sábado, 6 de julho de 2024

Luís Nassif: A volta à normalidade e a gang da Faria Lima

Para entender os volteios do dólar, é importante fazer algumas distinções.

Não se deve criminalizar o tal do mercado como um todo. Há que se discutir, no futuro, as regras do jogo. Mas há os que jogam dentro das regras e há um grupo de manipuladores, que chamaremos, doravante de “a gang da Faria Lima”, para diferenciar dos que jogam dentro das regras do jogo..

São esses aventureiros que atuam em sintonia ampla com o operador e presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Têm acesso a telefonemas diretos de Campos Neto e podem planejar operações especulativas conjuntas, facilmente enquadráveis no crime de manipulação financeira e formação de cartel.

O jogo especulativo é simples:

1.          Os manipuladores saem na frente, criando algum evento que permita movimentos bruscos dos ativos. Pode ser uma expectativa de determinada reforma, uma declaração de Lula etc. Pouco importam os fundamentos da economia. Para esse trabalho são auxiliados pela cobertura financeira dos jornais e suas manchetes espetaculosas.

2.          Dado o tiro de partida, cria-se o movimento especulativo.

3.          À medida que o movimento se consolida, há o efeito manada, a chamada profecia auto-realizada. A instituição séria sabe que os fundamentos da economia são sólidos. Mas se houver muita fuga de dólar e uma valorização expressiva da moeda, precisará acompanhar a manada, para não ficar para trás. E esse jogo é alimentado pela publicidade opressiva das manchetes de jornais e dos comentários de rádio e TV.

4.          Quando o jogo tem poucos fundamentos – como agora -, passado determinado período há o disparo que reverte a situação: quem comprou antes da alta trata de vender, percebendo que o ativo já bateu no pico, e as cotações voltam ao patamar anterior.

No caso dos últimos dias, vários fatores contribuíram para a volta rápida do dólar.

O primeiro, foi a mudança de discurso de Lula. Não houve nenhuma mudança substancial em relação ao quadro anterior: apenas palavras deflagrando a volta do pêndulo.

O segundo, foi a exposição, pela primeira vez, dos crimes potenciais praticados pela minoria ululante do mercado e o anúncio da abertura de um processo pelo Ministério Público de Contas – ligado ao Tribunal de Contas da União. Com o mercado refluindo, qualquer tentativa da gang seria imediatamente percebida.

O grande desafio, daqui para a frente, será a identificação e a nominação desses agentes especulativos. E, para tanto, o trabalho do Ministério Público das Contas poderá ser um divisor de águas. Não mudará o modelo de política monetária, mas expurgará o mercado de parte das piranhas financeiras.

 

•           É preciso pensar novos sistemas monetários para fugir da 'camisa de força' do dólar, avaliam Furno e Stedile

Durante o segundo ano do novo mandato, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta embates no setor econômico, devido à supervalorização do dólar em relação ao real. As oscilações da moeda norte-americana impactam a economia dos países do hemisfério sul, fortalecendo o modo capitalista de comandar por interesses próprios. Isso impulsiona a necessidade de pautas que visem "criar uma nova moeda internacional, que seja como uma cesta de outras moedas, gerando assim um denominador comum", conforme destaca João Pedro Stedile, economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A declaração foi dada no podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, que nesta semana discutiu a ofensiva contra a agenda econômica do governo Lula, praticada pelo mercado financeiro e pela imprensa comercial. A convidada do programa, apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, foi a economista Juliane Furno, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Segundo Furno, visando um futuro economicamente saudável e menos desleal, um "novo mundo parte por desdolarizar". Para ela, "pautas para pensar em sistemas monetários internacionais novos que fujam desta camisa de força que tem sido o dólar" precisam ganhar apoio, principalmente das nações do Sul Global, que são as mais afetadas pelas mudanças na moeda estadunidense e pela especulação financeira.

Esse novo sistema não pode ser centralizado em apenas um país, avalia Stedile, "para não repetir a tragédia do dólar" que, por ser uma moeda de circulação global, entrega ao seu país de origem um poder não só financeiro, mas também social. "Nós deveríamos botar mais atenção no debate que está instalado nos Brics. Irmos construindo uma nova moeda internacional. O dólar desde a Segunda Guerra Mundial é apenas um instrumento de exploração dos Estados Unidos em relação aos trabalhadores do Sul Global [...] o dólar é um papel pintado de verde, ele não expressa nenhum compromisso com nada, e quem pinta esse papel são os Estados Unidos."

Neste ano de 2024, a moeda americana teve alta de 1,11% e superou os R$ 5,70, maior valor registrado desde janeiro de 2022, momento em que o Brasil e outros países ainda sofriam com os efeitos da pandemia de covid-19. No cargo de presidente do Banco Central desde fevereiro de 2019, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem travado abertamente um debate com o presidente Lula acerca de supostos problemas econômicos que o país enfrenta durante seu mandato.

•           Especulação

As previsões, de acordo com o próprio Banco Central, indicam alta de 2,3% do PIB ao término deste ano. A inflação deste primeiro semestre diminuiu quando comparada com os seis primeiros meses de 2023, passando de 3,16% para 2,52%. Por fim, além do aquecimento do mercado, a taxa de desemprego de 7,1% registrada no trimestre encerrado em maio é a menor dos últimos dez anos. Portanto, com a pressão do mercado por cortes nos gastos públicos, "nós estamos vivendo uma situação meio esquizofrênica", como destaca Stedile.

"Nada, absolutamente nada, aponta para descontrole das principais variáveis macroeconômicas. É claro que os agentes de mercado e seus representantes fazem o seu dever de casa", concorda Juliane Furno.

Ainda neste sentido, a economista aponta que os agentes do mercado utilizam esse discurso para pressionar politicamente o governo. No entanto, não fazem isso através de uma demonstração clara dos seus interesses, mas usam "um verniz técnico, que é através do comportamento do mercado".

"Eles contam uma história de que o Brasil está às portas do precipício, muito endividado, correndo risco de quebrar, de que as contas públicas estão em situação de insolvência, e através deste terrorismo que faz parte do jogo político, independentemente do governo que ganhe as eleições, os interesses da banca sigam representados", alerta.

Para Stedile, trata-se de uma "manipulação da opinião pública", já que os indicadores não mostram um quadro grave na economia nacional. Ele reforça que a burguesia se beneficia dessa situação, desviando a atenção da população e mídia de questões importantes, mantendo a origem das dívidas públicas nacionais como uma "caixa preta".

•           Dívida x PIB

Juliane Furno explica que a elevação dos gastos públicos, principal argumento das críticas do mercado financeiro, não deve ser interpretada como alarmante, visto que empregar a arrecadação pública na própria sociedade é basicamente um investimento no próprio país. Ela reforça que o aumento do PIB e a melhora da vida da população podem interferir positivamente no cenário nacional, mesmo que a priori isso represente um aumento nos gastos públicos, dada a necessidade e importância da criação e manutenção de iniciativas sociais.

A economista destaca que a avaliação da dívida de um país não deve ser feita de forma isolada, mas precisa levar em consideração o Produto Interno Bruto (PIB).

"Supondo que a dívida (pública) seja de R$ 1 trilhão. Se você corta gastos, não quer dizer que ela vai se reduzir de 80% do PIB para 75%, ela pode aumentar [em relação ao PIB]", explica. "Então vamos supor que você reduziu [a dívida] de R$ 1 trilhão para R$ 1 bilhão, e a dívida que era 80% agora é 90% do PIB. Então, você pode sim aumentar a dívida de R$ 1 trilhão para R$ 1,5 trilhão. O que importa é o PIB. Portanto, se você faz dívida pública para financiar políticas públicas que distribuam renda e assim crescer o PIB, aquilo que representava 80% agora representa 70%", explica.

Dessa forma, a professora e economista reforça como o Brasil "pode aumentar os gastos públicos, aumentar o tamanho real da dívida pública, e decrescer em termos proporcionais ao PIB [...] se a gente distribuir renda e crescer o PIB a gente não precisa se preocupar com a dívida".

"Mercado, é isso que vocês querem, equilíbrio fiscal? Então podemos entregar isso aumentando a receita. Então, vamos taxar os super-ricos e fazer uma reforma tributária para que vocês paguem mais contas. Assim nós vamos ter equilíbrio fiscal", defende a economista.

Furno reforça que a continuidade de políticas sociais é saudável para a economia nacional, mesmo que isso represente aumento nos gastos públicos.

"No (primeiro) governo Lula, mesmo os gastos públicos crescendo 6% ou 7% ano a ano, a dívida herdada de Fernando Henrique Cardoso em 80% do PIB foi entregue por Dilma a Temer em 30%", reforça.

Ela destaca como o país aprofundou-se na crise econômica e fiscal após os mandatos de Lula e o golpe contra Dilma em seu segundo período de governo. "Para sair da crise, precisamos de equilíbrio fiscal. Então, vamos cortar gastos. O que aconteceu de 2015 para cá? Cortamos gastos e nos aprofundamos na crise econômica e fiscal", explica. "Nós temos a história a nosso favor."

 

•           As lições políticas deixadas pelas recentes crises econômicas nos EUA

A economia norte-americana passou por duas crises expressivas ao longo da última década e meia, o que levou o Federal Reserve e as equipes de economia dos governos na ocasião adotarem soluções que levaram a um processo lento de recuperação.

A primeira crise a ser citada foi a crise de 2008/2009, que levou o desemprego no país para a casa dos 10% e a uma recuperação que foi “dolorosamente lenta”, como explica Michael J. Boskin, professor de economia da Stanford University e integrante sênior da Hoover Institution.

Em artigo publicado no site Project Syndicate, Boskin relembra que o Federal Reserve se viu obrigado a adotar uma série de medidas não convencionais, além de derrubar a taxa base de juros para zero e implementar diversos pacotes e medidas para “estímulo” da economia.

“É difícil separar os efeitos de curto prazo de diversas políticas daquilo que poderia ter ocorrido em qualquer caso, ou do efeito defasado de políticas anteriores”, pontua o articulista.

Boskin destaca ainda que a desigualdade estava em queda e os salários avançavam de forma mais rápida antes da pandemia, em 2020, que acompanharam a reforma fiscal de 2017 do Presidente Donald Trump e a inversão do excesso de regulamentação por parte da administração anterior.

Contudo, a pandemia de covid-19 no começo de 2020 levou os governos federal e estadual a fecharem boa parte da economia, levando o desemprego a saltar de 3,5% para 14,8% no espaço de dois meses.

“A Fed baixou novamente a sua taxa alvo para zero, comprou grandes volumes de títulos do Tesouro e títulos garantidos por hipotecas e criou múltiplos canais de empréstimo e liquidez”, relembra o economista, destacando ainda os mais de US$ 4 trilhões direcionados para uma série de iniciativas que ajudaram o país a se recuperar de forma mais rápida do que no ciclo pós-Grande Recessão (por conta também da vacinação).

Diante disso, Boskin afirma que “nunca se deve presumir que as taxas de juros permanecerão baixas para sempre”, embora a capacidade de endividamento dos países desenvolvidos tenha se mostrado maior do que o imaginado.

“Ainda não sofremos aquela que teria sido a recessão mais esperada da história. Mas acabará por haver outra recessão, e a lição final das crises recentes é que, se não conseguirmos aprender com o passado recente, os políticos serão novamente tentados a responder com itens dispendiosos da lista de desejos, ou a usar a crise como mais uma desculpa”, ressalta o articulista.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil de Fato

 

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