Governo
ignora prazo e acordo com movimentos, e engaveta reforma do Imposto de Renda
A
tão prometida reforma dos tributos sobre renda e patrimônio não tem prazo para
sair. Apesar de uma emenda à Constituição ter obrigado o governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a apresentar ao Congresso uma proposta sobre o
tema ainda em março, o próprio governo não trabalha com qualquer data para
cumprir com sua obrigação.
Lula
foi eleito em 2022 prometendo colocar "ricos no imposto de renda".
Seu governo, entretanto, priorizou esforços para a aprovação da reforma dos
impostos sobre o consumo.
Tal
reforma foi aprovada no final do ano passado, mas ainda depende de
regulamentações em discussão no Congresso. Com essas pendências em aberto e sem
clima político para análise de uma nova reforma, a discussão sobre o imposto de
renda acabou engavetada.
A
reforma do imposto de renda é considerada essencial por tributaristas e
movimentos populares para reduzir a desigualdade tributária no país, finalmente
taxando mais quem ganha mais e cobrando menos dos mais pobres. Para ela, porém,
será preciso esperar.
"Não
há data definida para a divulgação [da proposta] e para o envio ao Congresso
Nacional", declarou a Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, ao
ser questionada pelo Brasil de Fato sobre o assunto. "A proposta de
reforma de tributação da renda segue sendo elaborada pelo Ministério da
Fazenda."
• Atrasos
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), havia dito em janeiro de 2023 – nos
primeiros dias do novo governo Lula – que esperava que a reforma dos impostos
sobre o consumo fosse aprovada no primeiro semestre daquele ano. Isso abriria
espaço para a aprovação da reforma sobre a renda no segundo semestre.
Isso
não aconteceu. O texto principal da primeira reforma tramitou até dezembro. Já
sua regulamentação segue em aberto. Está longe, portanto, de um ser um assunto
encerrado.
Haddad
já disse também que é preciso respeitar o tempo do Congresso e não
"despejar" projeto atrás de projeto sobre ele. Isso indica que o
governo pretende concluir a reforma sobre consumo primeiro para depois propor
uma reforma sobre a renda.
O
próprio ministério, entretanto, admite que sequer tem uma proposta fechada
sobre o assunto. Especialistas que acompanham a discussão do tema dizem que o
governo, na verdade, tende a fatiar a reforma em projetos pontuais já
considerando que não teria tempo nem capital político para aprovar uma mudança
mais abrangente até 2026.
"O
governo tem avaliado que, se encaminhar [a reforma], vai ser derrotado. Por
isso, tem resistido", disse Marcelo Lettieri, auditor da Receita Federal e
diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF) ao BdF. "Ele já fez alguns
testes, encaminhando mudanças na taxação das offshores e dos fundos exclusivos.
As forças contrárias começaram a dizer que a carga tributária está muito
elevada e deve haver corte de gastos. Acho que dificilmente o governo vai
encaminhar algo em ano eleições municipais."
• Estratégia
Lettiere,
aliás, disse que o governo errou em priorizar a aprovação da reforma sobre o
consumo. Tal proposta não mexeu na carga tributária. Foi idealizada justamente
para ter um efeito neutro. Não ataca, portanto, os principais problemas do
sistema tributário nacional como a reforma do imposto de renda pode fazer.
O
próprio governo sabe disso. Grazielle David, pesquisadora e apresentadora do
podcast É da Sua Conta, da Tax Justice Network, disse que movimentos populares
o alertaram sobre essa questão. Chegaram a um acordo de apoiar a reforma sobre
o consumo para que logo na sequência fosse apresentada a reforma da renda.
"Tanto
é que no próprio texto da Emenda Constitucional 132, que foi essa da reforma
tributária sobre o consumo, tem uma previsão de apresentação num prazo de 90
dias de uma proposta de reforma do imposto de renda", acrescentou ela.
"Esse prazo já venceu há três meses e o governo ainda não fez essa
apresentação completa."
Para
Grazielle, a gestão precisa se posicionar. "O governo tem que honrar esse
compromisso assumido e isso tem que ser feito o mais breve possível, nem que
seja com a programação de quais medidas serão realizadas, em qual prazo",
cobrou.
• Importância
Dão
Real Pereira dos Santos, auditor, membro do coletivo Auditores Fiscais pela
Democracia e presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF), avalia que a reforma
do imposto de renda pode contribuir para a solução de muitas questões no
Brasil.
Além
de reduzir a desigualdade, pode estimular a economia nacional, reduzindo o peso
dos impostos sobre a população mais pobre, que é a que mais consome
proporcionalmente. O crescimento da economia automaticamente aumentaria a
arrecadação do governo, reduzindo a crescente pressão por corte de gastos.
"As
pessoas hoje gastam menos porque pagam mais impostos, porque tem menos
dinheiro", explicou. "Ao não fazer a reforma, estamos deprimindo a
atividade econômica."
Por
fim, dos Santos ainda ressaltou que a reforma também pode gerar mais
arrecadação porque pode instituir a cobrança de impostos sobre itens que hoje
não são tributados. Lucros de empresas distribuídos por meio de dividendos, por
exemplo, que hoje são isentos, devem passar a ser rendimentos tributáveis com a
nova reforma.
O
auditor ressaltou que uma mudança como essa desagrada os ricos do país. Por
isso, a pressão popular será decisiva para que a reforma realmente saia do
papel. "Sem mobilização da sociedade, dificilmente um projeto de
tributação das rendas dos mais ricos vai prosperar", disse.
• Lula considera “cretinos” os
analistas que dizem apenas verdades factuais
Em
2014, a agressiva campanha de Dilma Rousseff à reeleição criou um personagem
para ridicularizar qualquer pessoa que apresentasse prognósticos não favoráveis
à economia brasileira: o Pessimildo. Eram peças criadas pelo marqueteiro João
Santana que terminavam assim: “chega de pessimismo, pense Dilma”.
O
triste é que já no começo de 2015, após a vitória da presidente, estava mais
que óbvio que o Pessimildo estava errado. O Brasil se encontrava em situação
muito pior do que a mais negativa das pessoas imaginava no ano anterior e
entramos numa espiral de recessão, inflação, déficit público – uma crise sem
fim da qual ainda não nos recuperamos. Dilma nem mesmo sobreviveu como
presidente ao caos que ajudou a criar.
O
presidente Lula resolveu dar mais uma volta no parafuso. Agora os pessimistas
se tornaram “cretinos”, conforme declaração dada junto ao chamado Conselhão, no
Palácio do Itamaraty. Sofreram ataques do presidente apenas por falarem algo
comprovado.
Além
de toda a questão internacional, que precisa ser levada em conta, a falta de
compromisso do presidente com metas fiscais, reiterada em diversas situações,
tem provocado uma série de consequências, nenhuma delas positiva para a
população como um todo.
Podemos
citar que o Real é uma das moedas com menor desempenho em comparação ao dólar
em todo mundo no ano; que a instabilidade já afeta a cesta de consumo
brasileira, sobretudo de alimentos; que o déficit em maio, de R$ 60,9 bilhões,
é o pior resultado para o mês nos últimos 27 anos; que a bolsa brasileira já
perdeu R$ 43 bilhões em 2024, assim como sobem o risco Brasil e o juros
futuros.
QUESTÃO
LÓGICA
O
mercado, em qualquer lugar do mundo, não é exatamente uma instituição política.
São agentes muitas vezes anônimos, amorais, e pulverizados que por trás de toda
a complexidade das operações agem de maneira elementar: colocam dinheiro no que
pode gerar lucro e tiram o dinheiro quando sentem cheiro do prejuízo – erram e
acertam nesse processo.
Cada
declaração de Lula no sentido de que as nossas contas não precisam ser
ajustadas como quer o mercado, o resultado visível é que buscam outro lugar
para colocarem seus recursos. E, pior, como país deficitário, o Brasil precisa desesperadamente
desse capital e desses gestores “maus”.
Curiosa
a explicação dos petistas para a conjuntura atual. Invocam os números da
inflação e do desemprego além do crescimento econômico de cerca de 3% em 2024
para dizer que está tudo bem e os críticos (os comentaristas) são contra o
país.
Ora,
no tempo da Dilma o PIB também havia crescido 3% em 2013, na época das eleições
o desemprego estava com as taxas mais baixas da história, e a inflação ainda
não havia disparado. A preocupação com déficit público apenas se iniciava. Para
quem olhava para cima, não em direção ao horizonte, o céu estava azul.
Logo,
se você e eu analisamos a fotografia, podemos estar nos conformes. Mas no filme
existem riscos futuros porque certas condições pré-caos dilmista se repetem –
assim como a mentalidade de alguns de nossos governantes. Imitando sua
ex-pupila política, Lula tenta contornar o problema das contas acreditando no
seu gogó e investindo contra os críticos.
Em
breve, com a substituição do presidente do BC, Roberto Campos Neto, por alguém
à escolha do PT, nem bode expiatório terão, além dos comentaristas…
GESTOR
TEMERÁRIO
Aliás,
Roberto Campos Neto tem agido de maneira algo temerária na política, mas bom
lembrar que patrocinou a subida dos juros em 2022, ano eleitoral, prejudicando
Jair Bolsonaro. Já pararam para pensar que numa eleição decidida por tão pouco
as ações do BC naquele ano foram mais favoráveis a Lula do que ao então
presidente? Já agradeceram ao Campos Neto?
Enfim,
Lula com certeza vive a enorme nostalgia de ter comandado um país que cresceu a
uma taxa de 7,5% em 2010, para sua consagração interna e externa. Tudo isso sem
ele ter patrocinado nenhuma reforma importante em seus mandatos, na onda do
crescimento que beneficiou praticamente todos os países emergentes produtores
de commodities no planeta.
Os
tempos atuais são mais duros e há uma parte da população e da classe política
que pratica uma oposição de maneira quase feroz. Acabou a moleza. Muitas vezes,
aqueles comentaristas que alertam sobre os riscos no desequilíbrio das contas
fazem apenas o seu dever de dizer o que consideram ser fidedigno. Até porque já
pagamos na nossa história várias vezes o preço da irresponsabilidade com as
finanças públicas e a conta sempre fica mais cara para os de fato pobres.
• Lula não falava tanto desde março,
mas começou onda de azares, crises e erros
Luiz
Inácio Lula não dava entrevistas exclusivas desde março. Foi quando o caldo
engrossou. No Congresso, ainda mais. Também na inflação e nos juros dos EUA, o
que teve efeito ruim sobre juros e dólar no Brasil, piorado pela mudança de
metas fiscais. Sobreveio a catástrofe no Rio Grande do Sul. Discursos e decisão
desastrada do Banco Central azedaram o caldo grosso. Foi um trimestre de
inversão de expectativas na finança, embora menos em relação a PIB e emprego
neste ano.
Na
semana que passou, talvez o pico da crise recente, o presidente deu entrevistas
exclusivas às rádios CBN (São Paulo), Verdinha (Ceará), Meio (Piauí) e Mirante
(Maranhão) e ao jornal “O Imparcial” (Maranhão).
Lula
reagiu aos problemas, mas não só. Se as entrevistas provocaram o presidente a
falar do que lhe importa, conviria prestar atenção ao seguinte.
Primeiro,
reforçou o ataque a Roberto Campos Neto, presidente do BC. Se a direção do BC
—esta e a que ficar para 2025— quiser manter algum controle das condições
financeiras, dificilmente baixará a Selic antes do final do ano. Até Lula sabe
disso. Se, a partir de 2025, a direção do BC passar a cortar a Selic, vai
parecer uma vitória (pois terá maioria “luliana”).
Segundo,
quer explorar petróleo na costa do Amapá (Bacia da Foz do Amazonas), uma das
decisões mais importantes que este governo vai tomar. Não se sabe se a
definição terá sido baseada em algum plano de transição energética (como trocar
fósseis por renováveis, em que ritmo, a que custo, com qual nível de segurança
de abastecimento e com quais sobras de receita para o Tesouro). Não se conhece
plano algum, amplo e organizado, a esse respeito.
Lula
reconhece que há contradição entre transição verde e aumento da exploração
petroleira, mas está de olho no dinheiro. Atualmente se torra a receita do
petróleo em gasto corrente, sem investimento no futuro (na transição verde ou
na redução da dívida).
Terceiro,
dá grande importância ao plano para a “nova indústria”, para a transição verde,
de bioeconomia etc. Algo andou, picado. Mas não se sabe bem quais são os tais
planos.
Além
disso, reiterou que é preciso dar um jeito no gasto tributário de R$ 524
bilhões (isenção de impostos para cidadãos, empresas e instituições), que
“descobriu” nesta semana. Não se sabe se vai logo se esquecer disso. Porém, é
daí que seus ministros econômicos podem arrumar dinheiro.
Até
agora, a Fazenda tapava o que podia do déficit com aumentos de impostos aos
solavancos, tática ferida, talvez de morte. Mais difícil é inventar uma
necessária ofensiva para reduzir o gasto tributário, um plano maior, debatido e
organizado. Passado um terço do governo, não há plano. No mais, vão ter de
contingenciar (suspender) gasto neste ano. Lula vai aceitar?
Dólar
caro, juro alto e desajuste fiscal ameaçam novo ciclo de investimentos. Lula
volta a chamar Campos Neto de adversário e afirma que troca no BC trará
‘normalidade’.Fazenda aguarda novas alternativas para desoneração enquanto
classe política bate cabeça.
Lula
falou muito de fazer mais universidade, escola técnica, integral. Falta
dinheiro para essas instituições, Lula quer fazer outras. É um programa de
grande interesse dele.
Estaria
para sair a revisão do Plano Nacional de Segurança Pública, até agora um
fracasso do governo. Mesmo nas entrevistas, Lula se mostrou impaciente com a
demora. Diz que vai discutir o plano com seus ministros ex-governadores e com
governadores. Pode ser uma frente da contraofensiva do governo.
Por
fim, está obcecado com a compra de arroz, para vendê-lo a R$ 4 o quilo. Houve
“falcatrua” no primeiro leilão (qual?), mas a coisa não vai parar.
Fonte:
Brasil de Fato/Agencia Estado/FolhaPress
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