segunda-feira, 8 de julho de 2024

Mãe dá chiclete de nicotina para adolescente parar de fumar vape; jovem está com enfisema aos 16

Ana* encontrou um cigarro eletrônico na mochila de sua filha, uma adolescente de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio de uma das escolas de alto padrão mais tradicionais de São Paulo.

➡️ Cigarro eletrônico, também conhecido como vape ou pod, é um aparelho que aquece um líquido que se transforma em vapor e é tragado pelo usuário. A concentração de nicotina chega a ser 50 vezes maior do que a de um cigarro tradicional. Apesar de o produto ser encontrado em lojas, a venda é proibida no Brasil.

🔎 Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) com adolescentes de 53 países de Europa e Ásia Central e do Canadá mostrou que aos 13 anos, 16% dos adolescentes já haviam usado vape. Aos 15 anos, este percentual sobe para 32%.

A filha de Ana disse que queria parar de fumar. Sem saber o que fazer, a mãe comprou chiclete de nicotina.

“Foi um desespero, na verdade, foi tipo ‘o que eu faço agora?’ Comprei e falei para ela me dizer se faz efeito ou não."

O médico Paulo César Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), ressalta que o uso da goma de nicotina deve ser feito apenas com supervisão médica.

·        O risco é uma superdosagem de nicotina.

"Um perigo muito grande, quando o médico prescreve a reposição de nicotina, é que tem que ficar claro que a pessoa não pode utilizar cigarro eletrônico", alertou Corrêa.

A filha de Ana disse para a mãe que conseguiu parar com o vape usando o chiclete.

No começo de junho, porém, teve uma recaída em uma festa. Nos dias seguintes, uma tosse persistente assustou a mãe, que a levou ao médico.

Resultado: a tomografia do pulmão apontou o início de um enfisema pulmonar – doença tratável, mas sem cura, que destrói gradualmente as células do pulmão e é mais frequente a partir dos 40 anos (veja no infográfico abaixo).

“Eu fiquei bem assustada com a tomografia dela, um enfisema que a gente não costuma ver em uma menina de 16 anos”, conta a pneumopediatra Marina Buarque de Almeida.

📋 Dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, mostram que pacientes de 15 a 19 anos representaram 0,6% das internações por enfisema nos últimos 16 anos.

A filha de Ana, que nunca havia tido problemas respiratórios, agora faz uso regular de bombinha para asma e "vai ficar sem festa por um tempo”, afirmou a mãe.

·        Uso precoce do vape

Marina Buarque atua como pneumopediatra há 26 anos. Nos últimos, passou perguntar sobre o uso do vape quando o paciente tem mais de 11 anos.

“Está muito normalizado entre eles o uso, e isso me preocupa”, afirma.

O primeiro caso que a especialista atendeu em consequência do uso do cigarro eletrônico foi em 2019, quando um adolescente de 13 anos deu entrada na emergência do Hospital Sírio-Libanês com insuficiência respiratória.

O diagnóstico apontou Evali, sigla em inglês que significa lesão pulmonar associada ao uso de produtos de cigarro eletrônico, doença inflamatória que causa insuficiência respiratória.

Marina diz que chegam pacientes cada vez mais jovens com problemas relacionados ao uso de cigarros eletrônicos.

Antes, eram do ensino médio. Agora, há alunos do ensino fundamental, que têm entre 11 a 14 anos.

“A indústria do tabaco deve estar muito feliz, porque ela sabe que o cara que começa a fumar com 12, 13 anos, estatisticamente tem uma chance muito maior de se perpetuar tabagista ao longo da vida”, afirma a médica.

Nessa faixa etária estão dois irmãos, uma menina de 12 e um adolescente de 14, que o pneumologista Fred Fernandes, membro da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, recebeu em junho em seu consultório em São Paulo. Os dois estavam com sintomas de abstinência de nicotina.

A mãe contou que os filhos começaram a apresentar dificuldade de concentração, ansiedade, e ficaram irritadiços após a escola atuar contra o uso do vape.

O médico receitou goma de nicotina. “Orientei para tentar diminuir esses sintomas”, diz Fernandes.

·        Orientação médica

Paulo César Corrêa, que coordena a Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), conta ter receitado a goma para mais de 10 adolescentes com dificuldades para abandonar o vape que atendeu em seu consultório, em Belo Horizonte (MG).

“A vantagem da goma é que ela é uma forma rápida de melhorar a fissura da pessoa”, explica.

Antes de iniciar o tratamento, o especialista estabelece o que chama de Dia D para a mudança, a partir do qual o paciente não deve mais usar cigarro eletrônico. O especialista aconselha os pacientes a verificar bolsas, casacos e gavetas antes desse dia e descartar qualquer dispositivo que possa estar ao alcance.

Corrêa esclarece ainda que o tratamento com a goma precisa ser associado a outras medidas, como terapia comportamental.

“Você está mexendo com a dependência química. A outra coisa é a dependência comportamental, que é todo o gestual de fumar, e a dependência psicológica", diz João Paulo Lotufo, coordenador do projeto antitabagismo do Hospital Universitário da USP.

Em alguns casos, é preciso medicação.

·        Vício rápido e armadilhas do vape

Com aromas e sabores e a falsa percepção de que é apenas um vapor de água, os cigarros eletrônicos são extremamente atrativos para os adolescentes, explica Paulo Côrrea.

Lotufo, da USP, afirma que os vapes têm causado dependência de nicotina em pessoas cada vez mais jovens. “Os problemas de saúde gerados pelo cigarro vão acontecer também, mas pelo vape estão acontecendo mais precocemente”, alerta.

*nome fictício para proteger a identidade da filha da entrevistada.

 

¨      Vape vicia? Tem nicotina? Pode causa câncer? Veja perguntas e respostas sobre cigarros eletrônicos

Os vapes, como são conhecidos os cigarros eletrônicos, vão seguir com a venda proibida no Brasil. Foi o que decidiu a Anvisa. A regra vai contra a pressão da indústria, que pedia a liberação da comercialização sob o argumento de que eles são menos nocivos é uma opção para quem quer parar de fumar. Mas, o que dizem os especialistas?

Abaixo, nesta reportagem, o g1 preparou uma lista de perguntas e respostas sobre os cigarros eletrônicos para te ajudar a entender o que baseou a discussão no Brasil e o que diz a ciência sobre o assunto.

<><> Cigarros eletrônicos são melhores que cigarro comum?

  • O que diz a indústria

A indústria argumenta que os cigarros eletrônicos funcionam como "redução de danos" para quem já fuma cigarro comum. Ou seja, de que são uma forma menos prejudicial de acesso à nicotina para pessoas viciadas. Para isso, apresentam um relatório feito pelo King's College, do Reino Unido, que diz que vaporizadores são 95% menos prejudiciais que o cigarro comum.

O documento chega a essa conclusão a partir de uma revisão de artigos publicados e de pesquisas feitas anteriormente por outros institutos com pessoas que usaram cigarro eletrônico, mas durante um curto prazo.

  • O que dizem médicos e especialistas

As instituições de saúde e pesquisadores apontam que não há evidência científica que demonstre que o cigarro eletrônico é efetivo como contenção de danos.

Reforçam ainda que há menos tempo no mercado, ele já demonstrou seu potencial de risco com a evali – uma lesão pulmonar que pode levar à morte em um curto espaço de tempo e é causada pelas substâncias presentes nos vapes.

Essa classificação de risco é uma falácia que não tem qualquer evidência científica. Pudemos ver isso com a crise nos Estados Unidos com pessoas morrendo por doenças associadas aos vapes. Precisamos lembrar que é um dado que vem de uma indústria que, quando apresentou o cigarro tradicional, jurou que a nicotina não viciava. Como podemos confiar? — André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

O médico e coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB, Ricardo Meireles, explica que não existe redução de danos para o tratamento do tabagismo, que mata cerca de 400 pessoas por dia no Brasil. A única forma é cessar o uso de qualquer fumo.

“Não existe redução de danos no tabagismo. Estamos vivendo agora o que vivemos um século atrás, quando o cigarro começou a circular. No começo, as pessoas não sabiam que o cigarro fazia mal e foram muitas mortes até que soubéssemos a verdade. Hoje, o cigarro eletrônico está no mercado há poucos anos e já tem uma doença para chamar de sua, que é a evali. Não podemos deixar a história se repetir”, explica.

<><> Os cigarros eletrônicos viciam?

  • O que diz a indústria

Os cigarros eletrônicos têm nicotina e ela é a responsável pelo vício do tabagismo. No site da Philip Moris, por exemplo, há uma série de perguntas e respostas sobre o produto, ao clicar na questão “vaporizar vicia?” você é levado a um texto que, na verdade, traz a resposta para “a nicotina é ruim para você?”. No texto, a empresa diz:

“A nicotina é viciante e não é isenta de riscos. No entanto, são os elevados níveis de substâncias químicas nocivas libertadas quando o tabaco é queimado – e não a nicotina – que são a principal causa das doenças relacionadas com o tabagismo”.

Ou seja, não há uma resposta clara do setor sobre o risco de vício.

  • O que dizem os médicos, entidades e especialistas

A nicotina é uma substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, não há quantidade segura para o consumo. Segundo os especialistas, é por causa da nicotina que as pessoas viciam no cigarro.

Os vapes têm sal de nicotina, o que faz com que o composto seja entregue em concentrações até vinte vezes maiores no corpo.

Ou seja, fumar a carga de um cigarro eletrônico no formato de pen drive, pode equivaler a fumar 20 cigarros convencionais.

Um dos pontos levantados na análise técnica da Anvisa é de que a forma como são apresentados, com aromas e sabores, enganam a percepção de quem fuma sobre o vape ter nicotina e seu potencial de vício.

O cigarro eletrônico tem a nicotina em forma de sal, isso entrega mais nicotina e, por isso, tem um potencial muito mais viciante que o cigarro normal. Os relatos são de pessoas que começam com algumas baforadas e perdem o controle sobre o uso. Ou seja, a indústria diz que é mais seguro, mas na verdade está colocando a pessoa em uma armadilha para que ela se torne dependente química.

— André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisologia (SBPT), diz que a forma como é feita a divulgação e o próprio produto interfere na percepção de quem usa de que aquilo é um cigarro e tem nicotina.

“Esses dispositivos têm uma concentração de nicotina muito alta. Com sabores e aromas, eles estão chegando nos adolescentes que são muito mais impactados por esse alto teor de nicotina. Os vapes estão criando uma legião de viciados muito precoces”.

<><> O vape pode causar câncer?

  • O que diz a indústria

O fumo no cigarro eletrônico não funciona pela queima e sim pela vaporização. Com isso, a indústria alega que não há monóxido de carbono e, portanto, menos risco já que seria essa a substância causadora das doenças relacionadas ao tabagismo.

  • O que dizem os médicos e especialistas

Há milhares de tipos de cigarros eletrônicos no mercado e cada um com uma composição, o que dificulta saber o que, especificamente, há nos vapes. Não há estudos que relacionem o vape com o câncer, apesar disso, os médicos apontam que há mais de duas mil substâncias nos cigarros eletrônicos e várias delas tóxicas e cancerígenas como: glicerol, propilenoglicol, formaldeído, o acetaldeído, a acroleína e a acetona.

 

Fonte: g1

 

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