Jairo Bouer: ‘Como melhorar a educação e
proteger os jovens no Brasil?’
O Brasil tem
enfrentado uma piora de importantes indicadores da qualidade de ensino das
crianças e adolescentes nas últimas pesquisas. Como mudar esse cenário? Parte
dessa melhora tem a ver com a educação formal (os conteúdos que os alunos devem
aprender em sala de aula) e outra parte considerável passa pela percepção da
escola como um ambiente mais saudável e inclusivo. Nesse sentido, algumas
medidas anunciadas das últimas semanas podem ser valiosas aliadas nessa
mudança.
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Escola no combate às intolerâncias
Na última semana o STF
(Supremo Tribunal Federal) formou maioria para obrigar as escolas, públicas e
privadas, a coibirem bullying, racismo, machismo e qualquer outra forma de
intolerância. A ação, movida pelo PSOL, pede ao STF que o combate às diversas formas
de intolerância e discriminação seja considerado uma obrigação das redes de
ensino do país.
A medida é uma reação
à retirada do combate à intolerância do último Plano Nacional de Educação
(PNE), que estabelece metas e responsabilidades para a implementação de
políticas educacionais. Nesse vácuo, vários municípios e estados têm aprovado
leis que vão contra esse tipo de debate nas salas de aula.
A decisão do STF
implica que as ações e práticas que coíbam a intolerância devam constar dos
próximos PNEs. O atual está em vigor até o final de 2024, e o Congresso precisa
aprovar o novo plano, enviado na semana passada pelo presidente Lula.
Várias pesquisas
mostram que qualquer forma de preconceito e intolerância pioram o ambiente para
todos (seja na escola ou nas empresas) e constituem uma barreira à saúde
mental, relações, aprendizado e desempenho.
É fundamental que as
escolas, local em que os jovens interagem, aprendem e se tornam cidadãos,
tenham um papel ativo no combate a qualquer forma de intolerância. Lembrando,
claro, que as ações devem também pensar em fenômenos como cyberbullying e
outras formas de violência que também acontecem online.
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Apostas terão que avisar sobre riscos e impactos
Outra discussão vem do
universo das apostas. As bets (plataformas de apostas) deverão sinalizar para
os apostadores sobre os riscos de dependência que esse tipo de comportamento
pode trazer para sua vida financeira e saúde mental.
De forma similar ao
que já acontece hoje com cigarro e álcool, deverá haver uma tarja na
publicidade dessas plataformas com avisos sobre os riscos desse tipo de
consumo. A lei do mercado de bets é de dezembro de 2023, e o Ministério da
Fazenda prepara uma série de portarias que vão disciplinar essa legislação.
Os avisos deverão
fortalecer mensagens sobre o jogo responsável e os riscos de dependência, bem
como deixar claro que apostar não é investir, o que implica em chances
concretas de se perder dinheiro e se endividar.
O papel dos
influenciadores, que têm um forte apelo junto aos seus seguidores na divulgação
dessas plataformas, também será regulamentado. Recentemente, o “jogo do
tigrinho” foi notícia em função de fraudes que envolviam a sua divulgação.
Nesse ponto é
fundamental que se controle de forma efetiva o acesso dos menores a esse tipo
de plataforma. Como em qualquer tipo de comportamento que pode gerar
dependência, os mais jovens estão mais expostos a riscos, por suas maiores
vulnerabilidades emocionais e de amadurecimento neuronal.
Como eles vivem cada
vez mais conectados e envolvidos com tecnologias e telas, a presença dessas
plataformas em sua vida se torna uma ameaça concreta ao risco de eles se
endividarem e enfrentarem as consequências para sua vida.
• Educação digital
Tanto a discussão do
risco das apostas online como o combate às diversas formas de intolerância
passa pela importância da gente pensar mais a fundo a questão da educação
digital dos jovens.
A onipresença deles
nas redes sociais e telas, desde muito cedo, mostra como é importante iniciar
precocemente esse tipo de educação, tanto em casa (com a moderação dos pais),
como nas escolas e salas de aula.
Só dessa forma
conseguimos aplicar estratégias e medidas que vão além da proibição e censura,
que eles facilmente conseguem driblar. É importante que eles criem sua
autonomia digital sabendo identificar riscos e fazendo as melhores escolhas.
• Para que estudar? Os jovens que sonham
em virar "influencers". Por Vinicius Andrade
Pesquisa mostra que
75% dos jovens brasileiros desejam virar influenciadores digitais. Ilusão de
vida fácil e ostentação encantam jovens e os fazem perder o apreço pela escola
e pela educação. O que esperar do futuro?
Alguns anos atrás, se
perguntasse para um jovem o que ele gostaria de ser quando crescer, é muito
provável que ouviria respostas como "juiz", "engenheiro",
"aeromoça" ou "bombeiro". Alguns, mais sonhadores, até diziam
que queriam ser jogador de futebol ou cantor.
Hoje o cenário mudou e
é seguro esperar por "influencer". Uma pesquisa realizada pela
startup INFLR em 2022 revelou que 75% dos jovens brasileiros sonham em ser
influenciadores digitais.
O tema segue sendo
atual e arrisco dizer que é provável que a porcentagem tenha aumentado. Os
dados mostraram que havia duas grandes motivações. Para 75% dos entrevistados a
escolha envolvia ser uma voz relevante e inspirar outras pessoas. Para 64%, era
o interesse financeiro.
Me chamem de
pessimista, mas o exposto me preocupa. Acredito que, de forma simplista,
podemos dividir a problemática em dois momentos: no consumo de conteúdos de
influenciadores digitais e também na consequência disso: o sonho equivocado de
ser influenciador e ter uma vida fácil.
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Alienação dos jovens e crianças
Tudo começa no próprio
consumo de conteúdo. Há poucos dias minha mãe me ligou para falar sobre um dos
meus sobrinhos. Ele tem 11 anos e está dando muito trabalho na escola, a ponto
que a direção chegou a cogitar a expulsão. Nas aulas, só dorme, faz bagunça e
não se concentra. Para a idade, tem dificuldades graves com a leitura e com a
escrita.
Mas o que isso tem a
ver com a questão dos influenciadores? Tudo. Meu sobrinho passa horas no
celular. Há sim irresponsabilidade dos pais. Minha irmã e meu cunhado falham,
sim, mas não estão sós. Milhões de pais entregam o celular na mão de uma
criança para que ela fique quieta.
Muitos influenciadores
produzem conteúdos direcionados para crianças e jovens. Já outros, ainda que
não façam isso explicitamente, sabem que têm esses dois grupos como
público-alvo. Boa parte desse conteúdo é totalmente fútil e superficial. Entendo
que eles não são necessariamente professores e que não têm obrigação para com a
formação de alguém, mas não posso deixar de pensar no senso de responsabilidade
que deveria existir.
Poxa, eles têm tanto
poder de alcance e de influência. Poderiam, ainda que de forma básica, provocar
os jovens para trabalharem o senso crítico ou focar, minimamente, seus
conteúdos para difusão de informações importantes. No entanto, a prática é bem
diferente. Eles corroboram com a ideia de que tudo é fácil e de que a vida é
perfeita. Além disso, produzem conteúdos que tornam os jovens alienados e seres
não pensantes, totalmente alheios ao mundo real. Estão, ainda que não
propositalmente, corroborando para uma futura geração de alienados e não
pensantes.
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Inapropriada sexualização
Não posso deixar de
falar sobre o gravíssimo problema da sexualização dos jovens. Há muita produção
de conteúdos com cunho sexual, ainda que de forma mais polida, pautada em
brincadeiras de duplo sentido ou em pegadinhas. É uma total irresponsabilidade.
Aqui, confesso, fico um pouco intrigado com a falta de repercussão sobre,
especialmente por vivermos em um país em que um projeto de educação sexual nas
escolas é capaz de gerar um motim.
Meu sobrinho é uma
grande vítima disso e me entristece muito. Ele, muitas vezes, tem falas e
brincadeiras totalmente inapropriadas para a idade. É uma criança tendo sua
infância roubada.
As crianças precisam
ser protegidas da internet e não das escolas. Reforço que entendo a
responsabilidade dos pais e das famílias, mas não podemos isentar os produtores
de conteúdo.
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Estudar para quê? Vou ser influencer digital
Eu tento sempre ser
uma pessoa aberta ao diálogo e a entender que o mundo muda muito rapidamente.
Entendo que há o surgimento de novas profissões, de novos modelos e formatos de
trabalho e que a internet e as redes sociais são partes inerentes desse novo
universo.
Também quero
aproveitar para sinalizar que há sim influenciadores muito éticos e
responsáveis. Além disso, há belíssimos trabalhos de influenciadores com
formação acadêmica e que utilizam suas plataformas para a difusão gratuita de
importantes conteúdos para a população.
No entanto, a grande
maioria corrobora para uma visão de que a vida é fácil, de que estudar é
irrelevante e de que todos podem ser tão ricos quanto eles e basta se dedicarem
às redes sociais.
Há muita ostentação de
carros caríssimos, de mansões luxuosas, de viagens intermináveis, de
restaurantes cinco estrelas e de uma vida pautada apenas em sorriso, muito
dinheiro e em facilidade. Quem vai querer estudar assim? Quem vai querer se
dedicar para um caminho de investimento de longo prazo, quanto o mundo que você
tem diante da palma das suas mãos mostra uma vida perfeita e por um caminho
aparentemente tão mais fácil? Quase ninguém. Não à toa, não é impossível que
cheguemos em um cenário em que o sonho de influenciador será o de todos os
jovens brasileiros.
O que esses jovens não
notam, até porque os queridos influenciadores não fazem muita questão de
mostrar, é a megaestrutura por trás dos posts aparentemente triviais,
cotidianos e fáceis. Muitos têm equipes, inclusive, compostas por profissionais
graduados nas mais diversas áreas.
<><> Temo
pelo futuro
Sempre gosto de
terminar a coluna com algum direcionamento ou possibilidade, mas desta vez me
reservo o direito de ser pessimista. Dedico minha vida à educação há oito anos
e acredito, em cada célula de meu corpo, que ela é a maior estratégia e
ingrediente para um futuro menos desigual. No entanto, para ser honesto com
vocês, eu temo que o futuro desejado seja uma ilusão.
Isso porque os jovens
são nosso futuro. É eles que seguirão todo o trabalho que fazemos hoje. É eles
que precisam ocupar espaços para os encher de diversidade. É eles que
precisarão estar por trás das políticas públicas.
Mas me parece
ingenuidade demais esperar isso de jovens que simplesmente não estão lendo
mais, que querem tudo fácil, que não mais sabem lidar com frustração, que não
querem mais estudar e cujo maior sonho é virar influenciador
• Legislação sobre direitos das pessoas
com deficiência é uma das mais modernas do mundo, mas falta aplicabilidade
A Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da
Pessoa com Deficiência, foi criada em 6 de julho de 2015. Segundo especialistas
em inclusão, a LBI é uma das legislações mais avançadas e completas do mundo. No
entanto, ao longo desses nove anos, faltaram aplicabilidade e também
fiscalização.
Para Thiago Helton,
tetraplégico e advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência, o
gargalo é na hora de “tirar a lei do papel”.
“Em diversos países,
podemos nos deparar com uma legislação tecnicamente inferior à nossa, mas com
uma experiência de deficiência mais inclusiva e com menos desafios em relação
ao que nós, pessoas com deficiência, vivenciamos em diversas partes do Brasil”,
afirma Helton ao Terra NÓS.
Ele lembra que a LBI
tem como base os tratados da Convenção Internacional da Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2008 – que conta
com 185 países signatários.
A criação da LBI foi
um marco histórico na luta pelos direitos das pessoas com deficiência no
Brasil. E tem como objetivo principal assegurar e promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais para PcDs,
propondo inclusão social e cidadania. A Lei nº 13.146 consolida e amplia
direitos em diversas áreas, como:
• Educação: educação inclusiva em todos os
níveis de ensino;
• Saúde: acesso à saúde de qualidade,
incluindo reabilitação e órteses e próteses;
• Trabalho: cotas de emprego para pessoas
com deficiência no setor público e privado;
• Acessibilidade: eliminação de barreiras
físicas, arquitetônicas, de transporte, comunicação e informação;
• Cultura: acesso à cultura e ao lazer;
• Transporte: direito ao transporte
público acessível;
• Moradia: direito à moradia acessível;
• Participação política: direito à
participação política em igualdade de condições com as demais pessoas, entre
outros temas.
“A nossa legislação é
muito rica, mas carente de regulamentação e de vontade política para fazer
acontecer. O primeiro passo, sem dúvidas, seria regulamentar a forma de
avaliação biopsicossocial da deficiência”, defende o advogado.
• Como são os direitos das pessoas com
deficiência em outros países?
Thiago Helton cita o
ADA (Americans with Disability Act), lei que proíbe a discriminação contra
pessoas com deficiência nos Estados Unidos. Desde 1990, é uma referência em
legislação inclusiva, destacando-se sobretudo pelo contexto de fiscalização em
caso de violação de direitos das pessoas com deficiência.
“Vale destacar também
o Equality Act de 2010, legislação do Reino Unido que combina aspectos de
combate à discriminação, contendo normas protetivas de direitos das pessoas com
deficiência”, comenta Helton.
Em comparação, ele
avalia que a Lei Brasileira de Inclusão é mais analítica e completa, “até mesmo
por ter sido elaborada após a Convenção Internacional da ONU”.
“Mas ainda temos um
longo caminho pela frente para que aconteça a sua integral regulamentação e
aplicação prática na vida dos brasileiros com deficiência e suas famílias”,
acrescenta o advogado.
Patrícia Lorete,
especialista em acessibilidade, diversidade e inclusão, argumenta que, além da
falta de aplicabilidade da LBI, existe o desconhecimento da própria lei.
“Ainda vemos escolas
recusando matrículas de crianças com deficiências, processos judiciais sem a
devida prioridade, ginecologistas que desencorajam mulheres com deficiência que
querem engravidar, delegacias que não estão preparadas para receber ocorrência
de discriminação e muitas outras
violações”, diz.
Patrícia, que também é
criadora de conteúdo na página Janela da Patty, no Instagram, concorda que a
Lei Brasileira de Inclusão trouxe avanços significativos, mas o capacitismo
ainda impõe barreiras educacionais e no mercado de trabalho para quem é PcD.
• "Conscientizar é investir no
futuro"
“Ainda existem muitos
vieses inconscientes, aqueles pensamentos automáticos que fazemos sem perceber
em relação a quem tem deficiência. Um exemplo ligado à educação é achar que
criança com deficiência intelectual não consegue aprender. Isso é um viés inconsciente.
É claro que ela consegue e a lei lhe garante esse direito”, explica Patrícia.
Para a especialista, a
conscientização é uma ferramenta fundamental para combater as atitudes
discriminatórias. “Por meio da conscientização, temos mais chances de que as
leis sejam aplicadas. Conscientizar é investir em um futuro mais acolhedor e
respeitoso. E ouvir, incluir, as pessoas com deficiência faz toda a diferença.”
A conscientização
também precisa partir do compromisso do Poder Público, complementa Helton.
“Para desenvolver políticas públicas eficazes e estratégias de inclusão
efetiva, começando pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa com
deficiência, eliminando essas barreiras com vistas a assegurar um tratamento
isonômico e igualdade de oportunidades”, conclui.
Fonte: Terra
Você/Deutsche Welle/Redação Nós
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