segunda-feira, 8 de julho de 2024

Jairo Bouer: ‘Como melhorar a educação e proteger os jovens no Brasil?’

O Brasil tem enfrentado uma piora de importantes indicadores da qualidade de ensino das crianças e adolescentes nas últimas pesquisas. Como mudar esse cenário? Parte dessa melhora tem a ver com a educação formal (os conteúdos que os alunos devem aprender em sala de aula) e outra parte considerável passa pela percepção da escola como um ambiente mais saudável e inclusivo. Nesse sentido, algumas medidas anunciadas das últimas semanas podem ser valiosas aliadas nessa mudança.

<><> Escola no combate às intolerâncias

Na última semana o STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria para obrigar as escolas, públicas e privadas, a coibirem bullying, racismo, machismo e qualquer outra forma de intolerância. A ação, movida pelo PSOL, pede ao STF que o combate às diversas formas de intolerância e discriminação seja considerado uma obrigação das redes de ensino do país.

A medida é uma reação à retirada do combate à intolerância do último Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece metas e responsabilidades para a implementação de políticas educacionais. Nesse vácuo, vários municípios e estados têm aprovado leis que vão contra esse tipo de debate nas salas de aula.

A decisão do STF implica que as ações e práticas que coíbam a intolerância devam constar dos próximos PNEs. O atual está em vigor até o final de 2024, e o Congresso precisa aprovar o novo plano, enviado na semana passada pelo presidente Lula.

Várias pesquisas mostram que qualquer forma de preconceito e intolerância pioram o ambiente para todos (seja na escola ou nas empresas) e constituem uma barreira à saúde mental, relações, aprendizado e desempenho.

É fundamental que as escolas, local em que os jovens interagem, aprendem e se tornam cidadãos, tenham um papel ativo no combate a qualquer forma de intolerância. Lembrando, claro, que as ações devem também pensar em fenômenos como cyberbullying e outras formas de violência que também acontecem online.

<><> Apostas terão que avisar sobre riscos e impactos

Outra discussão vem do universo das apostas. As bets (plataformas de apostas) deverão sinalizar para os apostadores sobre os riscos de dependência que esse tipo de comportamento pode trazer para sua vida financeira e saúde mental.

De forma similar ao que já acontece hoje com cigarro e álcool, deverá haver uma tarja na publicidade dessas plataformas com avisos sobre os riscos desse tipo de consumo. A lei do mercado de bets é de dezembro de 2023, e o Ministério da Fazenda prepara uma série de portarias que vão disciplinar essa legislação.

Os avisos deverão fortalecer mensagens sobre o jogo responsável e os riscos de dependência, bem como deixar claro que apostar não é investir, o que implica em chances concretas de se perder dinheiro e se endividar.

O papel dos influenciadores, que têm um forte apelo junto aos seus seguidores na divulgação dessas plataformas, também será regulamentado. Recentemente, o “jogo do tigrinho” foi notícia em função de fraudes que envolviam a sua divulgação.

Nesse ponto é fundamental que se controle de forma efetiva o acesso dos menores a esse tipo de plataforma. Como em qualquer tipo de comportamento que pode gerar dependência, os mais jovens estão mais expostos a riscos, por suas maiores vulnerabilidades emocionais e de amadurecimento neuronal.

Como eles vivem cada vez mais conectados e envolvidos com tecnologias e telas, a presença dessas plataformas em sua vida se torna uma ameaça concreta ao risco de eles se endividarem e enfrentarem as consequências para sua vida.

•        Educação digital

Tanto a discussão do risco das apostas online como o combate às diversas formas de intolerância passa pela importância da gente pensar mais a fundo a questão da educação digital dos jovens.

A onipresença deles nas redes sociais e telas, desde muito cedo, mostra como é importante iniciar precocemente esse tipo de educação, tanto em casa (com a moderação dos pais), como nas escolas e salas de aula.

Só dessa forma conseguimos aplicar estratégias e medidas que vão além da proibição e censura, que eles facilmente conseguem driblar. É importante que eles criem sua autonomia digital sabendo identificar riscos e fazendo as melhores escolhas.

 

•        Para que estudar? Os jovens que sonham em virar "influencers". Por Vinicius Andrade

Pesquisa mostra que 75% dos jovens brasileiros desejam virar influenciadores digitais. Ilusão de vida fácil e ostentação encantam jovens e os fazem perder o apreço pela escola e pela educação. O que esperar do futuro?

Alguns anos atrás, se perguntasse para um jovem o que ele gostaria de ser quando crescer, é muito provável que ouviria respostas como "juiz", "engenheiro", "aeromoça" ou "bombeiro". Alguns, mais sonhadores, até diziam que queriam ser jogador de futebol ou cantor.

Hoje o cenário mudou e é seguro esperar por "influencer". Uma pesquisa realizada pela startup INFLR em 2022 revelou que 75% dos jovens brasileiros sonham em ser influenciadores digitais.

O tema segue sendo atual e arrisco dizer que é provável que a porcentagem tenha aumentado. Os dados mostraram que havia duas grandes motivações. Para 75% dos entrevistados a escolha envolvia ser uma voz relevante e inspirar outras pessoas. Para 64%, era o interesse financeiro.

Me chamem de pessimista, mas o exposto me preocupa. Acredito que, de forma simplista, podemos dividir a problemática em dois momentos: no consumo de conteúdos de influenciadores digitais e também na consequência disso: o sonho equivocado de ser influenciador e ter uma vida fácil.

<><> Alienação dos jovens e crianças

Tudo começa no próprio consumo de conteúdo. Há poucos dias minha mãe me ligou para falar sobre um dos meus sobrinhos. Ele tem 11 anos e está dando muito trabalho na escola, a ponto que a direção chegou a cogitar a expulsão. Nas aulas, só dorme, faz bagunça e não se concentra. Para a idade, tem dificuldades graves com a leitura e com a escrita.

Mas o que isso tem a ver com a questão dos influenciadores? Tudo. Meu sobrinho passa horas no celular. Há sim irresponsabilidade dos pais. Minha irmã e meu cunhado falham, sim, mas não estão sós. Milhões de pais entregam o celular na mão de uma criança para que ela fique quieta.

Muitos influenciadores produzem conteúdos direcionados para crianças e jovens. Já outros, ainda que não façam isso explicitamente, sabem que têm esses dois grupos como público-alvo. Boa parte desse conteúdo é totalmente fútil e superficial. Entendo que eles não são necessariamente professores e que não têm obrigação para com a formação de alguém, mas não posso deixar de pensar no senso de responsabilidade que deveria existir.

Poxa, eles têm tanto poder de alcance e de influência. Poderiam, ainda que de forma básica, provocar os jovens para trabalharem o senso crítico ou focar, minimamente, seus conteúdos para difusão de informações importantes. No entanto, a prática é bem diferente. Eles corroboram com a ideia de que tudo é fácil e de que a vida é perfeita. Além disso, produzem conteúdos que tornam os jovens alienados e seres não pensantes, totalmente alheios ao mundo real. Estão, ainda que não propositalmente, corroborando para uma futura geração de alienados e não pensantes.

<><> Inapropriada sexualização

Não posso deixar de falar sobre o gravíssimo problema da sexualização dos jovens. Há muita produção de conteúdos com cunho sexual, ainda que de forma mais polida, pautada em brincadeiras de duplo sentido ou em pegadinhas. É uma total irresponsabilidade. Aqui, confesso, fico um pouco intrigado com a falta de repercussão sobre, especialmente por vivermos em um país em que um projeto de educação sexual nas escolas é capaz de gerar um motim.

Meu sobrinho é uma grande vítima disso e me entristece muito. Ele, muitas vezes, tem falas e brincadeiras totalmente inapropriadas para a idade. É uma criança tendo sua infância roubada.

As crianças precisam ser protegidas da internet e não das escolas. Reforço que entendo a responsabilidade dos pais e das famílias, mas não podemos isentar os produtores de conteúdo.

<><> Estudar para quê? Vou ser influencer digital

Eu tento sempre ser uma pessoa aberta ao diálogo e a entender que o mundo muda muito rapidamente. Entendo que há o surgimento de novas profissões, de novos modelos e formatos de trabalho e que a internet e as redes sociais são partes inerentes desse novo universo.

Também quero aproveitar para sinalizar que há sim influenciadores muito éticos e responsáveis. Além disso, há belíssimos trabalhos de influenciadores com formação acadêmica e que utilizam suas plataformas para a difusão gratuita de importantes conteúdos para a população.

No entanto, a grande maioria corrobora para uma visão de que a vida é fácil, de que estudar é irrelevante e de que todos podem ser tão ricos quanto eles e basta se dedicarem às redes sociais.

Há muita ostentação de carros caríssimos, de mansões luxuosas, de viagens intermináveis, de restaurantes cinco estrelas e de uma vida pautada apenas em sorriso, muito dinheiro e em facilidade. Quem vai querer estudar assim? Quem vai querer se dedicar para um caminho de investimento de longo prazo, quanto o mundo que você tem diante da palma das suas mãos mostra uma vida perfeita e por um caminho aparentemente tão mais fácil? Quase ninguém. Não à toa, não é impossível que cheguemos em um cenário em que o sonho de influenciador será o de todos os jovens brasileiros.

O que esses jovens não notam, até porque os queridos influenciadores não fazem muita questão de mostrar, é a megaestrutura por trás dos posts aparentemente triviais, cotidianos e fáceis. Muitos têm equipes, inclusive, compostas por profissionais graduados nas mais diversas áreas.

<><> Temo pelo futuro

Sempre gosto de terminar a coluna com algum direcionamento ou possibilidade, mas desta vez me reservo o direito de ser pessimista. Dedico minha vida à educação há oito anos e acredito, em cada célula de meu corpo, que ela é a maior estratégia e ingrediente para um futuro menos desigual. No entanto, para ser honesto com vocês, eu temo que o futuro desejado seja uma ilusão.

Isso porque os jovens são nosso futuro. É eles que seguirão todo o trabalho que fazemos hoje. É eles que precisam ocupar espaços para os encher de diversidade. É eles que precisarão estar por trás das políticas públicas.

Mas me parece ingenuidade demais esperar isso de jovens que simplesmente não estão lendo mais, que querem tudo fácil, que não mais sabem lidar com frustração, que não querem mais estudar e cujo maior sonho é virar influenciador

 

•        Legislação sobre direitos das pessoas com deficiência é uma das mais modernas do mundo, mas falta aplicabilidade

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi criada em 6 de julho de 2015. Segundo especialistas em inclusão, a LBI é uma das legislações mais avançadas e completas do mundo. No entanto, ao longo desses nove anos, faltaram aplicabilidade e também fiscalização.

Para Thiago Helton, tetraplégico e advogado especialista em direitos das pessoas com deficiência, o gargalo é na hora de “tirar a lei do papel”.

“Em diversos países, podemos nos deparar com uma legislação tecnicamente inferior à nossa, mas com uma experiência de deficiência mais inclusiva e com menos desafios em relação ao que nós, pessoas com deficiência, vivenciamos em diversas partes do Brasil”, afirma Helton ao Terra NÓS.

Ele lembra que a LBI tem como base os tratados da Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2008 – que conta com 185 países signatários.

A criação da LBI foi um marco histórico na luta pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. E tem como objetivo principal assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e liberdades fundamentais para PcDs, propondo inclusão social e cidadania. A Lei nº 13.146 consolida e amplia direitos em diversas áreas, como:

•        Educação: educação inclusiva em todos os níveis de ensino;

•        Saúde: acesso à saúde de qualidade, incluindo reabilitação e órteses e próteses;

•        Trabalho: cotas de emprego para pessoas com deficiência no setor público e privado;

•        Acessibilidade: eliminação de barreiras físicas, arquitetônicas, de transporte, comunicação e informação;

•        Cultura: acesso à cultura e ao lazer;

•        Transporte: direito ao transporte público acessível;

•        Moradia: direito à moradia acessível;

•        Participação política: direito à participação política em igualdade de condições com as demais pessoas, entre outros temas.

“A nossa legislação é muito rica, mas carente de regulamentação e de vontade política para fazer acontecer. O primeiro passo, sem dúvidas, seria regulamentar a forma de avaliação biopsicossocial da deficiência”, defende o advogado.

•        Como são os direitos das pessoas com deficiência em outros países?

Thiago Helton cita o ADA (Americans with Disability Act), lei que proíbe a discriminação contra pessoas com deficiência nos Estados Unidos. Desde 1990, é uma referência em legislação inclusiva, destacando-se sobretudo pelo contexto de fiscalização em caso de violação de direitos das pessoas com deficiência.

“Vale destacar também o Equality Act de 2010, legislação do Reino Unido que combina aspectos de combate à discriminação, contendo normas protetivas de direitos das pessoas com deficiência”, comenta Helton.

Em comparação, ele avalia que a Lei Brasileira de Inclusão é mais analítica e completa, “até mesmo por ter sido elaborada após a Convenção Internacional da ONU”.

“Mas ainda temos um longo caminho pela frente para que aconteça a sua integral regulamentação e aplicação prática na vida dos brasileiros com deficiência e suas famílias”, acrescenta o advogado.

Patrícia Lorete, especialista em acessibilidade, diversidade e inclusão, argumenta que, além da falta de aplicabilidade da LBI, existe o desconhecimento da própria lei.

“Ainda vemos escolas recusando matrículas de crianças com deficiências, processos judiciais sem a devida prioridade, ginecologistas que desencorajam mulheres com deficiência que querem engravidar, delegacias que não estão preparadas para receber ocorrência de discriminação  e muitas outras violações”, diz.

Patrícia, que também é criadora de conteúdo na página Janela da Patty, no Instagram, concorda que a Lei Brasileira de Inclusão trouxe avanços significativos, mas o capacitismo ainda impõe barreiras educacionais e no mercado de trabalho para quem é PcD.

•        "Conscientizar é investir no futuro"

“Ainda existem muitos vieses inconscientes, aqueles pensamentos automáticos que fazemos sem perceber em relação a quem tem deficiência. Um exemplo ligado à educação é achar que criança com deficiência intelectual não consegue aprender. Isso é um viés inconsciente. É claro que ela consegue e a lei lhe garante esse direito”, explica Patrícia.

Para a especialista, a conscientização é uma ferramenta fundamental para combater as atitudes discriminatórias. “Por meio da conscientização, temos mais chances de que as leis sejam aplicadas. Conscientizar é investir em um futuro mais acolhedor e respeitoso. E ouvir, incluir, as pessoas com deficiência faz toda a diferença.”

A conscientização também precisa partir do compromisso do Poder Público, complementa Helton. “Para desenvolver políticas públicas eficazes e estratégias de inclusão efetiva, começando pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência, eliminando essas barreiras com vistas a assegurar um tratamento isonômico e igualdade de oportunidades”, conclui.

 

Fonte: Terra Você/Deutsche Welle/Redação Nós

 

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