sábado, 6 de julho de 2024

Gás, lítio e segurança: Brasil será muito beneficiado com Bolívia no Mercosul, dizem analistas

Na próxima segunda-feira (8), os presidentes dos países-membros do Mercosul — Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — se reúnem em Assunção, no Paraguai. O objetivo da reunião é consolidar a entrada da Bolívia como membro pleno do bloco.

Segundo especialista ouvido pela Sputnik Brasil, a primeira participação da Bolívia em reunião oficial como membro pleno marca "um momento histórico para o país e para o Mercosul".

Para Rodrigo Barros de Albuquerque, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e de ciência política na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o momento pode ser visto como uma oportunidade.

"É a oportunidade de a Bolívia apresentar suas prioridades e expectativas em relação ao bloco, além de iniciar sua participação ativa nas discussões e decisões conjuntas", pontua o analista.

Segundo Barros, a entrada da Bolívia no Mercosul traz ganhos imediatos para o Brasil em diversas áreas.

"Por exemplo, o Mercosul é fortalecido como um todo com a expansão do bloco, aumentando sua representatividade e poder de negociação em acordos internacionais. Isso beneficia diretamente o Brasil, que é um dos principais membros do bloco. Além disso, o mercado boliviano é de mais de 11 milhões de consumidores, o que pode gerar um bem-vindo impulso para as exportações brasileiras, seja no setor do agronegócio (carne, soja, açúcar, entre outros), seja na indústria (máquinas e equipamentos, produtos químicos e materiais de construção) ou mesmo no setor de serviços, prestando serviços de consultoria em áreas técnicas como engenharia e tecnologia", explica à reportagem.

·        Gás natural, lítio e combate ao narcotráfico

O analista internacional destacou, ainda, que a Bolívia é um importante fornecedor de gás natural para o Brasil, e a integração ao Mercosul "pode facilitar e ampliar essa parceria energética, garantindo maior segurança energética para o Brasil", inclusive "com importantes ativos para as empresas brasileiras que poderão participar de projetos de exploração e produção de gás natural no país".

Segundo ele, são ganhos de longo prazo, dependentes de um processo gradual de integração da Bolívia ao Mercosul, e o subsequente aprofundamento das relações comerciais e econômicas entre os países.

O cientista sublinha que a entrada da Bolívia no bloco corrobora a questão de segurança.

"Outro aspecto importante diz respeito à cooperação em segurança e combate ao crime. A entrada da Bolívia no Mercosul pode intensificar a cooperação entre os dois países em áreas como segurança de fronteiras, combate ao narcotráfico e crime organizado, beneficiando a segurança de ambos os países", exemplifica à agência.

A coordenadora do Observatório do Regionalismo e professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Nitsch Bressan segue a lógica do analista da UFS e reforça que a entrada da Bolívia no Mercosul como membro pleno traz diversos ganhos para o Brasil e para o bloco como um todo.

"A Bolívia é um importante fornecedor de gás natural e, sendo a Bolívia membro pleno, a gente [o Brasil] vai ter maior integração e facilidade nesse comércio de energia. Além disso, a Bolívia possui várias reservas de minérios como o lítio, que é essencial para baterias e tecnologias, então isso é muito vantajoso para as indústrias do Brasil", reforça Bressan.

Segundo ela, a integração vai permitir uma facilidade no comércio porque "deve simplificar processos aduaneiros e reduzir tarifas, promovendo um aumento constante no fluxo comercial".

"Temos as empresas do setor energético, especialmente aquelas envolvidas na importação e distribuição no gás natural que vão se beneficiar cada vez mais dessa estreita ligação com a Bolívia", arremata a internacionalista.

·        Alternativa de acesso ao mar

Questionado se a Bolívia utilizaria o Mercosul como alternativa para a falta de acesso ao mar, o analista disse que, uma vez que La Paz não conta com litoral, o bloco pode ser uma solução.

"O Mercosul pode ser uma alternativa para ampliar suas relações comerciais e reduzir a dependência de seus vizinhos com acesso ao mar. Através do Mercosul, a Bolívia pode, por exemplo, acessar portos no Oceano Atlântico, facilitando suas exportações e importações", arguiu Barros.

Segundo ele, como os países-membros já possuem acordos comerciais com diversos países e blocos econômicos, isso também representa uma ampliação do leque de oportunidades de comércio exterior para a Bolívia.

"Isso poderá ser significativamente facilitado através de projetos de infraestrutura habitualmente promovidos pelo Mercosul, como a construção de corredores de transporte que conectam o país aos portos do Atlântico."

Brasil saúda

Após a aprovação do Senado boliviano por unanimidade, na quarta-feira (3), o governo brasileiro, por meio de nota, saudou o movimento.

"A plena incorporação da Bolívia ao bloco abrirá novas oportunidades para o incremento do comércio e dos investimentos, além de possibilidades de aprofundamento da cooperação em temas sociais para os cinco países envolvidos, contribuindo para o crescimento econômico e a prosperidade dos membros do Mercosul", diz o comunicado emitido pelo Itamaraty.

¨      Arce ratifica entrada da Bolívia no Mercosul

O presidente da Bolívia, Luis Arce, promulgou a lei que ratifica a adesão da Bolívia ao Mercosul poucos dias antes da cúpula de chefes de Estado do bloco marcada para 8 de julho em Assunção, capital do Paraguai.

"Apresentamos o projeto de adesão ao Mercosul à Assembleia Legislativa Plurinacional em 15 de dezembro de 2023. Em 14 de junho de 2024 foi aprovado na Câmara dos Deputados, e em 3 de julho de 2024 na Câmara dos Senadores. Finalmente hoje nos enviaram a lei sancionada e neste mesmo dia promulgamos de imediato", destacou.

A Bolívia era um país associado do bloco econômico e não tinha direito a voto. Agora, poderá participar como membro pleno pela primeira vez no dia 8 de julho, no Paraguai.

"A incorporação da Bolívia como país-membro do Mercosul tem caráter estratégico porque significa fazer parte de um importante espaço de integração regional, intercâmbio comercial, fortalecimento produtivo e nos torna um eixo articulador na região", disse o presidente.

O Mercosul é o quinto maior bloco econômico do mundo e foi fundado por Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil em 26 de março de 1991 em Assunção. Mais tarde, Venezuela e Bolívia aderiram.

·        Arce destaca o papel importante que o Brasil tem nas relações com a Bolívia

A recente tentativa de golpe de Estado na Bolívia no dia 26 de junho despertou não apenas a atenção do mundo para a região, mas colocou o governo de Arce sob alerta quanto ao interesse internacional sobre os recursos do país, o que fortaleceu o compromisso do presidente com seus parceiros.

No início da tarde do dia 26 de junho, tropas comandadas pelo general Juan José Zúñiga ocuparam a Praça Murillo, onde ficam os prédios do governo boliviano, e chegaram a invadir o palácio presidencial. A tentativa de golpe foi denunciada pelo presidente Luis Arce, que pediu apoio da comunidade internacional e que a população fosse às ruas para proteger a democracia.

Apesar da recente tensão política, a agenda do governo Arce não ficou paralisada. Na última terça-feira (2), a Comissão de Política Internacional do Senado da Bolívia aprovou por unanimidade um projeto de lei que ratifica a adesão do país ao Mercosul, que agora segue para o plenário da câmara alta.

Em entrevista à Sputnik, o presidente boliviano comentou os últimos eventos em seu país e explicou quais são os interesses em pauta com o Brasil, falando ainda sobre alguns dos temas que pretende tratar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua próxima reunião na próxima semana.

"Vemos isso [tentativa de golpe], primeiro, com muita cautela porque não é por acaso, os interesses não desapareceram sobre os nossos recursos naturais, então temos que estar alertas, essa é a lição", ressaltou Arce ao comentar o episódio sui generis enfrentado pelo país. Ele destacou ainda que "temos que trabalhar muito, há muitas coisas que temos que continuar fazendo e vamos continuar fazendo pelo maior tempo possível enquanto estivermos na Casa Grande do Povo".

O presidente destacou o importante papel que seus aliados na América Latina tiveram, entre eles o Brasil, para que a democracia boliviana encontrasse apoio internacional caso a situação política se deteriorasse e acredita que "deveríamos nos unir ainda mais" para evitar episódios desta natureza.

"Com o presidente Lula temos uma agenda bastante extensa. Há muitas coisas que precisamos conversar. [Dentre os principais temas] estão os fertilizantes que temos que falar conjuntamente com o Brasil para fazer novas plantas. Falar de comércio entre Bolívia e Brasil, de investimentos, de cooperação na fronteira. A fronteira mais longa da Bolívia é com o Brasil, a mais extensa", destacou o líder boliviano.

A Bolívia, que já possui estreitas relações com o Brasil na exploração de hidrocarbonetos, vem pleiteando uma vaga no BRICS graças ao novo impulso de investimentos que o país tem experimentado também na exploração de suas reservas de lítio. Para além disso, Arce reforçou que o interesse nas relações com o Brasil, vão além das relações comerciais.

"Então temos que falar não só de comércio, investimentos etc., mas também de proteger adequadamente, de lutar contra o narcotráfico, de lutar contra as forças criminosas que operam em nossas fronteiras. Enfim, tudo isso é um conjunto de temas que vamos abordar nesta reunião."

O presidente Lula viaja a Santa Cruz de La Sierra, na semana que vem, para uma visita bilateral com o presidente Arce. Lula já disse que pretende prestar apoio ao homólogo boliviano durante a viagem, após a denúncia da tentativa de golpe de Estado no país, uma vez que o governo brasileiro não mudou sua posição de condenar "qualquer tentativa de golpe", segundo o Itamaraty.

¨      Ações pessoais de Milei e Lula, e não de seus governos, levam Argentina e Brasil ao confronto

As atitudes dos dois chefes de Estado sul-americanos, e não de seus governos, levaram a situação entre os países vizinhos ao perigoso contexto atual, analisou o jornal O Globo, nesta sexta-feira (5).

Em meio à forte troca de farpas entre os presidentes, na segunda-feira (1º), por iniciativa do Brasil, os ministros das Relações Exteriores Mauro Vieira e Diana Mondino se falaram por telefone.

O chanceler brasileiro, confirmaram fontes dos dois países, queria expressar "surpresa e desagrado" pela decisão de Javier Milei de cancelar sua presença na cúpula do Mercosul, dia 8 de julho, no Paraguai, mas, no mesmo fim de semana, participar de evento da extrema direita junto a Jair Bolsonaro em Santa Catarina.

A resposta da chanceler argentina foi se desvincular das opções feitas por seu presidente, das quais, disse ao ministro brasileiro, sequer fora informada com antecipação. Naquele momento, ficou claro que a capacidade da diplomacia de conter uma escalada entre Milei e Luiz Inácio Lula da Silva chegará ao limite, escreve a coluna de Janaína Figueiredo no jornal O Globo.

Desde que o argentino assumiu o poder, em dezembro passado, o Itamaraty e o Palácio San Martin fizeram notórios esforços para controlar os danos causados pelas graves ofensas de Milei ao brasileiro na campanha de 2023. Visita oficial da chanceler à Brasília e carta enviada por Milei pedindo encontro bilateral, mas que não teve resposta de Lula.

O Brasil, por sua parte, apoiou Buenos Aires em organismos internacionais, e o Itamaraty realizou gestão frenética e eficiente para destravar o envio de gás ao mercado argentino no fim de maio, em meio a uma crise energética complexa para Milei.

"A esta altura, dizem fontes dos dois lados, não adianta discutir sobre quem tem mais culpa. A realidade é que atitudes dos dois chefes de Estado, e não de seus governos, levaram a situação ao perigoso estado atual", escreve a colunista.

Os argentinos alegam que Milei tentou uma aproximação com Lula no encontro do G7 na Itália, e que o presidente brasileiro foi "frio e distante", ao mesmo tempo, os insultos do líder argentino contra o petista, durante sua campanha, foram muito fortes.

"A escalada entre os dois presidentes é vivida com preocupação por diplomatas e empresários. Ficou claro que futuros desdobramentos estão em mãos de Lula e Milei. O brasileiro não cede um milímetro em sua posição de exigir um pedido formal de perdão. Lula, dizem fontes brasileiras, 'está magoado'. Milei, como dizem seus colaboradores, está sendo Milei: passou da tentativa de um encontro ao ataque feroz. A impulsividade do presidente argentino não é novidade", escreve a colunista.

E a situação pode piorar ainda mais se Milei reiterar as ofensas a Lula em território brasileiro, ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro. A reposta do Brasil será dura, e Brasília pode, pela primeira vez desde 1906, convocar seu embaixador na Argentina, Julio Bitelli.

A última vez que isso aconteceu, comentam diplomatas brasileiros, foi por decisão do barão do Rio Branco, então ministro das Relações Exteriores do Brasil, em meio a tensões envolvendo a demarcação de fronteiras entre os dois países.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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