Justiça
proíbe presidente de mineradora de entrar em terra indígena no Amazonas
A Justiça Federal do
Amazonas proibiu o presidente da mineradora Potássio do Brasil, Adriano
Espeschit, de entrar na aldeia Guapenu, do povo indígena mura, em Autazes (AM).
Se o empresário descumprir a decisão, terá de pagar multa diária no valor de R$
100 mil.
O executivo, segundo a
decisão judicial, pretendia ir ao território explicar pessoalmente aos
indígenas o projeto de exploração de potássio e de bem viver proposto pela
companhia aos muras.
Procurada pela
reportagem, a empresa disse que não comenta decisões judiciais e se manifestará
nos autos.
A Potássio do Brasil é
acusada pelo povo mura e pelo MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas de
uma série de irregularidades --dentre as quais cooptação, assédio e até ameaças
de morte aos indígenas-- no curso do licenciamento para exploração do minério
nas terras em processo de demarcação pela Funai (Fundação Nacional dos Povos
Indígenas).
Segundo a decisão
judicial, o empresário não tem autorização da Justiça nem da Funai para
ingresso no local e conta com a rejeição dos próprios muras à sua presença na
terra indígena.
A decisão, da juíza
federal da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas Jaiza Fraixe, foi proferida nesta
quarta (17). Segundo denúncia da Olimcv (Organização das Lideranças Indígenas
Mura de Careiro da Várzea), o empresário teria uma reunião na aldeia nesta quinta
(18).
A juíza afirma, em sua
decisão, que o território indígena é um "asilo inviolável", assim
como a casa de qualquer indivíduo, não sendo autorizada a entrada sem o
consentimento do morador. Fraixe destaca que a Potássio do Brasil tem 12
licenças que autorizam a instalação do projeto, mas que elas estão sub judice
e, portanto, não cabem "visitas indesejadas" ou explicação sobre o
que é bem viver dentro de uma aldeia.
"O bem viver de
um povo indígena só pode ser dito, falado, escrito e decidido por ele próprio.
Nenhum outro grupo pode fazer esse papel. Imaginemos que os indígenas
adentrassem na sede da empresa para 'explicar' o que é o bem viver de um mura.
Seriam presos em flagrante no mesmo instante", afirma trecho da sentença.
O professor Herton
Mura, que é do corpo técnico da Olimcv, disse que recebeu "pedidos de
socorro" de indígenas da aldeia que discordam do projeto de mineração e
"não aguentam mais" a insistência da empresa e de tuxauas
(lideranças) que os apoiam. A Olimcv levou a denúncia ao conhecimento da
Justiça.
"Para nós, povo
mura, essa decisão é um suspiro em meio aos licenciamentos que o Ipaam
[Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas] está emitindo em favor do projeto
e da empresa. É com tristeza que vemos algumas lideranças se posicionando
contra a demarcação e enganando as pessoas", disse.
Herton Mura afirma que
os muras de Autazes e Careiro da Várzea, municípios onde está localizado o
fragmentado território mura há mais de 200 anos, tem um protocolo de consulta.
E o documento deixa claro que nenhuma decisão, seja sobre mineração ou entrada
em aldeia, pode partir apenas de um tuxaua. "O nosso protocolo é claro.
Nenhum tuxaua pode decidir só. Nossas decisões são coletivas."
Herton conta que a
reunião na aldeia ocorreu, mas sem a presença do presidente da Potássio do
Brasil. Para o professor indígena, não cabe ao presidente da mineradora falar
sobre o bem viver dos muras.
Ele também se queixa
da falta de um Estudo de Componente Indígena para que debates sobre o projeto
sejam travados nas aldeias. A falta do estudo é uma das irregularidades
apontadas pelo MPF no licenciamento.
A luta judicial dos
muras contra a Potássio do Brasil começou em 2016, e há três ações judiciais em
curso, na Justiça Federal: a que contesta o licenciamento prévio em 2016, a que
pede a demarcação das terras indígenas Soares/Urucurituba, de 2022, e uma, de
2024, que aponta uma série de irregularidades no licenciamento da instalação do
projeto em terra indígena por parte do órgão ambiental do Amazonas, o Ipaam.
Foi feita ainda cerca
de uma dezena de representações, segundo o MPF, pelas lideranças indígenas
muras, com relatos de coações, cooptações, ameaças, pagamento de propina,
invasões --essas desde 2016. Todo o processo coloca em risco a vida, a cultura
dos muras e o meio ambiente na região, segundo as denúncias do MPF.
O vice-presidente da
República e presidente do Confert (Conselho Nacional de Fertilizantes e
Nutrição de Plantas), Geraldo Alckmin (PSB), o governador do Amazonas, Wilson
Lima (União Brasil), e o presidente estadual do PT-AM e deputado estadual,
Sinésio Campos, já expressaram publicamente entusiasmo pelo projeto, sem citar
nas falas a presença e a rejeição do povo do mura à mineração.
Em novembro do ano
passado, reportagem da Folha mostrou que o presidente da Potássio do Brasil,
Adriano Espeschit, prometeu a muras a compra e entrega de 5.000 hectares de
terras em caso de posição favorável ao empreendimento de exploração de
potássio.
A oferta, feita numa
assembleia de uma pequena parte dos muras em setembro, foi seguida de falas de
Espeschit contrárias à demarcação do território, apesar do início de
procedimentos formais para a delimitação por parte da Funai.
O presidente da
Potássio do Brasil disse ainda aos muras que o território só poderia virar
terra indígena ao fim da retirada do minério, num prazo de 23 a 34 anos. Em
nota, a empresa afirmou que os benefícios aos muras já eram públicos.
• Justiça determina saída de invasores de
terra dos últimos 2 indígenas de povo isolado em MT
A Justiça Federal
determinou a reintegração de posse da Terra Indígena Piripkura, localizada nos
municípios de Colniza e Rondolândia, no estado de Mato Grosso. A decisão
divulgada nesta terça-feira (16) atende a um pedido do MPF (Ministério Público
Federal).
O território fica na
região entre os rios Branco e Madeirinha, a cerca de 1,6 mil km de Cuiabá, e
ainda não está demarcado.
No local, vivem dois
indígenas em isolamento voluntário, que sobreviveram a sucessivos ataques e
invasões nas últimas décadas. Segundo a Funai (Fundação Nacional dos Povos
Indígenas), eles são considerados os dois últimos membros do povo piripkura.
De acordo com a
sentença, os ocupantes ilegais devem retirar seus bens da área em até 60 dias,
sob pena de multa diária. A decisão também requer a retirada do gado das
propriedades, além da proibição para realizar novos desmatamentos.
Em caso de
descumprimento da decisão, conforme a Justiça Federal, os fiscais ambientais
devem intervir e, se necessário, destruir ou inutilizar produtos, subprodutos e
instrumentos que estejam na terra indígena, sem necessidade de autorização
administrativa superior.
A Justiça autorizou
ainda a requisição de força policial para a destruição de cercas, porteiras,
casas e maquinário de processamento de madeira que forem encontrados nos
limites restritos.
Caso os ocupantes não
deixem o local no prazo determinado, podem ter as carteiras de motorista e os
passaportes suspensos, além dos cartões de crédito congelados.
O acesso à terra
indígena é proibido. Segundo a Funai, no entanto, o território é protegido
apenas por medida de restrição de uso, que é um instrumento colocado à
disposição da entidade para o resguardo de indígenas em isolamento voluntário.
Segundo o MPF, a
degradação ambiental praticada pelos ocupantes ilegais ocorre pelo menos desde
2008, quando alguns dos acusados foram autuados por desmatamento ilegal e
outros crimes ambientais, como caça de animais silvestres.
Em 2015, as invasões
ao território e a degradação ambiental se tornaram esporádicos. Ainda de acordo
com o MPF, a atual violação teve início em 2019 e se intensificou com a
diminuição da fiscalização em 2020, devido à pandemia da Covid-19.
A Funai tem editado
sucessivas portarias de restrição de uso para proteger os indígenas em
isolamento voluntário. A partir da portaria de restrição de uso nº 1.154, o
órgão interditou 242,5 mil hectares da área indígena.
Fonte: FolhaPress
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