Escravizados
do café: Resgates de trabalhadores em MG têm ataques e ameaças
Após
24 trabalhadores serem resgatados de condições análogas às de escravo em três
fazendas de café em Nova Resende, Juruaia e Areado, no Sul de Minas Gerais
neste mês, o deputado federal Emidinho Madeira (PL-MG) foi à tribuna da Câmara
pedir apoio do seu partido e da bancada ruralista para mudar a norma que
orienta a fiscalização trabalhista no campo.
Dados
do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, em 2023, a atividade de onde
mais trabalhadores foram resgatados foi o cultivo de café, com 300 pessoas.
Em
seu pronunciamento, acusou a fiscalização de causar pânico e criticou que os
policiais e servidores públicos envolvidos no combate à escravidão portem armas
pesadas e fiquem um longo período em cada propriedade. Produtores de café do
Sul e Sudoeste de Minas são parte da base eleitoral do deputado, que é
coordenador da Frente Parlamentar do Café.
“Senhores
auditores, a tinta da caneta, essa multa, é muito pesada e tira muita gente da
atividade. Onde vocês passaram nessa semana, a colheita desse ano e do ano que
vem dos pequenos produtores já estão comprometidos com a justiça e o nome
travado”, afirmou. Propôs que, ao invés das operações de resgate, houvesse
“orientação” e “diálogo” com produtores.
A
“dupla visita”, quando a fiscalização primeiro orienta e só em outro dia pune
no caso de manutenção da irregularidade é antiga demanda de alguns setores
econômicos. Ela já é prevista pela legislação em casos de infrações leves, mas
segue barrada para o crime de escravidão e trabalho infantil.
No
dia seguinte, em uma reunião da Comissão da Agricultura e Pecuária, ele repetiu
o discurso diante do ministro da Agricultura Carlos Fávaro, que prometeu
visitar a região para isso ser “pacificado”. A questão: pacificar a
fiscalização ou o trabalho escravo?
Seu
pai, o produtor rural Emídio Alves Madeira, já esteve relacionado no cadastro
de empregadores responsabilizados por trabalho escravo, a chamada “lista suja”
pelo menos duas vezes: em outubro de 2017, por causa de um resgate de 14
pessoas em Bom Jesus da Penha (MG) ocorrido em 2016; e em março de 2017, por
outra operação que envolveu 60 trabalhadores no mesmo município, mas em outra
fazenda, em 2015. Madeira faleceu em 2021 por complicações da covid-19.
Em
6 de junho, uma operação da Polícia Federal teve como alvo um homem que
disparou áudios com ameaças contra a fiscalização do trabalho que atua na
região cafeeira de Minas Gerais. Ele prestou depoimento e teve o celular
apreendido.
Carlos
Calazans, chefe da Superintendência Regional do Trabalho, afirmou à coluna que
a PF está investigando se ele estava agindo a mando de alguém, se estava
articulado com outras pessoas e se é “gato”, como são chamados os contratadores
de mão de obra a serviço de fazendeiros. Os áudios chegaram aos servidores
públicos durante fiscalização em lavouras na região do município de Muzambinho,
em maio, e foram encaminhados à PF, que identificou o autor.
“Se
juntar todo mundo, os trabalhadores, 30 pessoas pegando café, na hora em que a
fiscalização chegar lá, quebra o carro deles, mete o pau neles e desce o cacete
neles. Aí, vai parar com essa pouca vergonha aí”, diz um dos áudios.
As
operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que resgatam trabalhadores
escravizados, são coordenadas pela Inspeção do Trabalho do Ministério do
Trabalho e Emprego em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia
Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a
Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Também há equipes
ligadas às Superintendências Regionais do Trabalho nos estados, que também
contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.
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Entidades repudiam ataques à fiscalização do café
A
equipe de fiscalização disse à coluna que a situação encontrada nas três
fiscalizações foi “bem assustadora”.
“Em
todos os casos encontramos evidências de tráfico de pessoas, intermediado por
gatos [contratadores de mão de obra a serviço do fazendeiro], com promessas
enganosas e trabalhadores viajando sem saber o valor a ser pago. Também
encontramos inexistência de registros, alojamentos degradantes, falta de água
potável, de instalações sanitárias e de equipamentos de proteção, além de casos
em que os trabalhadores tinham que comprar as próprias ferramentas”, afirmaram
auditores fiscais.
As
declarações do deputado no dia 18 de junho levaram a uma série de notas de
repúdio, bem como de apoio ao combate à escravidão contemporânea, por parte de
organizações da sociedade civil.
O
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho afirmou que “a presença de
autoridades policiais nas operações é uma medida de segurança, não um ato de
intimidação aos produtores”.
“Tal
medida é necessária porque os casos de agressões, ameaças, intimidações, e até
assassinatos, infelizmente são constantes.” O sindicato lembra que a Chacina de
Unaí, em que quatro funcionários do Ministério do Trabalho foram executados a
manda de proprietários rurais, ocorreu em Minas.
O
Polo Agroecológico do Sul e Sudoeste de Minas também publicou nota criticando
as declarações do deputado Emidinho Madeira, no dia 26 de junho, e em defesa
das ações de resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão na
produção de café.
“Nossa
região está em pânico, não pela fiscalização, que ainda é insuficiente, mas
pela quantidade de violações de direitos e pela existência de trabalhadoras e
trabalhadores em condições análogas à escravidão na cadeia produtiva do café”,
diz.
A
Articulação dos Empregados e Empregadas Rurais do Estado de Minas Gerais e a
Comissão Pastoral da Terra divulgaram nota no mesmo dia: “A tão atacada Norma
Regulamentadora (NR-31) é um importante instrumento que garante aos empregados
rurais fixos e safristas o mínimo de saúde e segurança no trabalho no ambiente
do trabalho rural”.
E
completaram: “Atacar a NR-31 como vimos nas nos discursos dos deputados é, no
mínimo, estimular a precarização do trabalho, o desprezo à da saúde e da vida
dos trabalhadores rurais que são historicamente expostos ao sol, chuva, sereno,
poeira e muito agrotóxicos (veneno) aplicado na agricultura, inclusive nos
cafezais do Sul de Minas e do Brasil”.
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Trabalho escravo contemporâneo no Brasil
A
Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o
Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa.
Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos
descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde
a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas
formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão
contemporânea, condições análogas às de escravo.
De
acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir
escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do
direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas,
muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a
dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva
(levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração,
também colocando em risco sua saúde e vida).
Números
detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser
encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho
no Brasil.
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Banco Central avalia
propostas que obrigam bancos a quantificar risco climático
O
Banco Central abriu entre abril e junho uma consulta pública sobre
as informações que os bancos divulgam relacionadas aos riscos sociais,
ambientais e climáticos de suas operações. Agora, o órgão avalia as propostas
para estabelecer novas regras de transparência para o setor, como a publicação
de indicadores quantitativos para o gerenciamento de risco climático, planos de
transição e compromissos voluntários das instituições.
Para
especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, os bancos precisam prestar
contas sobre as emissões de gases de efeito estufa dos projetos que financiam.
O critério põe dois setores no foco dos relatórios: a agropecuária e a geração
de energia de fonte fóssil, como o carvão, o gás e o petróleo.
“É
preciso trazer uma reflexão crítica sobre o que o sistema financeiro chama de
risco”, avalia Julia Catão Dias, advogada e especialista no programa de consumo
responsável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “Para as
instituições financeiras e para os próprios órgãos reguladores, a avaliação de
risco não é o risco para o clima, para as comunidades tradicionais, mas para o
ativo e o investimento”, completa.
O
Idec coordenou a elaboração de um documento de doze páginas com propostas para
a consulta pública, junto à coalizão Forests and Finance. A Repórter
Brasil teve acesso à versão preliminar do documento. A proposta recomenda
que os bancos devem ter metas para reduzir o financiamento ligado a altas
emissões de gases do efeito estufa, alinhando-se ao cenário de limite de 1,5ºC
no aumento médio da temperatura global.
A
proposta sugere também que os bancos deveriam excluir o financiamento a
empresas que se dedicam à exploração de novos poços de petróleo de gás.
Já
no setor agropecuário, o Idec propõe a exclusão do crédito a fazendas que estão
em terras ocupadas por indígenas, “ainda que elas não tenham sido homologadas,
regularizadas ou definidas”. A proposta destaca ainda a restrição a práticas
antiecológicas, que seriam definidas por critérios como: consumo de água por
tonelada produzida, emissões de gases do efeito estufa e quantidade de
agrotóxicos utilizados.
“Nenhum
banco tem, por exemplo, política para redução de agrotóxicos”, exemplifica
Dias. “Os bancos brasileiros têm muito mais facilidade para desfinanciar
energias fósseis do que o agronegócio, embora no Brasil as emissões estejam
concentradas na agropecuária”, conclui.
O
texto aponta critérios técnicos para as questões apresentadas pelo Banco
Central e traz sugestões inspiradas no método usado no Guia de Bancos Responsáveis (GBR)
– iniciativa de avaliação anual dos bancos brasileiros, sob coordenação do
Idec.
O
documento propõe ainda uma ampla integração de bases de dados, incluindo
informações da plataforma Adapta Brasil, do
Ministério de Ciência e Tecnologia, que apresenta indicadores de ameaça
climática como desastres hidrológicos, secas e segurança alimentar e permite a
análise de cenários para 2030 e 2050.
- Regras e boas práticas recomendadas
Desde
2021, uma resolução do BC obriga os bancos a divulgarem suas políticas de responsabilidade
social, ambiental e climática. No entanto, de acordo com as regras atuais, eles
devem prestar informações apenas qualitativas em seus relatórios. Com a
atualização, o BC quer impor requisitos quantitativos e tabelas padronizadas,
com periodicidade anual e divulgação obrigatória.
Mas
os bancos têm que lidar com um limbo de informações atualmente, afirmam pessoas
ligadas ao crédito rural de bancos privados. Algumas pesquisas para a concessão
de crédito rural, por exemplo, ainda precisam de esforço manual para checar
extensas bases de dados em diferentes fontes, apontam. A padronização é
desejável para dar mais clareza sobre as metas e tendências, mas precisaria
acompanhar uma integração de bases de dados e esclarecimento metodológicos.
Para
Lucca Rizzo, especialista em finanças climáticas do Instituto Clima e Sociedade
(ICS), a criação de indicadores mais claros sobre o impacto do clima no
portfólio dos bancos possibilitaria uma mudança nos critérios de crédito, que
poderia ficar mais acessível para empresas alinhadas à ação climática e mais
custoso para projetos que causem danos ou não sejam resilientes ao clima.
Rizzo
também defende que os bancos mapeiem os riscos futuros. “Em setores com maior
exposição às mudanças climáticas, como o do agronegócio ou de infraestrutura,
esse mecanismo incentivaria os bancos a exigir critérios de resiliência e
adaptação climáticas mais rigorosos de seus clientes corporativos”,
aponta.
Segundo
Rizzo, o aumento do risco deve levar, consequentemente, à redução da
disponibilidade de capital para aquela carteira. O especialista do ICS sugere
que os novos indicadores do BC considerem um aumento do risco para carteiras
intensivas em carbono – ou seja, com altas emissões de gases causadores do
aquecimento global – e também para aquelas com baixa resiliência à adaptação
climática.
Um
dos principais objetivos do BC com a padronização desses relatórios é
alinhá-los aos padrões internacionais, cujas principais referências são a Task
Force on Climate-related Financial Risks (TFCR) e a International
Sustainability Standards Board (ISSB).
Fonte:
Repórter Brasil
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