terça-feira, 9 de julho de 2024

'Dieta sem glúten é mais saudável' e outros equívocos sobre a doença celíaca

Quem não tem uma opinião sobre o glúten? Esta proteína está presente em muitos cereais como trigo, cevada, centeio e seus híbridos. E, segundo muitos influenciadores digitais, eliminá-la da dieta pode nos ajudar a perder peso, ter uma alimentação mais saudável e até melhorar nosso desempenho esportivo.

Não é surpreendente que, com mensagens como estas, a indústria alimentar sem glúten tenha crescido significativamente nos últimos anos — e a expectativa é de que esta tendência continue.

Mas a crença de que estes produtos são mais saudáveis nem sempre é correta. Na verdade, se você não sofre de algum distúrbio relacionado ao glúten, consumir alimentos sem glúten não tem influência na sua saúde — e pode até ser prejudicial, se isso não for feito com a orientação certa.

•        Distúrbios relacionados ao glúten

As reações adversas ao glúten incluem a doença celíaca, sensibilidade não celíaca ao glúten, dermatite herpetiforme, ataxia por glúten e alergia a grãos que contêm glúten.

É fundamental entender que a doença celíaca não é uma intolerância alimentar, tampouco uma alergia. É uma patologia crônica e sistêmica que afeta não só o sistema digestivo, mas também o neurológico, endócrino, ósseo e cutâneo, entre outros.

Afeta indivíduos geneticamente predispostos e tem uma incidência em torno de 1%. O único tratamento no momento é uma dieta rigorosa sem glúten para o resto da vida.

Um dos maiores problemas da doença celíaca é seu diagnóstico complexo, que resulta em um alto número de casos não diagnosticados.

Se alguém começa uma dieta sem glúten por ter lido uma informação incorreta, e depois decide consultar um médico, pode obter um diagnóstico falso negativo.

Por isso, é fundamental não se autodiagnosticar, tampouco iniciar o tratamento sem acompanhamento médico, já que um diagnóstico tardio pode levar a complicações adicionais.

•        A moda sem glúten e seus riscos

Muitos influenciadores não apenas eliminam o glúten da sua dieta, como também recomendam os restaurantes que visitam. Mas como saber se esses estabelecimentos são realmente seguros, se seus clientes não apresentaram sintomas após consumirem glúten?

Isso pode representar um risco para as pessoas com doença celíaca, que dependem de uma dieta rigorosa para ter uma boa qualidade de vida.

Por este motivo, é notável o trabalho incansável das associações de pacientes. como a Federação de Associações de Celíacos da Espanha, que desenvolve um programa para verificar as boas práticas nos restaurantes e garantir o cumprimento dos regulamentos.

•        Dieta sem glúten: é realmente mais saudável?

Uma dieta sem glúten bem planejada não precisa ser deficiente em nutrientes se for baseada em alimentos não processados, como frutas, legumes, verduras, laticínios, carnes e peixes, etc. — levando em consideração as preferências e o estado de saúde do paciente.

No entanto, abusar de produtos industrializados sem glúten pode alterar os níveis de colesterol e triglicerídeos no sangue, aumentar excessivamente o peso e elevar o risco de doenças cardiovasculares, assim como de síndrome metabólica.

Isso acontece porque esses produtos podem conter mais gorduras de baixa qualidade e açúcares simples, além de menos fibras do que suas versões com glúten.

A estratégia de formular produtos mais doces e palatáveis é utilizada para compensar a perda da textura característica, uma vez que o glúten possui um alto poder tecnológico e confere atributos positivos como maciez, elasticidade e consistência aos pães e massas assadas.

•        O impacto das crenças e da desinformação

Um estudo realizado em 23 países com mais de 20 mil participantes revelou que as crenças sobre saúde influenciam muito os nossos hábitos alimentares, especialmente nas mulheres.

Em particular, um relatório recente da Academia Espanhola de Nutrição e Dietética indicou que 8% da população espanhola segue uma dieta sem glúten — e 72% destas pessoas fazem isso sem um motivo que justifique.

Isso significa que aproximadamente 2,7 milhões de pessoas na Espanha eliminam o glúten da sua dieta sem necessidade clínica. Daí a necessidade de identificar (e não dar credibilidade a) boatos.

Informações desatualizadas, errôneas e imprecisas ajudam a população a formar opiniões sobre diversos temas, e o glúten não é uma exceção.

A adoção de dietas sem necessidade clínica não só é desnecessária e potencialmente prejudicial, como também representa um custo adicional em termos financeiros e dificulta a integração social.

Por isso, antes de eliminar o glúten das nossas vidas, o melhor é nos certificarmos de que temos as informações corretas, evitando a desinformação e consultando um profissional de saúde.

 

•        O que são nitratos e quando devemos evitá-los por fazer mal à saúde? Por Jessica Bradley, em BBC Food

Os nitratos são como uma faca de dois gumes na nutrição: oferecem tanto aspectos benéficos quanto prejudiciais para a saúde.

Muitas vezes somos instruídos a evitá-los em carnes processadas, mas também a buscá-los em vegetais como beterraba e espinafre. Compreensivelmente, essa recomendação é confusa.

Na verdade, eles são produzidos naturalmente em nosso corpo, mas esses compostos simples (feitos de nitrogênio e oxigênio) também são encontrados em muitos dos alimentos que consumimos e até na água que bebemos.

Embora a maioria desses nitratos seja excretada na urina, nosso corpo absorve alguns deles.

As bactérias tanto nas regiões mais internas da nossa língua quanto em nosso estômago os convertem em nitritos (os nitratos e nitritos são muito semelhantes, diferenciando-se apenas na quantidade de átomos de oxigênio que contêm).

Mas em quais alimentos eles são encontrados e qual é o impacto na nossa saúde?

<><> Quais alimentos contêm nitrato?

Obtemos a maioria dos nossos nitratos dos vegetais, explica Catherine Bondonno, pesquisadora principal em nutrição e saúde na Universidade Edith Cowan, na Austrália.

"A principal fonte de nitratos na dieta vem das plantas, que representam cerca de 70-80% da nossa ingestão diária", afirma a especialista. Bondonno acrescenta que entre 10% e 15% provém da carne, "tanto os (nitratos) naturais quanto os utilizados como conservantes em carnes processadas".

E, talvez surpreendentemente, a água potável também pode conter nitratos: "aproximadamente entre 1 e 10% de nossa ingestão frequentemente vem de canais de água de chuva em produções agrícolas e pecuárias", diz ela. Vegetais de folhas, como espinafre, alface e couve, assim como beterraba e aipo, são algumas das maiores fontes naturais de nitratos. Acredita-se que esses nitratos naturais tenham benefícios para a saúde.

•        Quais nitratos são benéficos para você?

Bondonno destaca que há evidências substanciais demonstrando que os nitratos de origem vegetal melhoram a saúde cardiovascular e podem reduzir o risco de acidente vascular cerebral.

Foi descoberto que o alto teor de nitrato natural encontrado no suco de beterraba, por exemplo, reduz significativamente a pressão arterial em pessoas com hipertensão.

Isso pode ser devido ao fato de que o nitrato presente nos vegetais pode se converter em óxido nítrico em nosso corpo, dilatando os vasos sanguíneos e, consequentemente, reduzindo a pressão arterial.

Porém, os resultados das pesquisas sobre a saúde cardíaca e os nitratos são mistos. Apesar da ampla evidência que demonstra os benefícios para a saúde do coração ao consumir uma dieta rica em vegetais, como a dieta mediterrânea, alguns estudos encontraram que os nitratos não têm nenhum efeito específico.

Por exemplo, um estudo em grande escala que analisou os efeitos dos nitratos no risco de doenças cardíacas descobriu que mesmo a maior ingestão de nitratos de origem vegetal (cerca de duas porções de vegetais de folhas verdes por dia) não estava associada a um menor risco de doenças cardíacas.

Os pesquisadores também apontam a falta de evidências de longo prazo que investiguem essa relação específica.

Uma explicação do porquê os nitratos presentes nos vegetais pelo menos não nos causam danos, poderia ser que os vegetais com alto teor de nitratos também contenham quantidades significativas de vitamina C e outros antioxidantes, os quais têm sido descobertos como prevenindo a reação que causa danos dos nitratos.

<><> Por que alguns nitratos podem ser ruins para você?

Apesar dos possíveis benefícios à saúde dos nitratos naturalmente presentes em vegetais, é amplamente considerado que os nitratos e nitritos adicionados à carne processada para prevenir o crescimento bacteriano têm efeitos prejudiciais no corpo.

Não são necessariamente os compostos químicos em si que representam riscos à saúde, mas sim o que eles se tornam quando consumidos e as ações dessas moléculas convertidas em nossos corpos, especificamente quando os compostos N-nitroso carcinogênicos reagem com fragmentos de proteínas resultantes da digestão.

De acordo com a Escola de Saúde Pública T.H.Chan de Harvard, nos Estados Unidos, "o processamento da carne, como o curamento (por exemplo, adição de nitratos ou nitritos) ou defumação, pode levar à formação de substâncias químicas potencialmente cancerígenas, como compostos N-nitroso (NOC, em inglês) e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP)".

Devido às suas propriedades potencialmente cancerígenas, os cientistas têm instado repetidamente o governo do Reino Unido a proibir o uso de nitritos em carnes processadas.

O mais recente impulso dos cientistas é resultado de uma pesquisa da Universidade Queen's de Belfast, que descobriu que ratos alimentados com uma dieta de carne processada contendo essas substâncias químicas desenvolveram 75% mais tumores cancerígenos do que os alimentados com carne suína sem nitritos.

Mas o argumento não é tão claro. Alguns cientistas concluíram em 2017 que o consumo de nitratos adicionados aos produtos cárneos no nível ao qual estamos expostos é "pouco preocupante" para nossa saúde.

Embora a carne processada esteja associada a um maior risco de desenvolvimento de câncer colorretal e possivelmente também câncer de estômago, os especialistas apontam que esses riscos não estão apenas relacionados aos nitratos e nitritos, mas também ao teor de sal e gorduras saturadas.

<><> Como podemos ter uma dieta saudável que contenha nitratos?

Um conjunto significativo de pesquisas indica que uma alimentação com mais vegetais e menos carne processada é benéfica para nossa saúde.

Segundo Bondonno, é recomendável priorizar a inclusão de uma variedade de alimentos de origem vegetal em nossa dieta, especialmente vegetais de folhas verdes (como espinafre, couve e rúcula), raízes (beterraba) e outras plantas ricas em nitratos, como o aipo e os rabanetes.

"Além de fornecerem nutrientes essenciais adicionais, essas fontes naturais de nitratos também contribuem para a saúde cardiovascular como um todo", ela afirma.

 

Fonte: Por Izaskun Martín Cabrejas, para The Conversation

 

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