O que está
por trás do ataque especulativo à moeda brasileira
A
recente disparada do dólar no mercado de câmbio brasileiro já é aceita como um ataque
especulativo ao Real por economistas. As opiniões sobre os motivos são as mais
variadas. “Mensagens truncadas” do Banco Central; dissonância entre falas do
presidente Lula e do ministro Fernando Haddad e “jogo de braço” de grandes
conglomerados financeiros para impor sua pauta ao país.
De
consenso, só a existência de um ataque especulativo em contraponto à ausência
de maiores justificativas diante de uma economia que apresenta variáveis
melhores do que a de anos anteriores, com o PIB crescendo acima do esperado e
indicadores de emprego mostrando recuperação de atividades econômicas.
Um
dos primeiros a usar a expressão ataque especulativo foi o economista André
Perfeito em comentários enviados a clientes. Na opinião dele, que é mestre em
economia política e se destacou por sua atuação no mercado de capitais, o
mercado se posicionou contra o Real “depois de tantas mensagens truncadas” do
Banco Central.
“Não
consigo pensar em outro motivo que não seja a sinalização por parte da
Autoridade Monetária que há uma crise contratada por conta do fiscal”, diz
Perfeito.
André
Roncaglia, professor de economia da Universidade Federal do Estado de São Paulo
- Unifesp concorda com análise e acredita que o BC, em especial seu presidente,
Roberto Campos Neto, não tem feito um bom trabalho de coordenar expectativas.
• Governo pressionado
Só
que para o professor, tudo isto isso já faz parte do ambiente. “Esse é o ponto.
A gente não está numa situação em que essas posições do Banco Central têm sido
entendidas pelo mercado como sendo um problema”, declara.
Para
Roncaglia, a moeda nacional está passando por uma fase especulativa devido a
causas conjunturais e estruturais.
As
estruturais estão relacionadas à sensibilidade do Real aos ciclos de liquidez
internacional. Com o aumento das taxas de juros pelo Banco Central dos EUA, há
uma tendência de desvalorização. Os investidores movem recursos para os Estados
Unidos. Além disso, lembra Roncaglia, a moeda brasileira é vista como uma moeda
commodity que é utilizada em mercados derivativos, o que a torna mais volátil.
Conjunturalmente,
Roncaglia vê nas reclamações de Lula sobre Campos Neto e as discrepâncias entre
os posicionamentos da Fazenda, a geração dos ruídos que intensificam a
especulação.
Mesmo
assim, o professor afirma que isso não justifica alta tão exagerada da moeda
americana frente à brasileira.
Como
pano de fundo, as incertezas sobre a futura presidência do BC e a questão
fiscal criam um cenário pessimista e são usadas pelo mercado para pressionar o
governo.
• O que chamam de mercado é uma centena
de pessoas
“Não
teria nenhum argumento do ponto de vista da economia real, dos fundamentos
macroeconômicos para um movimento como esse”. É assim que o doutor em economia
e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão
Governamental do governo federal, Paulo Kliass, fala sobre o que define como
“uma jogada para ganhar na especulação”.
A
crescente disparada do Dólar frente ao Real, no entendimento de Kliass, é “um
jogo de braço dos grandes conglomerados financeiros que atuam no câmbio para
tentar desgastar o governo Lula”.
A
ironia é que o movimento especulativo acaba responsabilizando também quem
Kliass chama de “queridinho” do mercado, o presidente do BC, Campos Neto.
O
economista faz questão de lembrar que o dito mercado a que se refere não tem
nada de mercado no sentido amplo da palavra.
“Quem
domina as operações no câmbio são grandes conglomerados financeiros que você
conta na ponta dos dedos. No limite, são aqueles que contribuem na pesquisa
Focus publicada semanalmente pelo Banco Central e que ouve 160 pessoas. São
donos de bancos, dirigentes de bancos, diretores de bancos e de instituições
financeiras. Você dizer que isso corresponde ao mercado no sentido das empresas
brasileiras, sejam empresas produtivas, do agronegócio, do setor de serviços de
comércio, está muito longe”, ironiza.
• Quem ganha e quem perde com o ataque
especulativo
Os
principais setores exportadores brasileiros (de commodities) com presença forte
na bolsa de valores (B3), portanto diretamente beneficiados pela alta do dólar
são pela ordem: soja, minério de ferro e seus concentrados, açucares e melaços,
carne bovina fresca, refrigerada ou congelada, farelos de soja e outros
alimentos para animais, celulose, milho não moído e carnes de aves e suas
miudezas comestíveis, frescas, refrigeradas ou congeladas.
Para
Kliass, o governo federal diante do ataque especulativo está numa situação
difícil. “Ele (governo) teria recursos das reservas internacionais que estão
superiores a 350 bilhões de Dólares para se contrapor, mas, de qualquer
maneira, vai ter perda. Agora, o pior dos mundos é continuar o câmbio sendo
desvalorizado, porque isso, no limite provoca aumento do custo dos produtos
importados e pode ter algum efeito inflacionário”.
Como
sempre, destaca o economista, “quem acaba sendo prejudicado é a grande maioria
da população que vive apenas dos seus salários”.
“Só
ganha com este ataque quem vende em Dólar lá fora; quem justamente montou
posição para ganhar dinheiro quando o real é desvalorizado”, explica o
Roncaglia.
Ao
lembrar que o Brasil importa muito, o professor da Unifesp, pontua que a
escalada do Dólar tende a pressionar os preço de medicamentos, maquinários e de
insumos produtivos, entre outros.
“Por
isso que uma preocupação importante é resolver esse problema logo. Se o câmbio
persistir com essa volatilidade, a tendência é isso rapidamente repassar para a
inflação. Se repassar para a inflação, a taxa de juros volta a subir. Voltando
a subir a taxa de juros, volta a anemia econômica, volta todos os problemas que
a gente está reclamando há pelo menos dois anos”, conclui o professor ao
evidenciar o quanto é sensível tudo o que está ocorrendo na variação cambial
dos últimos dias.
• Pedro Venceslau: Tensão entre Lula e
BC leva à alta do dólar
De
acordo com o analista de Política Pedro Venceslau, um dos fatores que levam ao
aumento do dólar frente ao real é a tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) e o Banco Central (BC).
Venceslau
ressaltou que não se trata de uma fala isolada do presidente, mas de uma
estratégia sistemática de críticas ao BC e à figura do presidente da
instituição, Roberto Campos Neto.
Inicialmente,
houve uma tentativa de aproximação entre Lula e Campos Neto, com o presidente
do BC participando de um churrasco com o petista no fim de 2022, ao lado do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. No entanto, essa reconciliação não se
concretizou.
Desde
então, Lula tem insistido em tensionar a relação com o BC, reclamando das
movimentações políticas de Campos Neto, como participar de jantares com o
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).”Se por um lado há uma crítica
de que o presidente tem falado demais sobre o Campos Neto, por outro lado, há
um critica de que Campos Neto tenha feito alguns gestos indicando que sua
presença no Banco Central possa ser contaminada com eventuais articulações
políticas com o campo da direita e a oposição, a parti do momento em que Campos
Neto participa de jantares com o governador Tarcísio de Freitas”, afirmou.
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Ajuste na comunicação
Para
evitar que o dólar continue subindo, Venceslau afirma que o primeiro passo
seria modular as falas do presidente Lula contra o BC. Isso porque esse
tensionamento é apontado como um dos fatores que levam à alta da moeda
americana.
O
analista ressaltou que o próprio ministro Haddad já sinalizou a necessidade de
um ajuste nas comunicações do governo para conter a valorização do dólar. No
entanto, Lula segue insistindo nessa estratégia de críticas ao BC, restando
saber até quando isso continuará, principalmente com a iminente troca no
comando da autoridade monetária.
• Haddad admite alta do dólar e culpa
“ruídos” na comunicação do governo
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que o valor do dólar está alto,
afirmou que o aumento está relacionado a “muitos ruídos” e que o governo
precisa se comunicar melhor. As declarações aconteceram nesta segunda-feira
(1°).
Ao
ser questionado se o dólar está alto, o ministro respondeu: “Está. Apesar da
desvalorização [de outras moedas em relação ao dólar] que tem acontecido no
mundo todo de uma maneira geral, aqui foi maior do que nossos pares, Colômbia,
Chile, México”, afirmou.
Nesta
segunda-feira, o dólar bateu o valor de R$ 5,65 e encerrou a sessão em alta de
1,13%, a maior cotação desde janeiro de 2022.
O
ministro também afirmou que o governo precisa se comunicar melhor e que o
aumento da moeda americana está associado a “muitos ruídos”.
“Atribuo
a muitos ruídos. Já falei isso no Conselhão. Precisa comunicar melhor os
resultados econômicos que o país está atingindo”, complementou o Haddad.
O
ministro também informou que deve se reunir nesta quarta-feira (3) com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tratar sobre as questões
econômicas do governo.
Em
relação ao corte de gastos, o ministro informou que o governo estuda um
contingenciamento e que ele deve ser do tamanho necessário para cumprir o
arcabouço fiscal, mas não detalhou cortes ou medidas específicas.
• Mais de 80% da desvalorização do real
no 1º semestre se deve a causas domésticas, diz estudo
A
alta do dólar nas últimas semanas levou a moeda norte-americana ao maior
patamar em mais de dois anos, se aproximando dos R$ 5,70. Um modelo que mede os
fatores que influenciam a formação do preço do dólar no Brasil indica que mais
de 80% da desvalorização do real no primeiro semestre deste ano se deve a
causas domésticas.
Para
o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e autor do modelo
econométrico que calcula a formação do preço do dólar, o Brasil não está
sofrendo um ataque especulativo.
“Não
há volatilidade, o movimento de depreciação do real é com uma única direção. O
que está acontecendo é uma mudança rápida de patamar por causa do medo, do
aumento da percepção de risco do país”, disse Ribeiro, que também é pesquisador
associado da FGV/Ibre.
Pelo
modelo do economista, seis variáveis são levadas em consideração para medir a
contribuição de cada um deles na precificação do câmbio, estão a cotação
diária, o CDS, medida de risco-país, o DXY, índice do dólar contra uma cesta de
moedas, o CRB, índice de preços de commodities, os juros dos títulos públicos
de 10 anos dos EUA, e a diferença de juros de um ano entre a taxa americana e a
brasileira.
Como
na tabela abaixo indica, entre 29 de dezembro de 2023 e 01 de julho de 2024
mede movimento do dólar contra as principais moedas do mundo (DXY) teve alta de
4,5%, ou seja, um movimento muito mais fraco do que o registrado contra o real.
Levando
todos os fatores do modelo em consideração, a conclusão é de que os fatores
domésticos responderam por 82,16% da alta do dólar no primeiro semestre. Os
fatores externos contribuíram com 26,43% da alta.
“Essa
contribuição nesta intensidade não é usual no modelo que rodamos há mais de 10
anos”, diz Ribeiro.
O
economista explica que o modelo não revela a raiz do movimento cambial, mas que
fica claro ao acompanhar a reação do mercado às falas do presidente Lula mais
recentemente.
Diante
da desvalorização tão intensa dos últimos dias, aumentou a pressão para que o
Banco Central faça intervenções no mercado e estanque a piora.
As
sinalizações do BC dentro do governo são de que não é o momento nem a situação
para intervir, já que não há nenhuma das duas condições que justificariam a
medida: disfuncionalidade do mercado e falta de liquidez.
Livio
Ribeiro concorda que não há razão para o BC intervir no câmbio. Ao contrário,
segundo ele, “se o BC tratar esse movimento com disfuncionalidade, ele admite
que o país está sofrendo um ataque especulativo e aí, sim, teremos um ataque
especulativo. Agora é momento de ficar ‘gelado’ e não reagir”, diz.
Nesta
terça-feira (2) o ministro da Fazenda Fernando Haddad deu o diagnóstico que a
muitos agentes do mercado financeiro têm sobre a crise cambial. Sem citar
diretamente o presidente Lula, Haddad admite que o ruído que tem provocado alta
do dólar está sendo criado pelo próprio governo.
“Ajuste
na comunicação, tanto em relação à autonomia do Banco Central, como o
presidente [Lula] fez hoje de manhã, quanto em relação ao arcabouço fiscal. Não
vejo nada fora disso: autonomia do Banco Central e rigidez do arcabouço fiscal,
é isso que vai tranquilizar as pessoas. É uma questão mais de comunicação do
que qualquer outra coisa”, disse à jornalistas na portaria do ministério da
Fazenda nesta quarta.
Fonte:
ExtraClasse/CNN Brasil
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