Ordens de Bolsonaro, defesa rasa e
trapalhadas no esquema; confira os detalhes do inquérito das joias
O esquema ilegal de
vendas de presentes de luxo oficiais no exterior pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) e seu entorno foi baseado em ordens vindas “de cima”, defesa
“genérica” e até trapalhadas na hora de recuperar os itens milionários,
entregues por autoridades estrangeiras ao Estado brasileiro quando o político
inelegível estava à frente do Palácio do Planalto.
Todas essas
informações foram expostas no relatório final do inquérito da Polícia Federal
(PF) sobre o caso, que ficou conhecido como “escândalo das joias”. O documento
de 476 páginas, assinado pelo delegado Fabio Shor, foi encaminhado ao Supremo
Tribunal Federal (STF) e tornado público pelo relator, ministro Alexandre de
Moraes, nesta segunda-feira (8).
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Confira os principais trechos:
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As ordens de Bolsonaro
De acordo com as
investigações da PF, as ordens para a venda dos presentes oficiais e até a
omissão de registros no sistema de bens do acervo privado de Bolsonaro partiram
diretamente do mesmo, conforme os depoimentos do ex-ajudante de ordens da
Presidência, tenente-coronel Mauro Cid; e do ex-assessor Osmar Crivelatti.
“As declarações
prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador
Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos
demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma
palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da
República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente, subtraídas do acervo público
brasileiro, por determinação do ex-presidente, para serem vendidas ilegalmente
nos Estados Unidos“, escreveu a polícia.
Bolsonaro também teria
dado aval para um leilão de um dos conjuntos de joias que recebeu quando era
presidente. Em mensagens, Cid enviou link do leilão e Bolsonaro respondeu com o
jargão militar “Selva”.
“No dia 04 de
fevereiro de 2023, Mauro Cid envia o link do leilão do kit Rosé da loja Fortuna
Auctions, que iria ocorrer no dia 08 de fevereiro, para o contato “Pr Bolsonaro
2023”, telefone utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Este [Jair
Bolsonaro] responde com o jargão ‘Selva“, apontou o relatório.
Para os agentes, a
ação mostrou a “ciência e anuência [ de Bolsonaro] na tentativa de alienação
ilegal das joias“.
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Defesa rasa
Outras mensagens
analisadas pelos investigadores apontam também que o advogado Frederick Wassef
enviou um áudio a Bolsonaro, em 8 de março de 2023, afirmando a necessidade de
uma defesa “genérica”, para que o caso fosse tratado como fake news.
“Mensagem de massa,
para o povo, para o público. Mensagem de subconsciente, que qual que é?
‘Presidente Bolsonaro é honesto! Agiu na lei! Declarou! Isso é armação e fake
news. Nunca teve um caso de corrupção em quatro anos de governo! Isto é
perseguição política, procurando pelo em ovo!’”, disse Wassef, sobre uma nota
de sua autoria sobre o caso, repercutida na imprensa à época.
“Esta mensagem
simples, curta e grossa é que tem que ir para o público. Sem adentrar em
detalhes, em questões de leis e nem nada porque o povo não tem tempo pra ler e
nem vai entender isso. A mensagem que é um tiro de canhão que nós falamos tudo
que interessava, sem falar nada que compromete a defesa e estratégia de defesa,
está aí. Todos estão elogiando! Todos!”, conclui.
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Operação de recompra
Mauro Cid, que delatou
o caso das joias, inicialmente revelado pelo jornal Estado de S. Paulo, chegou
a apagar mensagens de WhatsApp que havia trocado com o ex-assessor de
Bolsonaro, Marcelo Câmara, sobre a recuperação do que ficou conhecido como “kit
ouro branco”, formado por um anel, abotoaduras, um rosário islâmico e um
relógio da marca Rolex, recebido Bolsonaro em visita oficial à Arábia Saudita
em 2019.
Cid, no entanto,
acabou enviando as mesmas mensagens para uma outra conta pessoal no aplicativo.
“O problema é que essa matéria está falando que se o TCU quiser ir lá vai
encontrar e não vai“, diz Câmara, mostrando preocupação sobre o armazém onde
estaria o acervo privado do ex-presidente, incluindo as joias – que não estavam
lá.
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As trapalhadas de Wassef
Wassef – que acabou
excluído da defesa de Bolsonaro – foi até aos Estados Unidos, onde se encontrou
com o ex-presidente e recuperou o relógio Rolex desviado da União.
Em um áudio enviado
para sua namorada, Wassef conta uma trapalhada envolvendo bolsonaristas, já que
sua intensão não ser notado. “Era assim: um bolinho de gente lá tirando foto
com ele, outro bolo igual tirando foto comigo, foi a coisa mais louca que eu vi
na minha vida, cara. Isso do… isso porque eu tava do outro lado da calçada. De
escondidinho, atrás de um poste pra não ser visto, mas não teve jeito. Puta que
pariu! Fodeu!“, declarou.
Segundo a PF, Wassef
pediu ainda um assento escondido no voo aos EUA para não ser identificado, em
conversa com uma atendente de uma agência de viagens.
“Eu quero ficar
colado. Cabeça, minha cabeça colada na fuselagem, deu pra entender? Ou seja, o
banco, ele tem que tá… ele tem que tá deitado assim: com a cabeça apoiada no
banco e na fuselagem, na parede do avião, olhando pra janelinha. É bem o
contrário. Por favor! Porque, senão, aqueles banco é (sic) uma porcaria, tua
cabeça fica no corredor, todo mundo passa, esbarra, olha pra tua cara e eu não
posso, cara. Eu sou público, eu tenho que tá escondidinho ali“, escreveu em
mensagem de texto.
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Conclusões
A PF concluiu que, no
total, as jóias recebidas por Bolsonaro somam cerca de R$ 6,8 milhões, em
valores atualizados. O montante, no entanto, não considera os bens
pendentes de perícia, além de esculturas douradas de um barco e uma árvore e um
relógio Patek Philippe, que foram vendidos.
Isso não significa que
todo esse dinheiro foi para o bolso do ex-presidente, mas a venda tinha o
objetivo de “enriquecimento ilícito” de Bolsonaro, de acordo com a corporação.
“No sentido de valorar
os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados
pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do
ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas à procedimento pericial,
com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens“,
esclareceu a PF.
Além disso, para a PF,
o desvio dos presentes oficiais também está relacionado à produção de fake news
e ao uso indevido de recursos do Estado.
“Concluindo pela
existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial
entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes
públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e
propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados
por outros fatos nesta Suprem Corte, o que evidencia a conexão probatória com
diversos inquéritos que tramitam no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que
investigam condutas atentatórias à própria Corte, tal como o lnq. 4.781/DF, das
Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por
milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no
Inq 4.874/DF“, escreveu a corporação.
Ontem, o caso foi
enviado para análise da Procuradoria-geral da República (PGR), que terá 15 dias
para se manifestar se apresentará uma denúncia formal contra os envolvidos, se
pedirá novas diligências ou arquivará o caso. Só após isso – e se a Justiça
aceitar a denúncia – é que Bolsonaro e os demais indiciados se tornarão réus.
¨ Inquérito das joias: Bolsonaro dispensava itens públicos “que
não valiam nada”
O inquérito da Polícia
Federal que indiciou Jair Bolsonaro e outras 11 pessoas no caso das joias e
relógios furtados do acervo da Presidência da República que eram enviados ao
exterior para serem vendidos, que teve
seu sigilo levantado na segunda-feira (9) pelo ministro Alexandre de Moraes, do
STF, relator da ação, mostrou como o ex-presidente agia em relação a objetos
que não lhe renderiam dinheiro algum caso fossem negociados.
Numa conversa entre o
tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro,
e um outro assessor do antigo ocupante do Palácio do Planalto, o coronel
Marcelo Câmara, ambos do Exército, em 1° março de 2023, o primeiro explica ao segundo
a razão para Bolsonaro ter dispensado dois objetos aparentemente de valor,
segundo ele itens que “não valiam nada” e que “nem banhados [a ouro] eram”.
“Ele não pegou porque
não valia nada. Então tem, tem... né? Tem aqueles dois maiores: não vale nada.
É, é... Não é nem banhado, é latão. Então meu pai vai, vai levar pro Brasil na
mudança. O outro que tava lá em Nova Iorque, tá lá em Nova Iorque tá descendo
ainda, né? E o resto meu pai não conseguiu sacar tudo. Ele sacou seis, né? E,
depois vai, vai, vai, vai sacando o resto”, diz Cid, aproveitando para
reafirmar que seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena
Cid, vinha auferindo lucro com os objetos de luxo desviados e vendidos e,
assim, entregando dinheiro a Bolsonaro periodicamente.
¨ Bolsonaro e Wassef acertaram nota para enganar "o
povo": "Mensagem de subconsciente [...] é honesto"
Relatório da Polícia
Federal (PF) sobre a Organização Criminosa montada por Jair Bolsonaro (PL) para
furtar e vender joias da União nos EUA mostra que o ex-presidente, juntamente
com os advogados Frederic Wassef e Fabio Wajngarten, montaram uma operação de
guerra para enganar "o povo" e tentar impor uma narrativa
"subconsciente" de que "agiu na lei".
As trocas de mensagens
e telefonemas entre os três foram obtidos por meio da quebra de sigilo
telefônico de Wassef, que foi destacado pela OrCrim para recomprar um Rolex
vendido nos EUA no início de 2023.
Em conversas com
Bolsonaro em 6 de março, Wassef revela que está desesperado com a avalanche de
reportagens "que foram publicadas nos últimos 3 dias para cá, todas tem
meu nome e dizem que não respondi, atendi ou quis me manifestar".
Desesperado, o
ex-presidente envia para Wassef o decreto 4.344, de 26 de agosto de 2002, que
regulamenta os acervos dos presidentes da República.
"Você que é
advogado aí, dá uma olhada nisso aí, nós sublinhamos aí um... pintamos de
amarelo alguma coisa. Pelo que tudo indica, nós temos o direito de ficar com o
material. Dá uma olhada aí", afirma o ex-presidente
Em seguida, Bolsonaro
e os dois advogados tramam a produção de uma nota para responder às reportagens
e, principalmente, para enganar a população.
Wassef, então, envia
uma sugestão de texto e combina com Bolsonaro uma estratégia de defesa
"generalizada sem especificar com detalhe", com o objetivo de enganar
as pessoas e construir uma narrativa a ser disseminada pela horda bolsonarista.
"Presidente, a
nota como está, ela não nos engessa pra nada. Tem abertura pra gente falar de
qualquer pauta, mudar de estratégia a qualquer momento porque é uma nota geral,
generalizada sem especificar com detalhe. Porque se a gente der muito detalhe
se amarra, se prende aquilo. Então, tem que ser exatamente nesse molde, bem por
cima, deixando claro a seguinte mensagem ao povo: Não há ilegalidade! Não
fizemos nada errado! O Presidente agiu dentro da lei! E estão destorcendo!
Ponto! Só pra ter uma outra palavra pra tirar o que eles vão fazer de maldade
contra você", diz Wassef.
Wajngarten, no
entanto, critica a nota, que já havia sido distribuída à imprensa: "se o
Cid já falou em on para quê a nota? Olha o Zoológico", diz a Wassef.
"A nota é
necessária tal como está. Protege a imagem do presidente e não compromete ou
engessa futuras falas, estratégias e depoimentos", rebate Wassef, dando
início a uma troca de acusações com o Wajngarten.
Em meio ao bate-boca
com o colega, Wassef envia mensagem de texto a Bolsonaro dizendo que "a
nota ficou excelente e todos estão elogiando". "Os criminalistas mais
top estão elogiando".
Bolsonaro, então,
respondeu com uma foto sorrindo e é bajulado pelo advogado: "meu herói. O
Brasil com você".
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"Mensagem de subconsciente"
No dia 8 de março,
Wassef volta a demonstrar preocupação com "as centenas de matéria que
explodiram no Brasil inteiro, inclusive, nos Estados Unidos também" e
volta a defender a nota, em uma estratégia para enganar "o povo".
"Então, os
principais jornais do Brasil, Folha de São Paulo, Estadão, Globo, UOL,
Metrópoles, tudo que você imaginar está a nota na íntegra, com as mensagens que
interessam".
Em seguida, Wassef diz
o que quer provocar com a nota.
"Mensagem de
massa, para o povo, para o público. Mensagem de subconsciente, que qual que é?
Presidente BOLSONARO é honesto! Agiu na lei! Declarou! Isso é armação e
fake News! Nunca teve um caso de corrupção em quatro anos de governo! Isto é perseguição
política, procurando pelo em ovo! Esta mensagem simples, curta e grossa é que
tem que ir para o público", afirmou.
O advogado, então,
volta a defender uma estratégia para ludibriar a população "sem adentrar
em detalhes, em questões de leis e nem nada porque o povo não tem tempo pra ler
e nem vai entender isso".
"A mensagem que é
um tiro de canhão que nós falamos tudo que interessava, sem falar nada que
compromete defesa e estratégia de defesa, está aí. Todos estão elogiando!
Todos! Exceto, aqueles que tem ciúmes, inveja, ego, vaidade, querem
protagonismo e ficam atirando nas costas, em verdadeiro fogo-amigo",
emenda, em meio à guerra travada para construir a narrativa bolsonarista.
Bolsonaro é sucinto ao
responder: "ok".
Fonte: Jornal
GGN/Fórum
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