Marina Amaral: ‘Em um país onde os homens
assediam, estupram e matam, o machismo também condena as vítimas’
A cada seis minutos
uma mulher ou menina é estuprada no país. Na grande maioria dos casos – 76% –,
são estupros de vulneráveis, em que as vítimas são menores de 14 anos ou
incapazes de consentir por deficiência ou doença. Os dados são do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública 2024, divulgado ontem (18/7), que registrou
também 1.467 mulheres vítimas de feminicídio em 2023 (75% cometidos por
companheiros ou ex-companheiros).
Ainda assim,
permanecem as dificuldades para que meninas e mulheres grávidas de estupro
realizem o aborto legal, apesar da determinação do STF que, em maio, derrubou
recomendação do Conselho Federal de Medicina inviabilizando o aborto legal
acima de 22 semanas.
Nem a ordem do
ministro Alexandre de Moraes, que no dia 19 de junho deu prazo de 48 horas para
que os hospitais paulistas provassem que estão cumprindo a lei e realizando o
procedimento, surtiu efeito. A intimação se deveu ao fechamento do serviço de
aborto legal pela prefeitura de São Paulo – sob falsos pretextos, como revelou
a Agência Pública – do Hospital Nova Cachoeirinha, a unidade com o maior número
desses atendimentos no país.
No dia 21 de junho,
depois, portanto, da ordem de Moraes, uma mulher vítima de estupro procurou,
sem sucesso, o serviço de aborto legal no Hospital Campo Limpo, que é um dos
quatro hospitais municipais que realizariam o procedimento, segundo a
prefeitura informou ao STF. O direito ao aborto legal ainda seria negado três
vezes (em dois hospitais municipais e um estadual) até a vítima ser encaminhada
ao Hospital São Paulo (que é federal), onde finalmente foi atendida no dia 30
de junho.
O STF, porém, tão
criticado por exagerar em outras medidas, até agora não tomou nenhuma atitude
em relação a essa contumaz violação de direitos – e de suas próprias ordens.
Há falhas ainda
maiores no Judiciário, que deveria não apenas punir, mas prevenir a violência
sexual, principalmente em relação às crianças. Um dos muitos casos, esse
recente, veio à tona na quarta-feira passada (17), quando o desembargador Luís
César de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná, foi suspenso do
cargo pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Em audiência, no dia 3
de julho, que analisava o assédio de um professor a uma menina de 12 anos, o
desembargador Espíndola votou contra o pedido de medida protetiva feito pela
vítima, disse que não iria “estragar a vida do professor” e afirmou: “Quem está
assediando, quem está correndo atrás dos homens, são as mulheres, essa é a
realidade, as mulheres estão loucas atrás dos homens”. O desembargador foi
condenado no ano passado por violência doméstica contra a irmã e a mãe.
A punição claramente
insuficiente ao desembargador misógino – um afastamento temporário sem prejuízo
para seus polpudos rendimentos – revela a que ponto chega a naturalização do
machismo e o privilégio dos juízes, especialmente nas instâncias superiores.
Como disse a jurista
Eloísa Machado, professora da Fundação Getulio Vargas ao podcast Café da Manhã,
“se é verdadeira a afirmação de que a gente tem racismo estrutural no sistema
de justiça, também é verdade quando a gente diz que tem um tipo de machismo
estrutural entranhado no Poder Judiciário”. Um machismo que “influencia, sim, a
maneira de julgar”, como explicitou a jurista.
Aliás, vale lembrar:
também são as mulheres e meninas negras a maioria das vítimas de violência
sexual e feminicídio.
Se não podemos confiar
no Congresso – que deve votar no segundo semestre o PL do Estupro, que equipara
o aborto acima de 22 semanas ao homicídio –, maior risco representa ainda a
contaminação do Judiciário pelo racismo e machismo – que vai dos tribunais à
polícia, esta sempre pronta a desestimular e menosprezar as vítimas de
violência sexual e doméstica como assinala, mais uma vez, o Anuário deste ano.
A igualdade entre as
pessoas, independentemente de gênero, cor da pele ou orientação sexual, é
garantida pela Constituição como direito fundamental. Os “guardiões da
democracia” parecem não lhe dedicar a devida atenção.
PS. Esse texto, de
minha inteira responsabilidade, foi inspirado por nossa reunião de Conselho, em
especial por Fabiana Moraes.
• Perdoo os assassinos de minhas filhas,
mas não os policiais que compartilharam fotos no WhatsApp. Por Emma Barnett
A mãe de duas mulheres
que foram assassinadas disse que perdoou o assassino, mas não perdoou dois
policiais que tiraram fotos dos corpos delas.
Mina Smallman disse ao
programa Today da BBC Radio 4 que não sente "ódio" pelo homem que
matou suas filhas, Nicole Smallman e Bibaa Henry, em junho de 2020.
No entanto, ela
afirmou que os policiais (membros da Polícia Metropolitana de Londres) que
enviaram fotos dos corpos para um grupo de WhatsApp "violaram" as
vítimas – e por essa razão, ela não os perdoou.
"Obviamente, o
que eles fizeram não foi tão ruim quanto matar," disse Smallman.
De acordo com
Smallman, a ação dos policiais violou ainda mais suas filhas.
"Por causa disso
- eles eu não perdoei."
Mina Smallman,
ativista pela segurança das mulheres, disse que a polícia precisa levar mais a
sério a radicalização misógina online dos jovens homens.
"Muito disso se
acelerou durante o lockdown... [os jovens foram expostos] a diálogos que
sugerem que, se você não consegue uma namorada, é porque as mulheres se
tornaram mais dominantes e os homens perderam seu lugar na sociedade."
"Essa é a
radicalização que está acontecendo com nossos jovens homens, alimentando ainda
mais os que odeiam e dando-lhes as ferramentas para ferir as mulheres em suas
vidas."
Apesar do tratamento
que suas filhas receberam dos policiais da Met, ela disse que ainda tem fé na
polícia.
"A maioria dos
policiais são boas pessoas."
Mas ela acrescentou
que a Met precisa de reformas, razão pela qual ela está "trabalhando
com" as autoridades para "garantir que tenhamos a força policial que
merecemos."
No início deste mês,
ela pediu que mais policiais negros fossem destacados em Londres, aparecendo no
lançamento da Aliança pela Responsabilização Policial (APA), um grupo de
entidades que combate o racismo e a misoginia na polícia.
Nicole Smallman, de 27
anos, e Bibaa Henry, de 46, foram mortas a facadas por Danyal Hussein em junho
de 2020.
Os policiais Jamie
Lewis e Deniz Jaffer foram designados a proteger a cena do crime em Wembley,
onde as duas irmãs foram encontradas. Eles tiraram fotos dos corpos e as
descreveram como "pássaros mortos" em um grupo de WhatsApp, crime
pelo qual foram condenados a 33 meses de prisão cada um.
Mina Smallman disse
que, quando os dois homens foram libertados, ela tentou suicídio, incidente que
descreve em seu livro "Um Amanhã Melhor: Lições de Vida em Esperança e
Força."
"Eu simplesmente
pensei: 'Eu não quero estar aqui.'
"Já tive o
suficiente. E sim - eu tentei suicídio."
• 'Vivi o luto todo novamente'
Comentando sobre o
recente ataque com besta que matou Carol, Hannah e Louise Hunt, esposa e duas
filhas de John Hunt, da BBC, Smallman disse que "revive a dor
novamente".
"Isso só me faz
voltar ao dia em que me disseram que [minhas filhas] estavam mortas.
"Agora eu
lamento, por elas, por nós e pela família.
"A vida deles
nunca mais será a mesma."
Smallman conhece a mãe
de Sarah Everard, que foi estuprada e assassinada por um policial da Met.
"Quando eu falo
com essas mães, elas estão tão despedaçadas, realmente destruídas. E elas são
gratas a mim, porque sabem que estou falando por todas nós."
• Lira diz que líderes da Câmara erraram
com o projeto que equipara aborto a homicídio
O presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que os líderes partidários da Casa
se enganaram ao pautar a urgência do projeto de Lei que equipara o aborto ao
homicídio. Segundo o alagoano, o foco da discussão deveria ser a assistolia
fetal, que é o procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde para
abortos legais acima de 22 semanas.
Devido à confusão, a
Câmara como um todo optou por recuar no debate e reiniciá-lo com calma, disse
Lira, nesta sexta-feira, 19. Quando o texto teve sua urgência aprovada, em 12
de junho, Lira tornou-se alvo preferencial das reações negativas da sociedade
civil.
“Para não se impor uma
visão que às vezes não é correta, se recuou, se colocou e se colocará uma
relatora mulher equilibrada, nem de um lado, nem de outro, com várias
discussões, audiências públicas, seminários, congressos, conduzidos pela
bancada feminina a respeito da assistolia [fetal], não do que nós temos de
legislação para aborto, porque isso não passa no Congresso”, afirmou, em
entrevista à GloboNews.
Segundo o projeto de
lei, a pena para a mulher que interromper uma gestação com mais de 22 semanas é
de seis a 20 anos de prisão. Hoje a pena para estupro é de seis a 10 anos de
prisão, ampliada para até 12 anos caso o crime envolva violência grave. Se a
vítima for menor de 14 anos ou considerada vulnerável por algum outro motivo
(como deficiência mental), a lei prevê reclusão de oito a 15 anos, ampliada a
no máximo 20 anos se houver lesão corporal grave.
Em 18 de junho, Lira
anunciou a formação de uma “comissão representativa” para debater o tema do
aborto. Ele não especificou como o grupo será formado e informou que o seu
funcionamento será decidido em agosto. A proposta ainda não recebeu mais
detalhes.
Fonte: Agencia
Pública/BBC Radio 4/IstoÉ
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