EUA: “O país está cheio de armas e o ódio
aumenta, há duas Américas e que não se falam mais”
Lucio Caracciolo, diretor da Limes, a mais respeitada revista de
geopolítica italiana, fala sobre o atentando contra Donald Trump no
final de semana passado. Para ele, na sociedade dos EUA,
"o ódio já existe, o atentado não é um evento solto, o confronto
entre Trump e Biden é apenas o reflexo de uma situação que vem se
deteriorando há anos em um país dividido, onde os trumpianos pensam que são
a América e vice-versa", explica. Além disso, comenta a
situação geopolítica da Europa e os impactos da guerra
entre Ucrânia e Rússia.
<><> Eis a
entrevista.
·
Lucio Caracciolo, como acordam os Estados
Unidos após o atentado de Butler?
Com a consciência de
que há pelo menos duas Américas, a que se encarna em Trump e aquela
que desgastadamente se agarra a Biden. O risco é que nos Estados Unidos, com 450 milhões de armas para 330 milhões de habitantes e um
certo hábito à violência, isso não seja apenas um episódio. De um certo ponto
de vista, esse atentado não deveria causar surpresa, porque ocorre em um clima
já verbalmente violento e, portanto, perfeito para o deslizamento para
a violência física.
·
E agora? O ódio chamará mais ódio?
O ódio já
existe, o atentado não é um evento solto, o confronto entre Trump e
Biden é apenas o reflexo de uma situação que vem se deteriorando há anos
em um país dividido, onde os trumpianos pensam que são a América e
vice-versa. Uma situação em que há uma América a mais.
·
A guerra civil que se aproxima terá impacto
sobre a política externa estadunidense, que até agora tem mantido uma linha
homogênea?
A falta de
homogeneidade é um fato. Há tempo, todos parecem estar posicionados nesse clima
do qual deriva a derrota de Biden, a começar por Zelenski, que está
em uma situação crítica, sabendo que em breve a ajuda, se é que existirá, não
será mais a mesma.
·
Os conspiradores estão enlouquecendo.
Ouviremos de tudo, o
suposto assassino está morto e nunca saberemos a verdade. Dirão que não foi
ele. Mas não é a história de Kennedy, algo fora do comum: esse atentado
está dentro do esperado, perfeitamente dentro do clima atual.
·
Putin deve estar rindo satisfeito.
Não acho
que Putin esteja tão tranquilo, porque a guerra desgasta até mesmo
aqueles que aparentemente estão ganhando no terreno. Mas não devemos pensar
apenas em Putin, pois aqui se abre uma oportunidade para os adversários
dos Estados Unidos e seus aliados não tão fiéis que estão pensando em
recortar para si um espaço autônomo, como a Turquia. E uma fase incerta se
abre para o Ocidente, que está preocupado com o fato
de Washington agora terá prioridades diferentes da sua segurança.
·
O que muda para a UE a aceleração da
história dos EUA?
Muito.
A Europa não entendeu o terremoto de 22 de fevereiro de 2022. Os países ocidentais continuam pensando na invasão da
Ucrânia como uma ferida que mais cedo ou mais tarde vai se curar, enquanto
os orientais estão convencidos de que Putin, dado como acabado alguns anos
atrás, possa chegar a Paris. A Europa ainda não se sintonizou com o novo mundo
que mudou tão rapidamente.
·
A última reunião de cúpula da OTAN nos diz
que estamos em nova corrida armamentista?
É preciso fazer uma
distinção. Um país como a Polônia já gasta 4% do seu PIB em armas e
logo aumentará para 5%. Há os países bálticos, a linha de frente
antirrussa, e há aqueles que anunciam, mas não fazem. A verdade é que há falta
de recursos, inclusive humanos, para uma economia de guerra, poucos europeus
estão prontos para se alistar pela pátria, especialmente no oeste.
Os Estados Unidos têm seus próprios interesses.
A Europa não tem forças armadas para se defender e sempre contou com
a Mãe América, mas essa ajuda agora será menos garantida, seja quem
for que ganhar a Casa Branca.
·
Não está na hora de a UE planejar um
exército comum?
Não, porque não há
nenhum sujeito político que possa falar, um ministro da defesa requer um estado
e nós somos 27, com histórias diferentes e ideias diferentes sobre quem é o
inimigo. Além disso, caso isso fosse possível, levaria décadas. Vamos começar com
coisas concretas, como um rearmamento mínimo para existir e o vínculo
atlântico, sem o qual tudo pode acontecer.
·
Putin é uma ameaça militar para a UE?
A UE é
vasta. Para a Irlanda não é, para os escandinavos poderia ser. Mas
não me parece que Putin tenha a intenção de invadir
a Europa e, caso tivesse, não poderia fazer muita coisa, pois isso
significaria transformar a Rússia em um país em guerra. Além
disso, Putin não tem os recursos para ir mais longe.
·
Será a Terceira Guerra Mundial?
As guerras acabam se
tornando guerras mundiais depois de tê-las combatido, foi assim com a primeira
e a segunda. Quando começa, nunca se sabe. Mas as guerras sem política e sem
diplomacia se expandem, preocupa-me o fato de não ver nem uma nem outra, tudo é
confiado às armas e tudo poderia acontecer.
·
A diplomacia é suficiente para se defender
em um mundo de valentões?
A alternativa é a
selva. Felizmente, ainda existem pessoas que raciocinam. Também hoje há
negociação, nos bastidores. A Rússia e os Estados Unidos, por exemplo, têm mecanismos de diálogo semiautomáticos.
Exceto a Ucrânia em luta pela sobrevivência, é a Europa que corre o
maior risco, esmagada no confronto entre os EUA e a Rússia, no qual por
enquanto é Pequim quem
vence.
·
Em nome da diplomacia, a Europa deveria
desistir de fazer respeitar o direito internacional em seu território?
Não existe um sujeito
europeu e, portanto, não pode exercer nenhuma ação diplomática, não há
um Blinken europeu. Alguns países europeus têm uma moeda comum, mas
isso não significa nada do ponto de vista político. Quem fala em nome de 27
países com opiniões diferentes? O que é viável é que alguns países compartilhem
a responsabilidade por iniciativas como a mediação
de Sarkozy na Geórgia em 2009 ou em Kiev em 2014.
Infelizmente, hoje não vejo essa convergência.
·
2014 é, para a Ucrânia, o sinal verde para
a invasão de 2022.
Os fatos hoje estão no
terreno: em abril de 2022, a Rússia estava em choque com aquela que
pensava teria sido uma campanha vitoriosa de três dias e que, em vez disso,
estava se revelando uma derrota. Foi feito um acordo com a disponibilidade logística
turca, mas a Grã-Bretanha disse não porque, com Moscou de joelhos,
sonhava com o golpe de misericórdia. Infelizmente ou felizmente, esse não foi o
caso e hoje as condições mudaram.
·
Se a Ucrânia tivesse rejeitado o Memorando
de Budapeste e mantido o arsenal nuclear, teria sido invadida?
Acredito realmente que
não, mas naquela época Kiev tinha 2.000 bombas atômicas e era a
terceira potência mundial, ninguém teria aceitado uma Ucrânia assim, nem mesmo
os Estados Unidos.
·
Se a dissuasão não vence, os prepotentes
vencem.
A dissuasão durou até
2022, quando Putin mostrou que não tinha medo dela. Hoje, com
os Estados Unidos no caos, é difícil reconstruí-la. E quanto aos
prepotentes, sou contra a personalização da guerra. Se Putin morresse, a
situação não mudaria. A Rússia é a Rússia. E a Ucrânia sabe
que nunca voltará às fronteiras de 1991. A negociação hoje não diz respeito às
fronteiras, mas é sobre o status da Ucrânia, desmilitarizado como quer Putin ou
atlanticizado para garantir sua segurança. Sabendo que a entrada de Kiev na
OTAN é uma promessa destinada a permanecer no papel, especialmente com estes
Estados Unidos.
·
Trump vencerá?
Biden pode ser
substituído. A questão de saber se ele pode representar os Estados Unidos não
tem a ver com o futuro, mas com o presente. E quanto mais o tempo passa, mais
Trump se torna o provável vencedor.
¨ EUA receberam informações de plano iraniano para assassinato de
Trump, diz agência
Os Estados Unidos
receberam nas últimas semanas informações sobre um plano iraniano para tentar
assassinar o ex-presidente Donald Trump, segundo a agência de notícias
Associated Press. Após a ameaça iraniana, o Serviço Secreto aumentou a proteção
de Trump.
Segundo autoridades
ouvidas pela AP, não há indícios de que esse plano tenha relação com o jovem de
20 anos que tentou assassinar Trump no último sábado (13) durante comício na
Pensilvânia. A segurança de Trump já estava reforçada quando houve o atentado.
“Como dissemos muitas
vezes, estamos acompanhando ameaças iranianas contra ex-funcionários da
administração Trump há anos, desde a última administração. Essas ameaças surgem
do desejo do Irã de buscar vingança pelo assassinato de Qassem Soleimani.
Consideramos isso uma questão de segurança nacional e doméstica da mais alta
prioridade”, disse Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional
dos EUA.
A proteção de Donald
Trump foi reforçada há várias semanas, depois que as autoridades dos Estados
Unidos souberam de uma conspiração iraniana para matá-lo, segundo autoridades
de segurança nacional.
As autoridades dizem
que não há ligação conhecida entre a conspiração iraniana e a tentativa de
assassinato do ex-presidente no sábado (13/7) na Pensilvânia.
No entanto, a
divulgação de que a segurança foi reforçada levanta novas questões sobre como
Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, conseguiu escalar um edifício e aproximar-se
o suficiente para disparar contra Trump.
O Serviço Secreto dos
EUA e a campanha de Trump foram notificados da ameaça iraniana e, como
resultado, a segurança foi reforçada, de acordo com um oficial de segurança
nacional americano.
Trump e autoridades,
incluindo seu ex-secretário de Estado, Mike Pompeo, enfrentaram ameaças de
Teerã desde que ordenaram o assassinato de Qassim Soleimani, líder da força
Quds do Irã, no Iraque, em 2020.
Anthony Guglielmi,
porta-voz do serviço secreto americano, disse que esta e outras agências estão
"constantemente recebendo novas informações sobre ameaças potenciais e
tomando medidas para ajustar os recursos, conforme necessário".
"Não podemos
comentar sobre qualquer fluxo de ameaça específico, a não ser dizer que o
Serviço Secreto leva as ameaças a sério e responde de acordo com a
necessidade."
A campanha de Trump
disse que não comenta questões de segurança e encaminhou as perguntas da BBC ao
Serviço Secreto.
Adrienne Watson,
porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, disse que as
autoridades de segurança dos Estados Unidos têm "rastreado as ameaças
iranianas contra ex-funcionários do governo Trump durante anos".
"Essas ameaças
surgem do desejo do Irã de procurar vingança pela morte de Soleimani",
disse ela. "Consideramos esta uma questão de segurança nacional e interna
da mais alta prioridade."
Ela, no entanto,
reiterou que a investigação "não identificou laços" entre o atirador
e "qualquer cúmplice ou co-conspirador, estrangeiro ou nacional".
A missão iraniana nas
Nações Unidas classificou o relatório como "infundado e malicioso",
acrescentando que Trump "é um criminoso que deve ser processado e punido
num tribunal".
Em 2022, o
Departamento de Justiça anunciou acusações criminais contra um membro do Corpo
da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, alegando que ele estava orquestrando
um complô para matar Bolton.
Os promotores disseram
que a conspiração foi "provavelmente uma retaliação" pelo assassinato
de Soleimani.
Surgiram dúvidas sobre
como os policiais e agentes responsáveis pela segurança do comício no condado
de Butler, na Pensilvânia, permitiram que Crooks chegasse tão perto.
O diretor do Serviço
Secreto admitiu que a polícia local estava dentro do prédio enquanto Crooks
estava no telhado mirando em Trump, a 130 metros de distância.
A CBS News, parceira
da BBC nos EUA, informou que três atiradores da polícia local estavam dentro do
prédio e viram Crooks subir no telhado.
A polícia local
encaminhou as questões da BBC à polícia estadual, que disse não ser responsável
pela área onde está o edifício.
Um porta-voz da
polícia estadual disse à BBC que forneceu "todos os recursos"
solicitados pelo Serviço Secreto, incluindo entre 30 a 40 soldados dentro do
perímetro.
O presidente Joe Biden
ordenou uma revisão independente de como o atirador conseguiu chegar tão perto
de matar Trump. O Serviço Secreto também enfrenta investigações do Congresso.
·
Irã nega qualquer
plano para assassinar Donald Trump
A missão permanente da
República Islâmica do Irã na ONU negou que haja uma conspiração iraniana para
assassinar o ex-presidente Donald Trump.
“Essas acusações são
infundadas e maliciosas. Da perspectiva da República Islâmica do Irã, Trump é
um criminoso que deve ser processado e punido em um tribunal por ordenar o
assassinato do general Soleimani. O Irã escolheu o caminho legal para levá-lo à
Justiça”, disse um porta-voz da missão.
Fonte: Entrevista com
Lucio Caracciolo, para Francesca Paci, no La Stampa, - tradução de Luisa
Rabolini, para IHU/BBC News Mundo
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