Luís
Nassif: A volta à normalidade e a gang da Faria Lima
Para
entender os volteios do dólar, é importante fazer algumas distinções.
Não
se deve criminalizar o tal do mercado como um todo. Há que se discutir, no
futuro, as regras do jogo. Mas há os que jogam dentro das regras e há um grupo
de manipuladores, que chamaremos, doravante de “a gang da Faria Lima”, para
diferenciar dos que jogam dentro das regras do jogo..
São
esses aventureiros que atuam em sintonia ampla com o operador e presidente do
Banco Central, Roberto Campos Neto. Têm acesso a telefonemas diretos de Campos
Neto e podem planejar operações especulativas conjuntas, facilmente
enquadráveis no crime de manipulação financeira e formação de cartel.
O
jogo especulativo é simples:
1. Os manipuladores saem na frente,
criando algum evento que permita movimentos bruscos dos ativos. Pode ser uma
expectativa de determinada reforma, uma declaração de Lula etc. Pouco importam
os fundamentos da economia. Para esse trabalho são auxiliados pela cobertura
financeira dos jornais e suas manchetes espetaculosas.
2. Dado o tiro de partida, cria-se o
movimento especulativo.
3. À medida que o movimento se consolida,
há o efeito manada, a chamada profecia auto-realizada. A instituição séria sabe
que os fundamentos da economia são sólidos. Mas se houver muita fuga de dólar e
uma valorização expressiva da moeda, precisará acompanhar a manada, para não
ficar para trás. E esse jogo é alimentado pela publicidade opressiva das
manchetes de jornais e dos comentários de rádio e TV.
4. Quando o jogo tem poucos fundamentos –
como agora -, passado determinado período há o disparo que reverte a situação:
quem comprou antes da alta trata de vender, percebendo que o ativo já bateu no
pico, e as cotações voltam ao patamar anterior.
No
caso dos últimos dias, vários fatores contribuíram para a volta rápida do
dólar.
O
primeiro, foi a mudança de discurso de Lula. Não houve nenhuma mudança
substancial em relação ao quadro anterior: apenas palavras deflagrando a volta
do pêndulo.
O
segundo, foi a exposição, pela primeira vez, dos crimes potenciais praticados
pela minoria ululante do mercado e o anúncio da abertura de um processo pelo
Ministério Público de Contas – ligado ao Tribunal de Contas da União. Com o
mercado refluindo, qualquer tentativa da gang seria imediatamente percebida.
O
grande desafio, daqui para a frente, será a identificação e a nominação desses
agentes especulativos. E, para tanto, o trabalho do Ministério Público das
Contas poderá ser um divisor de águas. Não mudará o modelo de política
monetária, mas expurgará o mercado de parte das piranhas financeiras.
• É preciso pensar novos sistemas
monetários para fugir da 'camisa de força' do dólar, avaliam Furno e Stedile
Durante
o segundo ano do novo mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) enfrenta embates no setor econômico, devido à supervalorização do
dólar em relação ao real. As oscilações da moeda norte-americana impactam a
economia dos países do hemisfério sul, fortalecendo o modo capitalista de
comandar por interesses próprios. Isso impulsiona a necessidade de pautas que
visem "criar uma nova moeda internacional, que seja como uma cesta de
outras moedas, gerando assim um denominador comum", conforme destaca João
Pedro Stedile, economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST).
A
declaração foi dada no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato,
que nesta semana discutiu a ofensiva contra a agenda econômica do governo Lula,
praticada pelo mercado financeiro e pela imprensa comercial. A convidada do
programa, apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, foi a
economista Juliane Furno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ).
Segundo
Furno, visando um futuro economicamente saudável e menos desleal, um "novo
mundo parte por desdolarizar". Para ela, "pautas para pensar em
sistemas monetários internacionais novos que fujam desta camisa de força que
tem sido o dólar" precisam ganhar apoio, principalmente das nações do Sul
Global, que são as mais afetadas pelas mudanças na moeda estadunidense e pela
especulação financeira.
Esse
novo sistema não pode ser centralizado em apenas um país, avalia Stedile,
"para não repetir a tragédia do dólar" que, por ser uma moeda de
circulação global, entrega ao seu país de origem um poder não só financeiro,
mas também social. "Nós deveríamos botar mais atenção no debate que está
instalado nos Brics. Irmos construindo uma nova moeda internacional. O dólar
desde a Segunda Guerra Mundial é apenas um instrumento de exploração dos
Estados Unidos em relação aos trabalhadores do Sul Global [...] o dólar é um
papel pintado de verde, ele não expressa nenhum compromisso com nada, e quem
pinta esse papel são os Estados Unidos."
Neste
ano de 2024, a moeda americana teve alta de 1,11% e superou os R$ 5,70, maior
valor registrado desde janeiro de 2022, momento em que o Brasil e outros países
ainda sofriam com os efeitos da pandemia de covid-19. No cargo de presidente do
Banco Central desde fevereiro de 2019, o presidente do Banco Central (BC),
Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem
travado abertamente um debate com o presidente Lula acerca de supostos
problemas econômicos que o país enfrenta durante seu mandato.
• Especulação
As
previsões, de acordo com o próprio Banco Central, indicam alta de 2,3% do PIB
ao término deste ano. A inflação deste primeiro semestre diminuiu quando
comparada com os seis primeiros meses de 2023, passando de 3,16% para 2,52%.
Por fim, além do aquecimento do mercado, a taxa de desemprego de 7,1%
registrada no trimestre encerrado em maio é a menor dos últimos dez anos.
Portanto, com a pressão do mercado por cortes nos gastos públicos, "nós
estamos vivendo uma situação meio esquizofrênica", como destaca Stedile.
"Nada,
absolutamente nada, aponta para descontrole das principais variáveis
macroeconômicas. É claro que os agentes de mercado e seus representantes fazem
o seu dever de casa", concorda Juliane Furno.
Ainda
neste sentido, a economista aponta que os agentes do mercado utilizam esse
discurso para pressionar politicamente o governo. No entanto, não fazem isso
através de uma demonstração clara dos seus interesses, mas usam "um verniz
técnico, que é através do comportamento do mercado".
"Eles
contam uma história de que o Brasil está às portas do precipício, muito
endividado, correndo risco de quebrar, de que as contas públicas estão em
situação de insolvência, e através deste terrorismo que faz parte do jogo
político, independentemente do governo que ganhe as eleições, os interesses da
banca sigam representados", alerta.
Para
Stedile, trata-se de uma "manipulação da opinião pública", já que os
indicadores não mostram um quadro grave na economia nacional. Ele reforça que a
burguesia se beneficia dessa situação, desviando a atenção da população e mídia
de questões importantes, mantendo a origem das dívidas públicas nacionais como
uma "caixa preta".
• Dívida x PIB
Juliane
Furno explica que a elevação dos gastos públicos, principal argumento das
críticas do mercado financeiro, não deve ser interpretada como alarmante, visto
que empregar a arrecadação pública na própria sociedade é basicamente um
investimento no próprio país. Ela reforça que o aumento do PIB e a melhora da
vida da população podem interferir positivamente no cenário nacional, mesmo que
a priori isso represente um aumento nos gastos públicos, dada a necessidade e
importância da criação e manutenção de iniciativas sociais.
A
economista destaca que a avaliação da dívida de um país não deve ser feita de
forma isolada, mas precisa levar em consideração o Produto Interno Bruto (PIB).
"Supondo
que a dívida (pública) seja de R$ 1 trilhão. Se você corta gastos, não quer
dizer que ela vai se reduzir de 80% do PIB para 75%, ela pode aumentar [em
relação ao PIB]", explica. "Então vamos supor que você reduziu [a
dívida] de R$ 1 trilhão para R$ 1 bilhão, e a dívida que era 80% agora é 90% do
PIB. Então, você pode sim aumentar a dívida de R$ 1 trilhão para R$ 1,5
trilhão. O que importa é o PIB. Portanto, se você faz dívida pública para
financiar políticas públicas que distribuam renda e assim crescer o PIB, aquilo
que representava 80% agora representa 70%", explica.
Dessa
forma, a professora e economista reforça como o Brasil "pode aumentar os
gastos públicos, aumentar o tamanho real da dívida pública, e decrescer em
termos proporcionais ao PIB [...] se a gente distribuir renda e crescer o PIB a
gente não precisa se preocupar com a dívida".
"Mercado,
é isso que vocês querem, equilíbrio fiscal? Então podemos entregar isso
aumentando a receita. Então, vamos taxar os super-ricos e fazer uma reforma
tributária para que vocês paguem mais contas. Assim nós vamos ter equilíbrio
fiscal", defende a economista.
Furno
reforça que a continuidade de políticas sociais é saudável para a economia
nacional, mesmo que isso represente aumento nos gastos públicos.
"No
(primeiro) governo Lula, mesmo os gastos públicos crescendo 6% ou 7% ano a ano,
a dívida herdada de Fernando Henrique Cardoso em 80% do PIB foi entregue por
Dilma a Temer em 30%", reforça.
Ela
destaca como o país aprofundou-se na crise econômica e fiscal após os mandatos
de Lula e o golpe contra Dilma em seu segundo período de governo. "Para
sair da crise, precisamos de equilíbrio fiscal. Então, vamos cortar gastos. O
que aconteceu de 2015 para cá? Cortamos gastos e nos aprofundamos na crise
econômica e fiscal", explica. "Nós temos a história a nosso
favor."
• As lições políticas deixadas pelas
recentes crises econômicas nos EUA
A
economia norte-americana passou por duas crises expressivas ao longo da última
década e meia, o que levou o Federal Reserve e as equipes de economia dos
governos na ocasião adotarem soluções que levaram a um processo lento de
recuperação.
A
primeira crise a ser citada foi a crise de 2008/2009, que levou o desemprego no
país para a casa dos 10% e a uma recuperação que foi “dolorosamente lenta”,
como explica Michael J. Boskin, professor de economia da Stanford University e
integrante sênior da Hoover Institution.
Em
artigo publicado no site Project Syndicate, Boskin relembra que o Federal
Reserve se viu obrigado a adotar uma série de medidas não convencionais, além
de derrubar a taxa base de juros para zero e implementar diversos pacotes e
medidas para “estímulo” da economia.
“É
difícil separar os efeitos de curto prazo de diversas políticas daquilo que
poderia ter ocorrido em qualquer caso, ou do efeito defasado de políticas
anteriores”, pontua o articulista.
Boskin
destaca ainda que a desigualdade estava em queda e os salários avançavam de
forma mais rápida antes da pandemia, em 2020, que acompanharam a reforma fiscal
de 2017 do Presidente Donald Trump e a inversão do excesso de regulamentação
por parte da administração anterior.
Contudo,
a pandemia de covid-19 no começo de 2020 levou os governos federal e estadual a
fecharem boa parte da economia, levando o desemprego a saltar de 3,5% para
14,8% no espaço de dois meses.
“A
Fed baixou novamente a sua taxa alvo para zero, comprou grandes volumes de
títulos do Tesouro e títulos garantidos por hipotecas e criou múltiplos canais
de empréstimo e liquidez”, relembra o economista, destacando ainda os mais de
US$ 4 trilhões direcionados para uma série de iniciativas que ajudaram o país a
se recuperar de forma mais rápida do que no ciclo pós-Grande Recessão (por
conta também da vacinação).
Diante
disso, Boskin afirma que “nunca se deve presumir que as taxas de juros
permanecerão baixas para sempre”, embora a capacidade de endividamento dos
países desenvolvidos tenha se mostrado maior do que o imaginado.
“Ainda
não sofremos aquela que teria sido a recessão mais esperada da história. Mas
acabará por haver outra recessão, e a lição final das crises recentes é que, se
não conseguirmos aprender com o passado recente, os políticos serão novamente
tentados a responder com itens dispendiosos da lista de desejos, ou a usar a
crise como mais uma desculpa”, ressalta o articulista.
Fonte:
Jornal GGN/Brasil de Fato
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