Julgamento
de genocídio na Guatemala aponta para EUA e Israel
Um
a um os depoimentos de indígenas maias sobreviventes aos massacres vão fechando
o cerco sobre o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Guatemala,
Benedicto Lucas Garcia, acusado por “genocídio” no Tribunal de Justiça da
capital do país. Hoje com 91 anos, o general reformado é um dos comandantes
carniceiros responsáveis pelo assassinato oficial de 200 mil pessoas e o
“desaparecimento” de 45 mil – cinco mil delas crianças – entre 1960 e 1996. O
processo é amparado no relato das vítimas, em documentos desclassificados da
CIA e do Exército guatemalteco.
O
testemunho de Benedicto é virtual, e cada dia mais silencioso. Devido a
questões de saúde, suas breves palavras são proferidas desde um centro militar.
Numa das oportunidades que lhe escutei via videoconferência, questionado sobre
a perversidade dos seus crimes, respondeu cinicamente “se encontrar meditando”.
Numa conjuntura mais favorável, justificou que o banho de sangue havia salvo o
país do comunismo.
Juramentado
em 15 de agosto de 1981, enquanto seu irmão Romeo Lucas Garcia era presidente,
o psicopata apresentava no currículo pós-graduação em política de “cerco e
aniquilamento”: instrução adquirida na Escola das Américas (dos EUA), com
aprimoramento no Estado sionista. “Israel foi o único país que nos deu apoio na
nossa batalha contra as guerrilhas”, declarou Benedicto ao jornal Ha’aretz.
“É
da escola sionista que ele trouxe os termos ‘palestinização’, a prática de
usurpação de territórios, da imposição de aldeias-modelo, campos de
concentração e trabalhos forçados para os indígenas”, resumiu o pesquisador e
historiador Raúl Nájera, que assessora a promotoria no caso. Raúl teve a avó, a
mãe e dois tios executados por fazerem oposição ao regime neocolonial.
Torturado, seu pai conseguiu escapar. Lester, o pai do motorista do táxi que
nos trouxe do aeroporto, não teve a mesma sorte e foi executado.
·
Representantes
indígenas relatam atrocidades cometidas pelo exército
Em
contraposição a esse cenário de horror, os indígenas se agigantam sobre o
Tribunal para exigir Justiça. Afinal, o último governo arrancou dos livros
escolares até mesmo os Acordos de Paz assinados entre o governo e a guerrilha
em 1996, em que se explicitava a dimensão do massacre e a necessidade da
reparação.
De
maneira contundente, os depoimentos demonstram como intoxicados pela doutrina
contrainsurgente, “soldados guatemaltecos invadiam aldeias, queimavam e matavam
homens, mulheres e crianças, seja com facão, machado, fuzil ou à ponta de
baioneta”.
São
relatos com nome, sobrenome, dia, hora e local, que expõem a barbárie sem
limites de como soldados de um Exército treinado, armado e financiado por EUA e
Israel estupravam mulheres e meninas em longas filas, um após o outro, até a
completa exaustão ou morte das vítimas. Os militares faziam a “lição de casa”,
na tentativa de vencer de qualquer modo a guerrilha, que conforme reconhecia o
Alto Comando do Exército “estava se saindo vitoriosa” e às portas de criar um
“território livre” da dominação estadunidense. Algo completamente inconcebível
para forças que haviam recentemente sido humilhadas e obrigadas a deixar o
Vietnã.
A
lembrança do governo nacionalista de Jacobo Árbenz (1951-1954) também
continuava muito presente, assim como as conquistas alcançadas pela unidade de
todo um povo. Árbenz investiu no desenvolvimento, fortaleceu a reforma agrária
e deu direito ao voto aos indígenas – maioria do país que até então era
completamente subjugada, submetida ao regime de trabalho forçado e servidão -,
numa terra em que a miséria, o analfabetismo e a desnutrição eram
generalizados.
Apesar
da oligarquia local, as transnacionais e os governos estadunidense e israelense
aspirarem o retorno à velha República de Bananas, essa realidade não é mais
possível, como explicitam em sua tenacidade e sede de justiça os indígenas da
“montanha que verte água”.
Em
seu depoimento, dona Maria Caba Caba denunciou como os soldados se revezaram em
sua aldeia entre os dias 16 de janeiro e 23 de março de 1982. “No início,
tinham uma lista, que era base da sua carnificina e quem estava nela era
executado. Depois, começaram a matar todo mundo que, assustado, começou a
fugir”, disse. E o que lhes restava era sobreviver na montanha, porque ao
voltar a aldeia estava completamente dizimada, com os animais mortos e o milho
e o feijão queimados.
Ainda
mais contundente, Tiburcio Utuy descreve a tortura e o massacre praticados na
aldeia Xix, “entre as nove e dez da manhã”, no fatídico dia 16 de fevereiro de
1982. Narra, perplexo, como os soldados cortaram uma cabeça a golpes de facão e
abriram a barriga de uma jovem que estava grávida. “A política era de terra
arrasada, matavam cavalos, ovelhas, cabras, cachorros e galinhas, da mesma
forma que eram cortados os pés de abacate, laranja e café”, contou Tiburcio,
frisando que desta forma quem conseguia se salvar “não conseguiria sobreviver
por ali”.
Na
dúvida, dois aviões de guerra lançavam bombas e três helicópteros metralhavam
as montanhas, completavam o serviço sujo. Na região em que estava, assinalou o
idoso, “em somente três meses morreram 300 crianças de sarampo e 100 homens e mulheres
de fome”.
·
“Holocausto
guatemalteco”
As
monstruosidades dos crimes cometidos foram chamados de “O holocausto
guatemalteco” ou “O holocausto maia”, com historiadores e sociólogos
reconhecendo o grau da degeneração da política dos EUA e Israel contra os
direitos humanos.
Para
a veterana jornalista norte-americana Mary Jo Mcconahay, “Israel não deve ser
considerado um mero representante dos Estados Unidos durante as investidas
genocidas de Benedicto no território Ixil”. “Israel era uma máquina de guerra
por si só, em busca de mercados de armas e ansioso por aliados. Telavive apoiou
o brutal exército guatemalteco em sua época e posteriormente”, acrescentou.
De
forma sintética, Mary Jo relatou o que foi feito pelo Estado sionista. “Israel
começou a vender armas para a Guatemala em 1974: veículos blindados,
equipamento de comunicação militar, canhões leves, metralhadoras Uzis e
milhares de rifles de assalto Galil, que se tornaram a arma padrão das tropas
guatemaltecas. Na década de 1980, Israel construiu uma fábrica na Guatemala
para produzir Galils e balas para acompanhá-los. Telavive fez entregas de sua
exclusiva aeronave de decolagem e pouso curtos, o Aravá, vários dos quais foram
posteriormente equipados com cápsulas de canhão”, descreveu.
Entre
os próximos dias 24 e 28 de junho, o Tribunal fez e reteomará seus trabalhos em
julho com depoimentos de peritos sobre Direito Internacional Humanitário,
Violência Sexual, Técnica Militar e Racismo. Seguiremos acompanhando de perto
as mobilizações dos movimentos sociais guatemaltecos, que pressionam para que a
verdade venha à tona e a justiça se imponha em seu país e em toda Humanidade.
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Justiça do Panamá
absolve 28 réus no caso "Panama Papers"
Um
tribunal do Panamá absolveu na sexta-feira (28/06) 28 pessoas acusadas no
caso Panama Papers, o
histórico vazamento de documentos do
extinto escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca revelado em 2016 e
que vinculou várias personalidades mundiais à lavagem de dinheiro.
Na
decisão, a juíza Baloísa Marquínez destaca ter sido determinado que as provas
obtidas dos servidores da Mossack Fonseca "não cumpriam a cadeia de
custódia, bem como os princípios que regem as provas digitais, principalmente
porque careciam de valores de 'hash' (algoritmo matemático para transformar
blocos de dados) que permitissem a certeza de sua autenticidade e
integridade", segundo comunicado do tribunal.
Entre
os 28 absolvidos "por crime contra a ordem econômica na modalidade de
lavagem de dinheiro", estão Jürguen Mossack e Ramón Fonseca, que morreu no
mês passado, aos 71 anos, em um hospital panamenho, devido a complicações
de uma pneumonia. Eles fundaram o escritório panamenho de advocacia e
consultoria Mossack Fonseca – considerado à época como a quarta maior empresa
de advocacia offshore do mundo – que teve papel central no escândalo.
A
juíza também argumentou que o restante das provas não é "suficiente e
conclusivo para determinar a responsabilidade criminal dos acusados",
segundo o comunicado, e determinou a suspensão "das medidas cautelares
pessoais e reais contra todos os processados".
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Lava Jato e Panama Papers no mesmo processo
No
caso da Lava Jato, a sentença afirma que "não foi possível determinar que
dinheiro de origem ilícita, proveniente do Brasil, tenha ingressado no sistema
financeiro panamenho com o objetivo de ocultar, dissimular, disfarçar ou ajudar
a evitar as consequências legais do crime anterior".
O
caso Lava Jato foi reunido ao mesmo processo do caso Panama Papers devido à
afinidade com relação aos réus e aos fatos investigados pelo Ministério
Público. A investigação desse caso começou em 2016 "devido a fatos
noticiosos relacionados à operação Lava Jato no Brasil, que supostamente
vinculava um escritório de advocacia no Panamá dedicado à criação de
empresas", diz o comunicado.
O
Ministério Público tinha pedido a pena máxima, 12 anos de prisão, para Mossack
e Fonseca.
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Escândalo internacional
As
revelações divulgadas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), em colaboração com diversos veículos de imprensa
internacionais, abalaram governos em diferentes países e resultaram na abertura
de inúmeras investigações ao
redor do globo, além de prejudicar a reputação do Panamá como centro
internacional de investimentos offshore.Os documentos, inicialmente obtidos
pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung através de fontes
anônimas, cobrem um período de quase 40 anos – de 1977 a dezembro de 2015.
O
vazamento de 11,5 milhões de documento da Mossack Fonseca gerou acusações
contra personalidades influentes como políticos, bilionários e até astros do
esporte.
O
primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur David Gunnlaugsson, foi forçado a
renunciar ao cargo após os Panama Papers revelarem que sua
família possuía contas em paraísos fiscais. O então premiê do Paquistão Nawaz Sharif foi impedido de
assumir cargos públicos pelo resto de sua vida após seu nome aparecer nos
documentos.
Outras
personalidades cujos nomes surgiram nos Panama Papers eram os
do ex-primeiro-ministro britânico e atual Ministro do Exterior do Reino Unido,
David Cameron, do jogador argentino de futebol Lionel Messi, do então
presidente da Argentina Mauricio Macri e do cineasta espanhol Pedro Almodóvar,
entre outros.
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Alvos da Lava Jato
No
Brasil, a Mossack Fonseca já havia se tornado alvo da Operação Lava Jato, que
chegou a deter alguns de seus funcionários em meio a investigações do escândalo
de corrupção envolvendo a empreiteira Odebrecht.
Os
documentos mostraram que a empresa criou ou vendeu empresas offshore para
políticos e familiares de sete partidos: PSDB, PMDB, PP, PDT, PTB, PSB, PSD.
Alguns
dos políticos brasileiros envolvidos direta ou indiretamente nas denúncias eram
o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-deputado federal João Lyra, o
ex-senador Edison Lobão, o deputado federal Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), o
ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, e o ex-senador e ex-presidente do PSDB
Sérgio Guerra, morto em 2014.
Os
documentos indicaram que a firma panamenha teria criado ao menos 107 contas
offshore para, no mínimo, 57 indivíduos ou empresas relacionadas aos esquemas
de corrupção investigado pela Lava Jato.
Em
2018, a Mossack Fonseca anunciou que iria encerrar suas atividades em
consequência de "danos irreparáveis" à sua reputação.
Fonte:
Por Leonardo Wexell Severo no Correio da Cidadania/Deutsche Welle
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