Para avançar na construção da
contra-hegemonia
A disputa de
hegemonia, como condição de direção política e conquista de poder, é central,
como, já há quase um século atrás, Antonio Gramsci demonstrou brilhantemente
nos seus Cadernos do Cárcere. Trata-se de uma tarefa coletiva persistente e
consistente, com olhar muito perspicaz e pesquisa sobre as interrelações entre
dinâmica econômica, social e política e suas relações com a base natural do
viver, assim como as conjunturas que elas criam. Mas não só, pois hegemonia supõem difusão de
princípios e valores, ideias e análises consistentes, criando uma cultura viva,
de referência, que impregna imaginários e alimenta a ação política. A pesquisa
e a análise são sempre necessárias, porém insuficientes, pois hegemonia é uma
questão de imaginários em disputa política.
A perspectiva
transformadora para garantir direitos iguais na diversidade, como uma filosofia
ativa baseada em princípios e valores éticos de viver em coletividade, precisa
definir o que e como mudar a situação presente, que caminho construir, que
forças se opõem e como enfrentá-las.
Tais tarefas exigem saber construir um discurso coerente de princípios e
valores, imaginários e propostas, e ter determinação na disputa do dia a dia,
como base para criar o cimento agregador do bloco de forças da mudança, com
capacidade política de apontar caminhos e processos a desencadear, impactando o
debate público e, ao mesmo tempo, enfrentando e desconstruindo outras versões e
propostas. O disputar de hegemonia é um fazer político complexo e contínuo,
onde se combinam análise de realidade vivida, educação, cultura, debate,
organização e ação contínua, em confronto com outras propostas opostas ou
divergentes. Devida a natureza da disputa de hegemonia, é um fazer permanente,
condicionado pelas conjunturas políticas e pelo que se passa no mosaico de
especificidade territoriais e condições de viver.
Na atualidade
brasileira, regional e mundial, um fato fundamental, que não pode ser ignorado,
é o crescimento de uma renovada direita autoritária, com capacidade de disputar
hegemonia com suas ideias, valores e propostas destrutivas e excludentes, em
nome de “Deus, Pátria e Família”. Esta
direita vem demonstrando capacidade na difusão de notícias falsas e versões
deturpadas de ideias, propostas e debates, com viés que combina individualismo
extremado, com violência armada, machismo, discriminação de todo tipo,
exclusões dos considerados “incompetentes” e “descartáveis”, contando com uma
ampla adesão em setores das classes médias e até populares. Tem como suporte a
cumplicidade de polícias militares e setores das Forças Armadas, e até difusa
adesão dos grandes meios de comunicação. Faz vista grossa ao enorme crime
organizado por milicianos, traficantes, garimpeiros, grileiros e desmatadores.
Segmentos importantes das classes proprietárias dominantes aderem e apoiam
financeiramente a ação da direita autoritária, desde que ela defenda seus
privilégios de propriedade, isenções fiscais e total “liberdade de mercado” em
busca de acumulação, submetendo o Estado a seu serviço, impedindo as propostas
de transformação ou imposição de limites democráticos para seus negócios e
alianças globais. Esta direita autoritária quer ser vista e empoderada
politicamente como a expressão mais eficaz na defesa da globalização
capitalista, financeirizada, excludente e destrutiva em termos ecossociais.
Não cabe aqui
relembrar a importância da conquista democrática em face da ditadura, nos anos
80 do século passado, consubstanciada na Constituição de 1988. Foi um rechaço
claro ao regime autoritário, com um importante protagonismo de cidadanias
ativas naquele então. Porém, o que parecia ser um virtuoso começo, foi o máximo
possível naquela conjuntura. O câncer da conciliação para a governabilidade
democrática, incluído na Constituição, minou a possibilidade de grandes avanços
e transformações, apesar de termos conquistas reais a celebrar, aqui e acolá.
Não conseguimos avançar na construção de uma democracia participativa forte,
além das eleições periódicas e de eleger governantes e parlamentares mais
democráticos. Temos uma democracia que renasceu encurralada, como defino.
O processo de encurralamento democrático nos
levou a uma perda de capacidade de transformar demandas de mais e mais
democracia em políticas de mudança. Menos de trinta anos depois, foi
arquitetado o golpe parlamentar de 2016, que propiciou as condições políticas
para um retrocesso programado de mais mercado e menos democracia. No seu
desdobramento surgiu o governo de vocação autoritária, destrutiva e excludente,
eleito em 2018, para o período de 2019-22. Felizmente, uma ampla e heterogênea
aliança elegeu mais uma vez o Lula, em 2022, para o período de 2023-26. Mas
Lula III não tem maioria no Congresso e a conciliação extrapolou os limites,
como o desmonte de conquistas constitucionais, canalização de recursos públicos
para seus redutos eleitorais e submissão do governo ao “mercado”, além de
ataque aberto à políticas ecossociais.
Continuamos ameaçados
pela direita autoritária, com suas propostas no Congresso e, sobretudo, com a
capacidade de disputar hegemonia de imaginários
e valores na sociedade civil, visando ampliar o seu poder no controle político desde a base – eleições
municipais em outubro próximo – e
consolidar o seu domínio nos estados e no Governo Federal na eleição de 2026.
Ganhar eleições é
sempre importante, mas não necessariamente expressa hegemonia, situação que
vivemos atualmente, com o encurralamento político da própria democracia
brasileira no Governo Lula III. Temos, sim, uma crise larval implantada no
Estado, entre governo e parlamento, com sobressaltos e pequenos avanços aqui e
acolá. Sem solução à vista, pois de onde não pode vir algo transformador com
potência, na atual situação, não virá mesmo. Diante do desafio que representa
construir uma contra-hegemonia democrática transformadora, pensando no amanhã,
a tarefa é urgente, onde “esperar não é saber”.
A política econômica brasileira, mesmo no Governo Lula, continua
priorizando uma agenda de ajuste fiscal e teto de gastos para atender ao
“mercado” e o seu financismo. Além
disto, com o Congresso comandado pelo “Centrão”, fica claro que o governo está
sem capacidade de avançar nas mudanças prometidas em construir “outro Brasil”,
voltado ao cuidado de gente e da natureza, refirmado por Lula em sua posse, em
janeiro de 2023.
A comunicação ampla é
uma estratégia fundamental na disputa de hegemonia. A direita mais radicalizada
produz e difunde fake news de forma sistemática pelas redes sociais. E os
grandes meios de comunicação de massa se
pautam antes de tudo pelo financiamento que recebem, pois são negócios
capitalistas privados, zelando por seu interesse de acumulação e não o bem
público democrático. São os vozeiros das virtudes do empreendedorismo e, de
modo geral, do tal sujeito político “mercado”, com seu alinhamento aos interesses
das classes dominantes, defendendo especialmente o neoliberalismo globalizado e
a centralidade do financismo como regra da boa política governamental.
Entre as e os, que nos
pautamos em princípios e valores éticos de direitos ecossocias iguais na
diversidade e uma perspectiva democrática transformadora para o conjunto da
sociedade brasileira, temos muitas iniciativas virtuosas de comunicação e
fundamentais para participantes dos movimentos sociais mais organizados,
partidos, grupos intelectuais e ativistas da esquerda. Mas, em geral, são
iniciativas pequenas, mal financiadas, não chegando ao grande público.
A comunicação talvez
seja o maior desafio democrático coletivo, na atual conjuntura brasileira para
nos empoderar como cidadanias ativas, nossas organizações, redes e fóruns, para
ganhar potência e impacto na disputa de hegemonia em termos de imaginários,
valores e propostas no seio da sociedade, ganhando eleições e criando formas de
democracia viva pela ativa participação no Estado e nas suas políticas, visando
desencadear iniciativas de transformações nas estruturas, nas relações e nos
processos sociais, culturais e econômicos.
A comunicação democrática ampla é uma estratégica pista para construir
contra-hegemonia, pois ela mesma alimenta a disputa, potencializa a difusão de
análises de qualidade e propostas articuladas, reafirmando valores e
alimentando imaginários virtuosos e transformadores, animando debates e gerando
confiança, adesão e cumplicidade. Porém, estamos dando a devida atenção a tal
questão fundamental?
Temos muitas
dificuldades para sair da nossa bolha e de nos comunicar claramente com setores
mais amplos da sociedade. A comunicação ampla como campo de disputa deve vir
articulada a um processo de fazer política nas ruas e praças, com formas novas
e impactantes de ações coletivas, com pautas aglutinadoras e mobilizadoras.
Basta ver a o impacto da extraordinária mobilização das mulheres em curto
espaço de tempo para denunciar e se opor à “lei do estupro” das bancadas
autoritárias no Congresso, recentemente. Acabou pautando um debate na sociedade
e como mensagem teve impacto político no Congresso e no governo. Este tipo de
ação, com muitas iniciativas e pautas, buscando ao mesmo tempo articulações e coalizões, pode e
deve nos inspirar sobre o que e como fazer disputa de hegemonia. O resultado em
termos de ganhos na política no imediato pode ser pequeno, mas para as
cidadanias ativas e a agenda política transformadora é o caminho virtuoso e
promissor por ser capaz de desencadear um processo na sociedade e nas estruturas
de poder, como já aconteceu no passado e acontece no presente, em muitos
países.
Outra pista fecunda e
de grande potencial é olhar ao que é emergente nas vivências e resistências que
acontecem nos territórios de vida, avaliar os possíveis sinais e embriões do
novo, construir visões, imaginários, valores e propostas que agregam de forma
mais ampla, formem coalizões poderosas, criando expressões de força instituinte
e constituinte das cidadanias em sua diversidade, inspirando políticas novas,
apontando uma direção contra hegemônica do que temos hoje. Já temos conquistas
políticas democráticas que não podemos abrir mão, como o SUS – Sistema Único de
Saúde, um bem comum em escala nacional. Mas foi sufocado financeira e
administrativamente pela direita no período de 2016 a 2022. A educação é outra
área comum a todas e todos que precisa ser recuperada como uma pauta
democrática fundamental, emancipadora. Não podemos aceitar a “colonização” pela
direita autoritária algo tão essencial para o futuro da democracia. Tanto a
educação como o SUS foram atacados e ainda o são pela agressividade da direita
autoritária, além de serem alvos prioritários da política de
ajuste fiscal nas contas públicas, retirando recursos e valorizando as
iniciativas privatistas e “empresarias”. A educação também foi atacada em sua
concepção e sentido democrático com uma visão de militarização das escolas. Mas
temos um acumulado em práticas transformadoras e includentes, de grande
impacto, que precisamos resgatar como um pensamento e patrimônio cultural e
político com capacidade de promover emancipação, condição fundamental para uma
democracia viva.
Considero esta minha
reflexão e análise como um ponto de entrada numa complexa, mas fundamental
questão que temos que enfrentar: a construção de uma contra-hegemonia. Trata-se
de uma provocação e de um chamado para que não desprezemos tarefa tão fundamental.
Na verdade, não tenho respostas ao desafio. Penso, porém, que devemos encará-lo
com a devida determinação e audácia. Aqui aponto apenas a sua necessidade, mas
voltarei a ele ainda em novas postagens, de tempos em tempos.
• Governo Lula vai começar os cortes de
benefícios do INSS em agosto; Idosos e PCD’s podem ser impactados
O governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai começar os cortes de benefícios do
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em agosto.
De acordo com o
governo, a previsão é de cortar cerca de 680 mil pagamentos de beneficiários. O
objetivo é de reduzir gastos e contribuir para a meta fiscal de zerar o déficit
público, proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O presidente do INSS,
Alessandro Stefanutto, em entrevista à TV Globo, falou sobre as mudanças nas
solicitações de prorrogação do Benefício por Incapacidade Temporária.
“Antes, o segurado
pedia prorrogação e era automática. Agora, aqueles com um CID que não comporte
longos períodos, como seis meses para uma fratura simples no dedo, estão sendo
encaminhados para a perícia presencial”, disse Stefanutto.
A partir de agosto, o
foco doscortes serão em dois tipos de benefícios concedidos há mais de dois
anos: o Benefício por Incapacidade Temporária e o Benefício de Prestação
Continuada, destinado a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência, com
renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
É bom lembrar que
entre julho de 2022 e julho de 2023, já no governo Lula, o INSS registrou um
aumento de 1,2 milhão de beneficiários, passando de 4,7 milhões para 5,9
milhões de beneficiários. As informações são do próprio INSS.
Segundo o INSS, o
processo de revisão envolverá inicialmente o cruzamento de dados para
identificar possíveis irregularidades. Caso haja indícios, os beneficiários
serão notificados e deverão apresentar documentação atualizada em uma agência
do INSS.
Vale destacar que em
2024, a despesa do governo com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é de
apenas R$ 100 bilhões. Já os gastos do governo com o Juros da Dívida Pública,
por exemplo, será de R$ 742 bilhões e a Desoneração da Folha foi de R$546 bilhões.
Os dados são do próprio Governo Federal.
Fonte: Por Cândido Grzybowski, em Outras Palavras/O
Cafezinho
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