Mãe dá chiclete de nicotina para
adolescente parar de fumar vape; jovem está com enfisema aos 16
Ana* encontrou um
cigarro eletrônico na mochila de sua filha, uma adolescente de 16 anos,
estudante do 2º ano do ensino médio de uma das escolas de alto padrão mais
tradicionais de São Paulo.
➡️ Cigarro eletrônico, também
conhecido como vape ou pod, é um aparelho que aquece um líquido que se
transforma em vapor e é tragado pelo usuário. A concentração de nicotina chega a ser 50 vezes maior do
que a de um cigarro tradicional. Apesar de o produto ser encontrado em lojas, a venda é proibida no Brasil.
🔎 Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) com
adolescentes de 53 países de Europa e Ásia Central e do Canadá mostrou que aos
13 anos, 16% dos adolescentes já haviam usado vape. Aos 15 anos, este
percentual sobe para 32%.
A filha de Ana disse
que queria parar de fumar. Sem saber o que fazer, a mãe comprou chiclete de
nicotina.
“Foi um desespero, na
verdade, foi tipo ‘o que eu faço agora?’ Comprei e falei para ela me dizer se
faz efeito ou não."
O médico Paulo César
Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira
de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), ressalta que o uso da goma de nicotina deve
ser feito apenas com supervisão médica.
·
O risco é uma superdosagem de nicotina.
"Um perigo muito
grande, quando o médico prescreve a reposição de nicotina, é que tem que ficar
claro que a pessoa não pode utilizar cigarro eletrônico", alertou Corrêa.
A filha de Ana disse
para a mãe que conseguiu parar com o vape usando o chiclete.
No começo de junho,
porém, teve uma recaída em uma festa. Nos dias seguintes, uma tosse persistente
assustou a mãe, que a levou ao médico.
Resultado: a
tomografia do pulmão apontou o início de um enfisema pulmonar –
doença tratável, mas sem cura, que destrói gradualmente as células do pulmão e
é mais frequente a partir dos 40 anos (veja no infográfico abaixo).
“Eu fiquei bem
assustada com a tomografia dela, um enfisema que a gente não costuma ver em uma
menina de 16 anos”, conta a pneumopediatra Marina Buarque de Almeida.
📋 Dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, mostram que pacientes
de 15 a 19 anos representaram 0,6% das internações por enfisema nos últimos 16
anos.
A filha de Ana, que
nunca havia tido problemas respiratórios, agora faz uso regular de bombinha
para asma e "vai ficar sem festa por um tempo”, afirmou a mãe.
·
Uso precoce do vape
Marina Buarque atua
como pneumopediatra há 26 anos. Nos últimos, passou perguntar sobre o uso
do vape quando o paciente tem mais de 11 anos.
“Está muito
normalizado entre eles o uso, e isso me preocupa”, afirma.
O primeiro caso que a
especialista atendeu em consequência do uso do cigarro eletrônico foi em 2019,
quando um adolescente de 13 anos deu entrada na emergência do Hospital
Sírio-Libanês com insuficiência respiratória.
O diagnóstico
apontou Evali,
sigla em inglês que significa lesão pulmonar associada ao uso de produtos de
cigarro eletrônico, doença inflamatória que causa insuficiência
respiratória.
Marina diz que chegam
pacientes cada vez mais jovens com problemas relacionados ao uso de cigarros
eletrônicos.
Antes, eram do ensino
médio. Agora, há alunos do ensino fundamental, que têm entre 11 a 14 anos.
“A indústria do tabaco
deve estar muito feliz, porque ela sabe que o cara que começa a fumar com 12,
13 anos, estatisticamente tem uma chance muito maior de se perpetuar tabagista
ao longo da vida”, afirma a médica.
Nessa faixa etária
estão dois irmãos, uma menina de 12 e um adolescente de 14, que o pneumologista
Fred Fernandes, membro da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia,
recebeu em junho em seu consultório em São Paulo. Os dois estavam
com sintomas de abstinência de nicotina.
A mãe contou que os
filhos começaram a apresentar dificuldade de concentração, ansiedade, e ficaram
irritadiços após a escola atuar contra o uso do vape.
O médico receitou goma
de nicotina. “Orientei para tentar diminuir esses sintomas”, diz Fernandes.
·
Orientação médica
Paulo César Corrêa,
que coordena a Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia (SBPT), conta ter receitado a goma para mais de 10
adolescentes com dificuldades para abandonar o vape que atendeu em seu
consultório, em Belo Horizonte (MG).
“A vantagem da goma é
que ela é uma forma rápida de melhorar a fissura da pessoa”, explica.
Antes de iniciar o
tratamento, o especialista estabelece o que chama de Dia D para a mudança, a
partir do qual o paciente não deve mais usar cigarro eletrônico. O especialista
aconselha os pacientes a verificar bolsas, casacos e gavetas antes desse dia e
descartar qualquer dispositivo que possa estar ao alcance.
Corrêa esclarece ainda
que o tratamento com a goma precisa ser associado a outras medidas, como
terapia comportamental.
“Você está mexendo com
a dependência química. A outra coisa é a dependência comportamental, que é todo
o gestual de fumar, e a dependência psicológica", diz João Paulo Lotufo,
coordenador do projeto antitabagismo do Hospital Universitário da USP.
Em alguns casos, é preciso
medicação.
·
Vício rápido e armadilhas do vape
Com aromas e sabores e
a falsa percepção de que é apenas um vapor de água, os cigarros eletrônicos são
extremamente atrativos para os adolescentes, explica Paulo Côrrea.
Lotufo, da USP, afirma
que os vapes têm causado dependência de nicotina em pessoas cada vez mais
jovens. “Os problemas de saúde gerados pelo cigarro vão acontecer também, mas
pelo vape estão acontecendo mais precocemente”, alerta.
*nome
fictício para proteger a identidade da filha da entrevistada.
¨ Vape vicia? Tem nicotina? Pode causa câncer? Veja perguntas e
respostas sobre cigarros eletrônicos
Os vapes, como são
conhecidos os cigarros eletrônicos, vão seguir com a venda proibida no
Brasil. Foi o que decidiu a Anvisa. A regra
vai contra a pressão da indústria, que pedia a liberação da comercialização sob
o argumento de que eles são menos nocivos é uma opção para quem quer parar de
fumar. Mas, o que dizem os especialistas?
Abaixo, nesta
reportagem, o g1 preparou uma lista de perguntas e respostas sobre os
cigarros eletrônicos para te ajudar a entender o que baseou a discussão no
Brasil e o que diz a ciência sobre o assunto.
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Cigarros eletrônicos são melhores que cigarro comum?
- O que diz a indústria
A indústria argumenta
que os cigarros eletrônicos funcionam como "redução de danos" para
quem já fuma cigarro comum. Ou seja, de que são uma forma menos prejudicial de
acesso à nicotina para pessoas viciadas. Para isso, apresentam um relatório feito
pelo King's College, do Reino Unido, que diz que vaporizadores são 95% menos
prejudiciais que o cigarro comum.
O documento chega a
essa conclusão a partir de uma revisão de artigos publicados e de pesquisas
feitas anteriormente por outros institutos com pessoas que usaram cigarro
eletrônico, mas durante um curto prazo.
- O que dizem médicos e especialistas
As instituições de
saúde e pesquisadores apontam que não há evidência científica que demonstre que
o cigarro eletrônico é efetivo como contenção de danos.
Reforçam ainda que há
menos tempo no mercado, ele já demonstrou seu potencial de risco com a evali –
uma lesão pulmonar que pode levar à morte em um curto espaço de tempo e é
causada pelas substâncias presentes nos vapes.
Essa classificação de
risco é uma falácia que não tem qualquer evidência científica. Pudemos ver isso
com a crise nos Estados Unidos com pessoas morrendo por doenças associadas aos
vapes. Precisamos lembrar que é um dado que vem de uma indústria que, quando
apresentou o cigarro tradicional, jurou que a nicotina não viciava. Como
podemos confiar? — André Szklo, epidemiologista especialista em controle do
tabaco do Instituto Nacional do Câncer.
O médico e coordenador
da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB, Ricardo Meireles, explica
que não existe redução de danos para o tratamento do tabagismo, que mata
cerca de 400 pessoas por dia no Brasil. A única forma é cessar o uso de
qualquer fumo.
“Não existe redução de
danos no tabagismo. Estamos vivendo agora o que vivemos um século atrás, quando
o cigarro começou a circular. No começo, as pessoas não sabiam que o cigarro
fazia mal e foram muitas mortes até que soubéssemos a verdade. Hoje, o cigarro
eletrônico está no mercado há poucos anos e já tem uma doença para chamar de
sua, que é a evali. Não podemos deixar a história se repetir”, explica.
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Os cigarros eletrônicos viciam?
- O que diz a indústria
Os cigarros eletrônicos
têm nicotina e ela é a responsável pelo vício do tabagismo. No site da Philip
Moris, por exemplo, há uma série de perguntas e respostas sobre o produto, ao
clicar na questão “vaporizar vicia?” você é levado a um texto que, na verdade,
traz a resposta para “a nicotina é ruim para você?”. No texto, a empresa diz:
“A
nicotina é viciante e não é isenta de riscos. No entanto, são os elevados
níveis de substâncias químicas nocivas libertadas quando o tabaco é queimado –
e não a nicotina – que são a principal causa das doenças relacionadas com o
tabagismo”.
Ou seja, não há uma
resposta clara do setor sobre o risco de vício.
- O que dizem os médicos, entidades e especialistas
A nicotina é uma
substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde,
não há quantidade segura para o consumo. Segundo os especialistas, é por causa
da nicotina que as pessoas viciam no cigarro.
Os vapes têm sal de
nicotina, o que faz com que o composto seja entregue em concentrações até
vinte vezes maiores no corpo.
Ou seja,
fumar a carga de um cigarro eletrônico no formato de pen drive, pode equivaler
a fumar 20 cigarros convencionais.
Um dos pontos
levantados na análise técnica da Anvisa é de que a forma como são apresentados,
com aromas e sabores, enganam a percepção de quem fuma sobre o vape ter
nicotina e seu potencial de vício.
O cigarro eletrônico
tem a nicotina em forma de sal, isso entrega mais nicotina e, por isso, tem um
potencial muito mais viciante que o cigarro normal. Os relatos são de pessoas
que começam com algumas baforadas e perdem o controle sobre o uso. Ou seja, a
indústria diz que é mais seguro, mas na verdade está colocando a pessoa em uma
armadilha para que ela se torne dependente química.
— André Szklo,
epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do
Câncer.
Margareth Dalcolmo,
presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisologia (SBPT), diz que a
forma como é feita a divulgação e o próprio produto interfere na percepção de
quem usa de que aquilo é um cigarro e tem nicotina.
“Esses dispositivos
têm uma concentração de nicotina muito alta. Com sabores e aromas, eles estão
chegando nos adolescentes que são muito mais impactados por esse alto teor de
nicotina. Os vapes estão criando uma legião de viciados muito precoces”.
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O vape pode causar câncer?
- O que diz a indústria
O fumo no cigarro
eletrônico não funciona pela queima e sim pela vaporização. Com isso, a
indústria alega que não há monóxido de carbono e, portanto, menos risco já que
seria essa a substância causadora das doenças relacionadas ao tabagismo.
- O que dizem os médicos e especialistas
Há milhares de tipos
de cigarros eletrônicos no mercado e cada um com uma composição, o que
dificulta saber o que, especificamente, há nos vapes. Não há estudos que
relacionem o vape com o câncer, apesar disso, os médicos apontam que há mais de
duas mil substâncias nos cigarros eletrônicos e várias delas tóxicas e
cancerígenas como: glicerol, propilenoglicol, formaldeído, o acetaldeído, a
acroleína e a acetona.
Fonte: g1
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