O rock diante das guerras
O tema da guerra
acabou sempre influenciando as artes, na medida em que, diante dos impactos
sobre as pessoas, os artistas se veem afetados pelo sofrimento deixado pelos
diferentes conflitos. Um dos exemplos mais conhecidos dessa representação do
impacto das guerras nas artes possivelmente é o quadro Guernica, feito por
Pablo Picasso, em 1937.
O rock, comemorado
mundialmente no dia 13 de julho, assim como outras expressões musicais, também
não deixou de expressar a época em que suas músicas foram criadas, colocando
reflexões para as mais diversas gerações. Os marcos para exemplificar essa expressão
política poderiam ser vários, como o caso do MC5, com suas diversas provocações
políticas, como na música “The American Ruse” (“O Estratagema Americano”), no
álbum Back In The USA, de 1970. Os primeiros versos mostram muito do recado que
a banca procurava passar:
Eles te contaram na
escola sobre liberdade
Mas quando você tenta
ser livre, eles nunca deixam você
Eles disseram: É
fácil, nada demais
E agora o exército
está atrás de você
O tema da guerra,
especificamente, aparece em diversas letras das mais diferentes bandas, desde o
final da década de 1960. Em “War pigs”, de 1970, a banda Black Sabbath fala em
determinado momento:
Políticos se escondem
Eles só iniciaram a
guerra
Por que eles deveriam
lutar?
Eles deixam esse papel
para os pobres, sim!
Era o contexto da
guerra do Vietnã. Essa passagem procura apontar como os interesses políticos
movem a guerra e como aqueles que se beneficiam com ela mandam inocentes para o
campo de batalha. Essa temática em torno da denúncia daqueles que ficam nos bastidores
comandando a guerra e planejando suas ações aparece também em “Us And Them”
(“Nós e Eles”), do Pink Floyd, lançada em 1973. Em determinado momento da
música, fala-se:
Avançar, ele gritou da
retaguarda
E a linha de frente
foi dizimada
E o general sentou, e
as linhas do mapa
Moveram-se de um lado
para o outro
Esta passagem mostra
particularmente a crueldade da guerra, onde os soldados não passam de objetos a
serem movidos num mapa em que o general faz seus planos. Portanto, como ensina
a teoria da guerra, esta é a política por outros meios. Os governantes que
provocam e se beneficiam com a guerra sequer chegam próximo do campo de
batalha. O Pink Floyd, na mesma música, ironiza: “Você não ouviu? É uma guerra
de palavras”. Nesta passagem novamente os interesses econômicos e políticos são
denunciados, enquanto os governantes se limitam ao discurso demagógico.
O tema da guerra não
deixou o rock na década de 1980. O Iron Maiden levou a público, em 1984, a
música “2 Minutes To Midnight”, na qual falam, em determinado momento:
Enquanto os
responsáveis pela carnificina lhes cortam a carne
E lambem o molho
Nós lubrificamos as
máquina de guerra
Nessa música novamente
se faz denúncia dos interesses que movem a guerra, mostrando como a vida das
pessoas é considerada irrelevante. Como as peças movidas sobre o mapa ou as
pessoas descaracterizadas nas disputas de retórica, a guerra parece ser uma entidade
abstrata.
No decorrer da década,
os temas passaram por algumas mudanças. Em “One”, de 1988, a banda Metallica
traz os traumas deixados pela guerra aos soldados. Fala-se assim:
Agora que a guerra
acabou comigo
Eu estou acordado, eu
não posso ver
Que não resta muito de
mim
Nada é real, a não ser
a dor
Esse trauma deixado
pela guerra pode não ser apenas mental, mas mesmo físico. Na mesma música do
Metallica, em determinado momento fala-se:
Alimentado pelo tubo
enfiado em mim
Como uma novidade do
tempo da guerra
Preso a máquinas que
me fazem respirar
Corte esta vida de mim
Mostra-se aqui
inclusive a perspectiva de não querer essa vida cheia de traumas no corpo e na
mente deixados pela guerra.
Com a chegada da
década de 1990, observa-se também o avanço das guerras que usam a religião como
justificativa demagógica. Essa percepção, trazida no rock diante da primeira
Guerra no Iraque, foi mostrada em uma música do Megadeth, intitulada “Holy
Wars… The Punishment Due” (“Guerras Santas, o Devido Castigo”), de 1990. O tema
é evidenciado na letra:
Irmão matará irmão
Derramando sangue pela
terra
Matando em nome da
religião
Algo que eu não
entendo
O absurdo da guerra é
assim cantado em meio ao peso das guitarras. Essa perspectiva fica ainda mais
explícita em “Civil War”, do Guns N’ Roses, de 1991. Esta música em
praticamente toda sua letra faz críticas à guerra. Ela mostra, entre outros
temas, o impacto sobre a vida das pessoas, como nesta passagem:
Veja seus jovens
lutando
Veja suas mulheres
chorando
Veja seus jovens
morrendo
Da maneira que sempre
fizeram antes
Ela procura mostrar
também o quanto essas ações não resolvem nenhum problema, mas, pelo contrário,
acabam por fomentar ainda mais ódio e inimigos:
Veja o ódio que
estamos criando
Veja o medo que
estamos alimentando
Veja as vidas que
estamos guiando
Da maneira que sempre
fizemos antes
E a música procura
mostrar o verdadeiro caráter da guerra, ou seja, o de representar os interesses
dos ricos e daqueles que ocupam os postos de poder:
E eu não preciso da
sua guerra civil
Ela alimenta os ricos
enquanto enterra os pobres
Você tem fome de
poder, vendendo soldados
Em um mercado humano,
não é uma carne fresca?
Eu não preciso de sua
guerra civil
Mostrando o caráter de
ilusão construída, a música compara o discurso demagógico dos políticos com o
fanatismo religioso:
Porque todos estes
sonhos são deixados de lado
Pelas mãos sangrentas
dos hipnotizados
Que carregam a cruz do
homicídio
E a história carrega
as cicatrizes
De nossas guerras
civis
Outros exemplos
poderiam ser mencionados, como o das bandas Rage Against the Machine e System
of a Down, mas os aqui mencionadas já evidenciam de forma bastante explícita o
papel do rock em sua perspectiva crítica de denúncia às atrocidades de guerra e
aos interesses políticos que colocam em risco a vida de inocentes. Esse caráter
político do rock é algo que carrega desde sua criação e que permanece ainda
hoje.
Fonte: Por Michel
Goulart da Silva, em A Terra é Redonda
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