FUTEBOL E MÍDIA: As transmissões do futebol de mulheres no território brasileiro
O futebol de mulheres
enfrenta há muitos anos uma série de problemas relacionados à organização e à
estrutura de clubes e federações, o que inclui as transmissões midiáticas. A
presença recente nos principais meios de comunicação de massa enseja um novo caminho
para o esporte, que conviveu com certo ostracismo ao longo das últimas décadas.
No Brasil, “os
primeiros jogos televisionados do futebol de mulheres só aconteceram,
esporadicamente, a partir de 1990, no canal aberto TV Bandeirantes” (Castro,
2021, p. 1), mas foi durante os Jogos Panamericanos de 2007, realizados no Rio
de Janeiro, que houve maior regularidade nas exibições.
Convivendo com a
proibição desde 1941, por ordem do então presidente Getúlio Vargas, até 1983,
no fim da ditadura militar, a modalidade ganhou visibilidade após a ascensão de
Marta, considerada a melhor jogadora do mundo por seis vezes (2006, 2007, 2008,
2009, 2010 e 2018).
A meio campista,
estrela da seleção brasileira, ressaltou em entrevista durante a última Copa do Mundo, em 2023, as dificuldades enfrentadas em sua trajetória: “Sabe o que é
legal? Eu não tinha uma ídola no futebol feminino. Vocês (jornalistas) não
mostravam o futebol feminino. Como eu ia entender que eu poderia ser uma
jogadora, chegar à seleção, sem ter uma referência? Hoje, a gente sai na rua e
os pais falam: ‘minha filha quer ser igual a você’. Hoje, temos nossas próprias
referências. Não teria acontecido isso sem superar os obstáculos”, afirmou a
rainha do futebol.
As barreiras
certamente foram muitas e seguem imperando em muitos lugares, mas, de certa
forma, Marta representa um crescimento do futebol feminino brasileiro no mundo,
“abrindo portas para a igualdade”, como ela mesma diz. Fruto do seu trabalho e
de outras grandes jogadoras, algumas das quais se tornaram gestoras do
esporte, o Brasil será sede da Copa do Mundo Feminina de 2027. A décima edição da principal competição de seleções do futebol
de mulheres será a primeira disputada na América do Sul.
Como nem tudo são
flores, apesar da ampliação dos investimentos, da presença de mulheres na
imprensa e do próprio reconhecimento do futebol feminino no meio esportivo,
ainda há uma desigualdade gigantesca, não apenas em relação ao futebol
masculino, mas também em termos regionais, sobretudo no Norte e Nordeste do
país, onde predomina uma enorme precariedade.
·
A ampliação e a diversificação das
transmissões dos campeonatos femininos nacionais e de seleções no Brasil
A fim de entender a
situação do futebol de mulheres na mídia, inclusive em uma perspectiva
histórica, o Observatório das Transmissões de Futebóis vem mapeando a exibição de torneios internacionais
(Champions League e Copa Libertadores da América), nacionais (Campeonato
Brasileiro e Copa do Brasil) e de seleções (Copa do Mundo, Copa América e
Eurocopa), desde 2012, além dos campeonatos estaduais, desde 2019, via TV
aberta, fechada e plataformas digitais (streaming).
A partir desse
levantamento de dados, percebemos um avanço importante na quantidade e
diversidade de veículos dedicados à exibição do esporte no Brasil. Enquanto em
2012 não havia televisionamento de torneios (nacionais, internacionais e de
seleções), no ano de 2022, dez empresas exibiram cinco campeonatos diferentes.
Conforme podemos perceber no gráfico abaixo, a tendência tem sido de expansão
do futebol de mulheres no Brasil, tanto em relação à quantidade de campeonatos,
quanto de emissoras e plataformas que transmitem os jogos.
A primeira Copa do
Mundo feminina foi disputada apenas em 1991, na China, entretanto com registros
das partidas no Brasil apenas em 2003, no canal fechado ESPN Brasil, e em 2007,
na TV Bandeirantes (Castro, 2021). A título de comparação, no caso do futebol
masculino, o primeiro mundial de seleções foi disputado em 1930 no Uruguai,
sendo televisionado no Brasil pela primeira vez em 1954.
Ainda sobre a história
das copas, o mundial feminino de 2015, realizado no Canadá, foi transmitido na
TV Brasil e na Band, ainda de forma parcial. Já na Copa de 2019, na França, bem
como em 2023, na Austrália e na Nova Zelândia, houve maior mobilização da mídia
e a decisão da Globo exibir os jogos da seleção canarinha em TV aberta, além de
quase todo o torneio na TV por assinatura (SporTV). Desde então, como pode ser
observado no gráfico abaixo, há uma diversificação e ampliação de esforços dos
meios de comunicação na cobertura dos torneios profissionais de futebol de
mulheres. Nesse sentido, foi um marco importante a exibição de todas as
partidas da Copa de 2023 por streaming, via YouTube, no canal CazéTV, além da
plataforma FIFA+.
Em relação ao futebol
nacional, entre 2013 a 2014, o Campeonato Brasileiro foi transmitido na TV
fechada pelos canais Fox Sports, Band Sports e SporTV, sendo televisionado em
rede aberta pela primeira vez somente em 2015, com a iniciativa da TV Brasil, emissora
pública vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que exibiu a
competição até 2018, com exceção do ano de 2017, retomando a veiculação em
2024.
No ano de 2007, a CBF
criou a Copa do Brasil, exibida somente em 2013 pelo SporTV e no último ano do
torneio, em 2016, pelo Facebook. A plataforma americana do grupo Meta também
mostrou o Campeonato Brasileiro entre 2016 e 2021, com um hiato entre 2019 e
2020. Concorrente direto, o Twitter (atual X) realizou experiências de
transmissão do Brasileirão de 2018 (além da Copa América) e 2020.
A partir de 2019,
mesmo com a pandemia, cresce o interesse das emissoras e de algumas plataformas
digitais, como DAZN, My Cujoo, Eleven Sports e YouTube, além da Conmebol TV,
canal próprio da federação sul-americana de futebol, criado para transmitir a Copa
Libertadores da América.
Em 2019, há o retorno
da Band, emissora pioneira no futebol praticado por mulheres no Brasil,
passando a exibir, além da Copa do Mundo, o Campeonato Brasileiro, de 2019 a
2022, e a Libertadores de 2020 e 2023. Outro canal privado de alcance nacional,
o SBT resumiu suas transmissões à Copa América de 2022. Por outro lado, o grupo
Globo (TV Globo e SporTV) retoma as exibições da Libertadores e do Campeonato
Brasileiro de 2022 a 2024, incluindo a Copa América de 2022 e a Copa do Mundo
de 2023. Por fim, em 2017, o SporTV assumiu a transmissão da Eurocopa,
substituída em 2022 pela ESPN e pelo canal de streaming da UEFA, a UEFA TV.
O avanço do streaming
nas transmissões dos campeonatos femininos internacionais no Brasil
Se há uma forte
concorrência entre conglomerados de mídia nacionais e estrangeiros para exibir
torneios brasileiros, sul-americanos e de seleções, no caso dos torneios
internacionais de clubes, a ESPN aparece como um agente pioneiro. A partir de
2018, a emissora de propriedade do grupo Disney destinou espaço para a
transmissão da UEFA Champions League na TV por assinatura e no WatchESPN
(antigo canal de streaming).
Em 2022, a ESPN deixa
o principal torneio europeu de futebol feminino, emplacado por DAZN e YouTube.
No ano seguinte, em 2023, a CazéTV assumiu a final do campeonato. Já em
2024, a transmissão contou com uma cobertura completa da TNT, do Space e da
antiga HBO Max (agora denominada como Max), veículos pertencentes ao grupo
Discovery, após fusão com a WarnerMedia, negociada pela AT&T no ano de
2021.
Enquanto gigantes da comunicação têm avançado sobre o futebol brasileiro, é possível observar o crescimento do streaming, acirrando a disputa por catálogos
atrativos que justifiquem os preços sugeridos.
Apesar da promessa de democratização e rompimento das barreiras na transmissão
de esportes, essa ferramenta de serviços online tem provocado maior
dificuldade de acesso aos campeonatos,
fragmentando os conteúdos midiáticos, disponibilizados segundo critérios de
audiência e precificação.
Por meio de parcerias
com provedores de TV a cabo (ClaroTV/Net, Sky, Vivo) e empresas de mídia e
tecnologia (LiveMode, Mercado Livre, Zapping, Youtube, Facebook, TikTok),
serviços como Star+ (ESPN), Max (HBO/TNT), Prime (Amazon), Nosso Futebol,
Paramount+, Disney+, DAZN, GloboPlay e Premiere (Globo) oferecem possibilidades
de acompanhar as partidas via TV, computador ou smartphone, ao vivo ou após o
término do jogo, podendo custar R$ 1,2 mil por ano. Neste cenário de
plataformização das transmissões, a fim de driblar os altos valores, a pirataria tem sido a alternativa encontrada por muitos
torcedores.
Incipiente no Brasil,
o streaming é o grande responsável pela consolidação da liga nacional feminina
dos Estados Unidos – a NWSL. Por lá, os direitos de transmissão movimentam cerca de US$ 60 milhões por ano, fundando
as bases necessárias para o desenvolvimento deste importante centro esportivo
no sistema internacional do futebol de mulheres. Em 2023, o torneio foi exibido
para mais de 25 países ao redor do mundo, sendo transmitido no Brasil pelo
canal GOAT, via YouTube.
Em contrapartida,
muito distante da capacidade financeira da liga americana, a Copa Libertadores
da América começou a ser transmitida no Brasil em 2015 pela antiga FoxSports
(agora parte do grupo ESPN). Isso se repetiu em 2016 e em 2021.
·
Dificuldades na exibição do futebol de
mulheres no Brasil
Como corolário,
importa ressaltar que o monopólio da mídia segue ditando as regras do jogo.
Isso quando há retorno financeiro e viabilidade política para a exibição dos
jogos. Caso contrário, os torneios são esquecidos por veículos comerciais e
relegados aos esforços da mídia pública e de clubes e federações locais
(Fernandes, 2023). Como afirmou a professora doutora Mariane Pisani (UFPI) ao
podcast O Jogo é Hoje, “o que não é visto, não é lembrado. O que não é
transmitido, não pode ser consumido”.
De certa forma, apesar
dos novos passos dados para a consolidação do futebol de mulheres no Brasil, o
esporte ainda é marginalizado dentro do cenário das transmissões esportivas.
O abismo da
distribuição dos campeonatos para as emissoras e os streamings quando comparado
ao futebol masculino ainda torna a modalidade um tanto quanto desconhecida
popularmente, sendo frequentemente alvo de ataques misóginos.
Porém, dado o fato que
o futebol de mulheres foi proibido por muito tempo em território brasileiro e
que os campeonatos começaram a ganhar relevância nas disputas dos players das
transmissões somente nos últimos anos, principalmente a partir de 2019, após a
Copa do Mundo, é necessário reconhecer que esse esporte já conseguiu seu espaço
ao sol.
A ampliação das
transmissões dos campeonatos nacionais, internacionais e de seleções, além dos
estaduais (analisados em artigo futuro), fazem com que a única referência já
não seja somente a Marta. Apesar de ser a maior jogadora da história, hoje
lidamos com a possibilidade do surgimento de novas ídolas.
Apesar do monopólio de
conglomerados midiáticos nacionais e estrangeiros, definindo os rumos do
esporte, saber onde as partidas serão transmitidas e quem serão as
protagonistas do espetáculo, faz com que aumente a empatia popular.
Nesse sentido, o
Observatório das Transmissões de Futebóis tem trabalhado para investigar o
acesso à exibição do futebol de mulheres, produzindo informações que podem ser
relevantes para pesquisadores e jornalistas. Assim, o esporte pode ser
reconhecido pela devida grandiosidade de suas antigas e novas referências
esportivas.
O futebol feminino tem
um longo caminho a percorrer para se consolidar no imaginário popular, mas,
após anos de lutas árduas, a modalidade começa a dar seus primeiros passos em
direção ao sucesso. Sigamos nessa direção.
Fonte: Por Amanda
Trovo e Iago Vernek Fernandes, no Le Monde
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