'Nunca tantos tiveram tão pouco e tão
poucos concentraram tanta riqueza', diz Lula em evento do G20
Em evento acompanhado
pela Sputnik Brasil, o presidente diz que a fome e a desigualdade são escolhas
políticas e que serão problemas recorrentes se não houver "uma governança
mais efetiva e justa, na qual o Sul Global esteja adequadamente
representado".
O Brasil formalizou
nesta quarta-feira (24) a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada
para a adesão de países do G20. O evento ocorreu no Galpão da Cidadania, região
central do Rio de Janeiro, e foi presidido pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva.
O evento foi
acompanhado pela Sputnik Brasil. Dentre as autoridades presentes estavam o
ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, o ministro substituto da Cultura, Márcio Tavares, o ministro do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington
Dias, e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Lula iniciou seu
discurso afirmando que, ao longo dos séculos, "a fome e a pobreza
estiveram cercadas de preconceitos e interesses" e que "muitos viam
os pobres como um 'mal necessário' e mão de obra barata para produzir as
riquezas das oligarquias".
"Nas últimas
décadas, a globalização neoliberal agravou esse quadro. Nunca tantos tiveram
tão pouco e tão poucos concentraram tanta riqueza. Em pleno século 21, nada é
tão absurdo e inaceitável quanto a persistência da fome e da pobreza, quando
temos à disposição tanta abundância, tantos recursos científicos e tecnológicos
e a revolução da inteligência artificial", disse o presidente.
Ele destacou que o
número de pessoas que passam fome ao redor do mundo aumentou em mais de 152
milhões desde 2019, o que significa que 9% da população mundial, ou seja, 733
milhões de pessoas, estão subnutridas.
Ele frisou que
"subsídios agrícolas em países ricos solapam a agricultura familiar no Sul
Global" e que o protecionismo discrimina contra os produtos de países em
desenvolvimento. Ele acrescentou que a fome não é decorrente apenas de fatores
externos, mas sobretudo uma escolha política.
"Hoje o mundo
produz alimentos mais do que suficiente para erradicá-la. O que falta é criar
condições de acesso aos alimentos. Enquanto isso, os gastos com armamentos
subiram 7% no último ano, chegando a US$ 2,4 trilhões [R$ 13,5 trilhões].
Inverter essa lógica é um imperativo moral de justiça social, mas também
essencial para o desenvolvimento sustentável."
Ele afirmou que a
Aliança Global contra a Fome e a Pobreza nasce no G20, mas é aberta ao mundo e
criticou os sistemas financeiros internacionais por falta de reformas que
aumentassem a participação de países em desenvolvimento nessas entidades.
"Em 22 de julho
de 1944, há exatos 80 anos, encerrava-se a Conferência de Bretton Woods. Desde
então, a arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova
governança econômica não foram lançadas. A representação distorcida na direção
do FMI [Fundo Monetário Internacional] e do Banco Mundial é um obstáculo ao
enfrentamento dos complexos problemas da atualidade. Sem uma governança mais
efetiva e justa, na qual o Sul Global esteja adequadamente representado,
problemas como a fome e a pobreza serão recorrentes."
O presidente também
enfatizou que o combate à desigualdade é uma das prioridades da presidência do
Brasil no G20, e afirmou que "a riqueza dos bilionários passou de 4% do
PIB [produto interno bruto] mundial para quase 14% nas últimas três décadas".
"Alguns
indivíduos controlam mais recursos do que países inteiros. Outros possuem
programas espaciais próprios. Vários países enfrentam um problema parecido. No
topo da pirâmide, os sistemas tributários deixam de ser progressivos e se
tornam regressivos. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos
do que a classe trabalhadora", disse o presidente.
Ele afirmou que, para
corrigir isso, o Brasil tem insistido no tema da cooperação internacional para
desenvolver padrões mínimos de tributação global, fortalecendo as iniciativas
existentes e incluindo os bilionários.
O combate à
desigualdade também foi abordado no discurso do ministro Fernando Haddad, que
afirmou que uma forma de mobilizar recursos para o combate à fome e à pobreza
"é fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em
impostos".
"A nosso pedido,
o economista Gabriel Zucman preparou um estudo mostrando que se os bilionários
pagassem o equivalente a 2% de sua riqueza em impostos, poderemos arrecadar de
US$ 200 a US$ 250 bilhões [de R$ 1,1 a R$ 1,4 trilhão] por ano. Ou seja, aproximadamente
cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao
enfrentamento à fome e à pobreza em 2022", disse o ministro.
Antes do lançamento da
aliança, o ministro Mauro Vieira fez um discurso de abertura do evento, no qual
afirmou que em 2023 os países que integram a Organização das Nações Unidas
(ONU) chegaram à metade do período da Agenda 2030, lançada pela organização para
impulsionar o desenvolvimento sustentável. Porém, ele alertou que "não só
estamos atrasados, como até recuamos na consecução de muitos dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável [ODS], como a erradicação da pobreza e da
fome".
"O mundo está
cada vez mais desigual. O 1% mais rico do mundo ficou com quase 2/3 de toda a
riqueza gerada desde 2020, segundo dados da Oxfam. Os 10% mais ricos são
responsáveis por metade das emissões de carbono no planeta. Em 2020, vimos um
aumento da desigualdade global pela primeira vez em décadas, com incremento de
0,7% do Índice de Gini global", disse o ministro.
Posteriormente, o
ministro Wellington Dias concedeu uma coletiva sobre a apresentação do
relatório "O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo
2024", na qual afirmou que o Brasil poderá sair do Mapa da Fome daqui a
dois anos.
"Hoje eu digo com
segurança que, no caminho em que estamos, é possível, dentro deste governo do
presidente Lula, até 2026, sair do Mapa da Fome", afirmou o ministro ao
apresentar os dados do relatório.
Ao final do evento,
países do G20 aprovaram e endossaram o lançamento da aliança, dando aval a seus
documentos constitutivos.
¨ Fortalecimento do BRICS faz G7 entender que deve discutir com os
outros, diz Celso Amorim
Durante o States of
the Future (Estados do Futuro), evento paralelo do G20 realizado no Rio de
Janeiro nesta quarta-feira (24), Celso Amorim, assessor especial da Presidência
da República para assuntos internacionais, destacou a necessidade da integração
sul-americana e a ascensão do BRICS como novo polo da governança global.
Para Celso Amorim, se
o Brasil quiser ter alguma influência no mundo, será preciso "fortalecer a
integração da América do Sul".
Segundo o diplomata, o
futuro da geopolítica global passará pela integração das regiões em blocos
geoeconômicos. "Os Estados Unidos são um bloco em si mesmo, a União
Europeia é um bloco por definição, a China é um bloco em si mesma, a Índia vai
ser um bloco em si mesma em poucos anos."
"O Brasil é um
país grande, muito respeitado, mas o Brasil não é um bloco […]. Se nós
quisermos ter uma influência no mundo, [precisamos] fortalecer a integração da
América do Sul."
O assessor especial
para assuntos internacionais da Presidência afirmou que não descarta uma maior
integração com a América Latina como um todo, mas é preciso encarar a realidade
de que na outra ponta do continente estão os Estados Unidos, que exercem forte
influência sobre o México.
Participando de uma
discussão com Jorge Castañeda, ex-secretário de Relações Exteriores do México,
Amorim foi lembrado de uma frase cunhada por Porfirio Díaz, ex-presidente do
México: "Pobre do México, tão longe de Deus, tão próximo dos Estados Unidos",
afirmou Amorim.
O diplomata, contudo,
sublinhou que a integração sul-americana será um trabalho árduo, uma vez que o
continente está "desorganizado", como pode ser visto através do
esvaziamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e dos ataques políticos
lançados pelo presidente da Argentina, Javier Milei, ao seu homólogo
brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
"Esse será o
nosso grande desafio. E é um desafio tão grande, porque eu também nunca vi a
América do Sul, desde a democratização, tão desorganizada, tão sem olhar um
para o outro."
Realizado pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com os
ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, das Relações
Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o States of
the Future visa reimaginar a atuação do Estado frente aos novos desafios do
século XXI, como as mudanças climáticas e a ascensão das economias emergentes.
BRICS fortalecem o G20
A formação de blocos
reflete a transformação do mundo, que se torna cada vez mais multipolar e
representativo, disse Amorim. "O próprio fórum do G20 é já um começo de
mudança da governança global."
"Se nós formos
pensar antes da crise de 2008, não havia nada parecido com o G20. Havia o G20
lá no FMI [Fundo Monetário Internacional], mas que não tinha influência alguma,
não iam nem sequer os ministros. Era um G20 abstrato."
"Se você olhar o
G20, se ele ficar um pouquinho menos europeu e um pouquinho mais africano, e
tiver uma representação adequada dos países pequenos — porque eles não estão
representados —, ele seria razoavelmente correspondente ao que deve ser o mundo
de hoje, o que deve ser a governança [global]."
No pós-Segunda Guerra,
quem decidia os rumos mundiais era o G7, "mais especificamente os Estados
Unidos". No entanto a realidade da mudança geoeconômica se impôs, afirmou
o assessor especial.
"Eu estava do
lado do presidente Lula quando o presidente [George W.] Bush propôs a criação
do G20. Não se pode dizer que o presidente Bush fosse um presidente reformista.
Foi uma imposição da realidade."
O segundo painel da
tarde contou com a presença de autoridades globais, como Michelle Bachelet,
ex-presidente do Chile; Tonika Sealy-Thompson, embaixadora de Barbados no
Brasil; Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania; Epsy
Campbell Barr, presidente do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre
Afrodescendentes; e Carlos Correa, diretor-executivo da organização
intergovernamental The South Centre, além de Celso Amorim.
De acordo com o
diplomata, por trás da ascensão do G20 como fórum de discussão dos rumos
globais está o BRICS, grupo de países de economias emergentes que, juntos, já
detêm uma parcela do PIB mundial maior que a dos países do G7.
"É o
fortalecimento do BRICS que leva os países do G7 a entenderem que eles têm que
discutir com os outros."
"Hoje circulou na
ONU, não é uma proposta de resolução, é apenas a circulação de um documento,
mas um projeto do Brasil e da China com relação à Ucrânia", exemplificou.
"É o Sul querendo se meter em assuntos que eram tipicamente do Norte."
Fonte: Sputnik Brasil
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