacional saiu politicamente derrotada por conta da grande expectativa de vitória que se criou no primeiro para o segundo turno. Mesmo assim, teve um crescimento significativo, saltando de 88 para 143 cadeiras. Outros partidos menores conquistaram 73 cadeiras. 

Em síntese: olhando os três principais campos políticos, os franceses optaram pela mudança, tanto para a esquerda, quanto para a direita. O governo centrista foi derrotado. Aparentemente, o que impediu a vitória da extrema-direita foi a formação da Frente Republicana entre a esquerda e o centro, com a retirada de candidatos um em favor do outro e a troca de apoios mútuos.

Tudo indica que o novo governo será formado com um primeiro-ministro da Nova Frente Popular que poderá ou não se compor com os centristas de Macron. A NFP não tem maioria absoluta. Seja pela sua composição interna, seja pela necessidade de obter apoio do centro para aprovar medidas e iniciativas de governo, a tendência é a de que se constituirá um governo moderado de centro-esquerda. 

Se a França Insubmissa tensionar à esquerda, poderá ser um governo bastante instável. Do equilíbrio relativo entre os três campos políticos só podem resultar duas tendências: ou negociação entre a esquerda e o centro para garantir a estabilidade e a moderação ou a instabilidade política conflitos e tensões, o que poderá favorecer o crescimento da extrema-direita. 

A Nova Frente Popular tem um programa bastante progressista. Mas os limites inerentes à ausência de maioria absoluta, deverá moderar o programa. Os partidos e frentes de centro-esquerda que se formam hoje têm uma capacidade menor de realizar mudanças e ampliar direitos em relação às conquistas dos partidos social-democratas europeus do pós Guerra. 

Três razões principais explicam esta situação:

a) no pós-Guerra a extrema-direita estava derrotada;

b) sindicatos fortes constituíam a base de apoio da social-democracia e forçavam negociações favoráveis;

c) a existência da URSS de do Leste comunista pressionava a centro-direita para posições moderadas e de consenso programático com a social-democracia.

Com o advento da globalização e da revolução digital ocorreu um enfraquecimento dos sindicatos e redução de suas bases. Esse processo foi acompanhado por uma forte perda de direitos e pelo triunfo de políticas ultraliberais, assim como pelo ressurgimento da extrema-direita. Esses fenômenos conjugados empurraram os partidos de centro-esquerda para posições mais de centro e moderaram as posições das esquerdas. 

Com a queda da força organizada dos sindicatos e com a perda de capacidade de mobilização e de organização dos partidos de esquerda e centro-esquerda criou-se um ambiente de dificuldades e de moderação que dificulta novas conquistas de direitos, de bem estar e de justiça social. 

O Estado social e distributivista debilitou-se e o desafio central do nosso tempo, a crise climática, sequer é enfrentado de forma satisfatória. A quebra da capacidade de produzir consensos, a ausência de forças capazes de exercer hegemonias estabilizadoras e os novos quadros de tensões políticas internas e de disputas geopolíticas apontam para o agravamento dos conflitos e para a possibilidade de eclosão de novas guerras.

 

¨      Vitória da esquerda na França expressa o colapso do neoliberalismo. Por César Fonseca

A Nova Frente Popular (NFP) francesa, vitoriosa nas eleições parlamentares, neste domingo, vai incomodar a concentração da propriedade na comunicação que impede a democratização das opiniões sociais.

O monopólio e o oligopólio das comunicações, como existe no Brasil e na América Latina em geral, serão combatidos pela nova força política na França, que ensaia robustecimento da Social Democracia, para se distanciar do neoliberalismo e do fascismo, que cultivam fanatismo e obscurecimento da crítica, para promover narrativas políticas diversionistas e mentirosas, impulsionando ideologia de ódio.

Tremenda derrota do bolsonarismo e do mileinismo, que ensaiam aliança no Brasil para fincar regressão política na América Latina.

O ocidente, puxado pelos Estados Unidos e França, dominados pelos reacionários de centro-direita, jogou os europeus no acriticismo midiático, que impediu a Europa de ter notícias da Rússia durante os combates com a Ucrânia, apoiada pela Otan, dominada por Washington.

Censura à liberdade de opinião de forma descarada e fascista, que contribui para o avanço do nazifascismo como projeto político.

A narrativa que os europeus consomem é pró-washington e anti-Moscou, idem, América Latina.

Puro maniqueísmo midiático cultural, econômico, político e social.

Os Estados Unidos obrigaram a Europa a engolir o discurso neoliberal e impediram que os europeus consumam matérias primas da Rússia, que tornam seus produtos industriais mais baratos e competitivos internacionalmente.

FUGA DA VERDADE

Por conta disso, sem a liberdade de informação, o velho continente sofre inflação de custos, que reflete sobre os salários, abaixando o poder de compra da população europeia, quando poderia, com as vantagens competitivas que dispõe, pelo domínio científico e tecnológico disponível a preço baixo, estar enfrentando pau a pau a China, os Estados Unidos e a Rússia.

Ao contrário, como está sob efeito das sanções econômicas americanas sobre a Rússia, que repercutem diretamente no bolso do europeu, a Europa importa a crise de todos os lados.

A subserviência europeia aos Estados Unidos é imposta mediante supressão da liberdade de informação e imposição do modelo neoliberal.

O padrão de vida na Europa, um dos pilares do G20, perde, aceleradamente, a disputa para a China e para os BRICS, enquanto não pode fechar acordos comerciais com outros povos, pois o velho continente perdeu vantagem comparativa que prejudica sua relação nas trocas internacionais.

SOCIAL-DEMOCRACIA CONDENADA

Trata-se, portanto, de cenário político catastrófico que teve resposta do eleitorado francês neste domingo.

Grande baque do neoliberalismo financeiro especulativo que elevou a taxa de exploração do capital sobre o trabalho, ao mesmo tempo em que eliminou direitos sociais e trabalhistas, jogando a classe trabalhadora ao período anterior à Primeira Guerra Mundial, quando vigorava o capitalismo clássico neoliberal sob padrão ouro.

Os direitos dos trabalhadores, nesse regresso histórico, foram para o espaço, sem que a social-democracia reagisse à altura contra o neoliberalismo triunfante, com ampliação do mercado sobre o Estado, tomando-o para si, exclusivamente, enquanto destrói direitos trabalhistas, previdenciários etc.

O presidente Macron passou por cima da Assembleia Nacional para aprovar redução da aposentadoria e proventos dos aposentados, reduzindo, drasticamente, seu padrão de vida.

Os salários médios na França passaram a ser dados pelo arrocho salarial impostos sobre os emigrantes que contribuem para diminuir o salário médio da classe média, jogando seu padrão de vida no chão.

Especialmente, nos últimos dois anos, com a guerra por procuração na Ucrânia, financiada pela OTAN- EUA, para tentar destruir a Rússia, os europeus arcaram com as consequências produzidas pelas sanções econômicas baixadas por Washington sobre Moscou.

Rússia se safou, mas a Europa se afundou.

ESQUERDA NO BURACO

Nesse cenário, a esquerda, que havia se aproximado dos liberais, neoliberais, direita e semi fascistas, aceitando a destruição prática dos valores sociais-democratas, que nasceram para barrar a ascensão do comunismo na Europa, acabou se desmoralizando.

O resultado foi o avanço espetacular dos fascistas no primeiro turno das eleições francesas, que atuaram como um terremoto sobre a esquerda, sacolejando-a do marasmo político ao qual se acostumou, mal acompanhada dos liberais dos quais comprou o discurso furado da unidade política democrática da boca para fora.

A reviravolta neste domingo, com eleição de segundo turno, desperta a esquerda do sonho infantil, para enfrentar o neoliberalismo, preferencialmente, pois, caso contrário, repetirá comportamento equivocado de sonhar algo concreto com a cabeça da burguesia financeira especulativa ultra neoliberal.

Portanto, a vitória da esquerda francesa como cabeça de chave do poder francês, a partir deste domingo, tem repercussão internacional em todo o sistema econômico capitalista que floresceu com o fim da guerra fria e emergência do pensamento único neoliberal.

Essa tendência levou choque brutal, em 2008, com a crise financeira dos subprime, nos Estados Unidos, que levou a banca americana à debacle, sendo salva pelo aumento do endividamento do império na operação de trocas de dívidas velhas por dívidas novas, com redução de taxa de juro e alongamento de prazo de pagamento.

Mas a voracidade financeira do capitalismo financeirizado especulativo, que se alimenta de guerra mediante expansão da dívida pública americana, abalou  o próprio neoliberalismo, a representação pronta e acabada da economia financeirizada, abalada com a visível derrota dos Estados Unidos-OTAN na Ucrânia, bem como a desmoralização de Washington por estar avalizando o genocídio de Israel em Gaza.

FUGINDO DA DESMORALIZAÇÃO TOTAL

O neoliberalismo não deu retorno algum à esquerda francesa, que se aliou ao centro e à direita, com Macron, homem dos banqueiros, cujo resultado foi a destruição de direitos econômicos, trabalhistas, sociais, providenciais etc dos trabalhadores assalariados, com consequente expansão da uberização econômica europeia.

Os europeus têm sido privados da liberdade de informação em meio às guerras que a Europa enfrenta para aprofundar subordinação política aos Estados Unidos com prejuízo da democratização dos meios de comunicação, que escondem a realidade da população, mediante ideologia diversionista, sectária, acrítica, pró-mercado.

O programa de esquerda que amplia essa liberdade com combate à concentração da propriedade na área de comunicação é exemplo que aprofundará conquistas nos países capitalistas abalados pela financeirização econômica neoliberal, como no Brasil, onde a mídia alternativa dá passos de gigante no sentido de descobrir e inovar várias formas de comunicação social interativa que revoluciona as trocas de informação na sociedade com maior grau de liberdade e crítica.

 

Fonte: Brasil 247

 

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