'Dieta sem glúten é mais saudável' e outros
equívocos sobre a doença celíaca
Quem não tem uma
opinião sobre o glúten? Esta proteína está presente em muitos cereais como
trigo, cevada, centeio e seus híbridos. E, segundo muitos influenciadores
digitais, eliminá-la da dieta pode nos ajudar a perder peso, ter uma
alimentação mais saudável e até melhorar nosso desempenho esportivo.
Não é surpreendente
que, com mensagens como estas, a indústria alimentar sem glúten tenha crescido
significativamente nos últimos anos — e a expectativa é de que esta tendência
continue.
Mas a crença de que
estes produtos são mais saudáveis nem sempre é correta. Na verdade, se você não
sofre de algum distúrbio relacionado ao glúten, consumir alimentos sem glúten
não tem influência na sua saúde — e pode até ser prejudicial, se isso não for
feito com a orientação certa.
• Distúrbios relacionados ao glúten
As reações adversas ao
glúten incluem a doença celíaca, sensibilidade não celíaca ao glúten, dermatite
herpetiforme, ataxia por glúten e alergia a grãos que contêm glúten.
É fundamental entender
que a doença celíaca não é uma intolerância alimentar, tampouco uma alergia. É
uma patologia crônica e sistêmica que afeta não só o sistema digestivo, mas
também o neurológico, endócrino, ósseo e cutâneo, entre outros.
Afeta indivíduos
geneticamente predispostos e tem uma incidência em torno de 1%. O único
tratamento no momento é uma dieta rigorosa sem glúten para o resto da vida.
Um dos maiores
problemas da doença celíaca é seu diagnóstico complexo, que resulta em um alto
número de casos não diagnosticados.
Se alguém começa uma
dieta sem glúten por ter lido uma informação incorreta, e depois decide
consultar um médico, pode obter um diagnóstico falso negativo.
Por isso, é
fundamental não se autodiagnosticar, tampouco iniciar o tratamento sem
acompanhamento médico, já que um diagnóstico tardio pode levar a complicações
adicionais.
• A moda sem glúten e seus riscos
Muitos influenciadores
não apenas eliminam o glúten da sua dieta, como também recomendam os
restaurantes que visitam. Mas como saber se esses estabelecimentos são
realmente seguros, se seus clientes não apresentaram sintomas após consumirem
glúten?
Isso pode representar
um risco para as pessoas com doença celíaca, que dependem de uma dieta rigorosa
para ter uma boa qualidade de vida.
Por este motivo, é
notável o trabalho incansável das associações de pacientes. como a Federação de
Associações de Celíacos da Espanha, que desenvolve um programa para verificar
as boas práticas nos restaurantes e garantir o cumprimento dos regulamentos.
• Dieta sem glúten: é realmente mais
saudável?
Uma dieta sem glúten
bem planejada não precisa ser deficiente em nutrientes se for baseada em
alimentos não processados, como frutas, legumes, verduras, laticínios, carnes e
peixes, etc. — levando em consideração as preferências e o estado de saúde do
paciente.
No entanto, abusar de
produtos industrializados sem glúten pode alterar os níveis de colesterol e
triglicerídeos no sangue, aumentar excessivamente o peso e elevar o risco de
doenças cardiovasculares, assim como de síndrome metabólica.
Isso acontece porque
esses produtos podem conter mais gorduras de baixa qualidade e açúcares
simples, além de menos fibras do que suas versões com glúten.
A estratégia de
formular produtos mais doces e palatáveis é utilizada para compensar a perda da
textura característica, uma vez que o glúten possui um alto poder tecnológico e
confere atributos positivos como maciez, elasticidade e consistência aos pães e
massas assadas.
• O impacto das crenças e da desinformação
Um estudo realizado em
23 países com mais de 20 mil participantes revelou que as crenças sobre saúde
influenciam muito os nossos hábitos alimentares, especialmente nas mulheres.
Em particular, um
relatório recente da Academia Espanhola de Nutrição e Dietética indicou que 8%
da população espanhola segue uma dieta sem glúten — e 72% destas pessoas fazem
isso sem um motivo que justifique.
Isso significa que
aproximadamente 2,7 milhões de pessoas na Espanha eliminam o glúten da sua
dieta sem necessidade clínica. Daí a necessidade de identificar (e não dar
credibilidade a) boatos.
Informações
desatualizadas, errôneas e imprecisas ajudam a população a formar opiniões
sobre diversos temas, e o glúten não é uma exceção.
A adoção de dietas sem
necessidade clínica não só é desnecessária e potencialmente prejudicial, como
também representa um custo adicional em termos financeiros e dificulta a
integração social.
Por isso, antes de
eliminar o glúten das nossas vidas, o melhor é nos certificarmos de que temos
as informações corretas, evitando a desinformação e consultando um profissional
de saúde.
• O que são nitratos e quando devemos
evitá-los por fazer mal à saúde? Por Jessica Bradley, em BBC Food
Os nitratos são como
uma faca de dois gumes na nutrição: oferecem tanto aspectos benéficos quanto
prejudiciais para a saúde.
Muitas vezes somos
instruídos a evitá-los em carnes processadas, mas também a buscá-los em
vegetais como beterraba e espinafre. Compreensivelmente, essa recomendação é
confusa.
Na verdade, eles são
produzidos naturalmente em nosso corpo, mas esses compostos simples (feitos de
nitrogênio e oxigênio) também são encontrados em muitos dos alimentos que
consumimos e até na água que bebemos.
Embora a maioria
desses nitratos seja excretada na urina, nosso corpo absorve alguns deles.
As bactérias tanto nas
regiões mais internas da nossa língua quanto em nosso estômago os convertem em
nitritos (os nitratos e nitritos são muito semelhantes, diferenciando-se apenas
na quantidade de átomos de oxigênio que contêm).
Mas em quais alimentos
eles são encontrados e qual é o impacto na nossa saúde?
<><> Quais
alimentos contêm nitrato?
Obtemos a maioria dos
nossos nitratos dos vegetais, explica Catherine Bondonno, pesquisadora
principal em nutrição e saúde na Universidade Edith Cowan, na Austrália.
"A principal
fonte de nitratos na dieta vem das plantas, que representam cerca de 70-80% da
nossa ingestão diária", afirma a especialista. Bondonno acrescenta que
entre 10% e 15% provém da carne, "tanto os (nitratos) naturais quanto os
utilizados como conservantes em carnes processadas".
E, talvez
surpreendentemente, a água potável também pode conter nitratos:
"aproximadamente entre 1 e 10% de nossa ingestão frequentemente vem de
canais de água de chuva em produções agrícolas e pecuárias", diz ela.
Vegetais de folhas, como espinafre, alface e couve, assim como beterraba e
aipo, são algumas das maiores fontes naturais de nitratos. Acredita-se que
esses nitratos naturais tenham benefícios para a saúde.
• Quais nitratos são benéficos para você?
Bondonno destaca que
há evidências substanciais demonstrando que os nitratos de origem vegetal
melhoram a saúde cardiovascular e podem reduzir o risco de acidente vascular
cerebral.
Foi descoberto que o
alto teor de nitrato natural encontrado no suco de beterraba, por exemplo,
reduz significativamente a pressão arterial em pessoas com hipertensão.
Isso pode ser devido
ao fato de que o nitrato presente nos vegetais pode se converter em óxido
nítrico em nosso corpo, dilatando os vasos sanguíneos e, consequentemente,
reduzindo a pressão arterial.
Porém, os resultados
das pesquisas sobre a saúde cardíaca e os nitratos são mistos. Apesar da ampla
evidência que demonstra os benefícios para a saúde do coração ao consumir uma
dieta rica em vegetais, como a dieta mediterrânea, alguns estudos encontraram
que os nitratos não têm nenhum efeito específico.
Por exemplo, um estudo
em grande escala que analisou os efeitos dos nitratos no risco de doenças
cardíacas descobriu que mesmo a maior ingestão de nitratos de origem vegetal
(cerca de duas porções de vegetais de folhas verdes por dia) não estava
associada a um menor risco de doenças cardíacas.
Os pesquisadores
também apontam a falta de evidências de longo prazo que investiguem essa
relação específica.
Uma explicação do
porquê os nitratos presentes nos vegetais pelo menos não nos causam danos,
poderia ser que os vegetais com alto teor de nitratos também contenham
quantidades significativas de vitamina C e outros antioxidantes, os quais têm
sido descobertos como prevenindo a reação que causa danos dos nitratos.
<><> Por
que alguns nitratos podem ser ruins para você?
Apesar dos possíveis
benefícios à saúde dos nitratos naturalmente presentes em vegetais, é
amplamente considerado que os nitratos e nitritos adicionados à carne
processada para prevenir o crescimento bacteriano têm efeitos prejudiciais no
corpo.
Não são
necessariamente os compostos químicos em si que representam riscos à saúde, mas
sim o que eles se tornam quando consumidos e as ações dessas moléculas
convertidas em nossos corpos, especificamente quando os compostos N-nitroso
carcinogênicos reagem com fragmentos de proteínas resultantes da digestão.
De acordo com a Escola
de Saúde Pública T.H.Chan de Harvard, nos Estados Unidos, "o processamento
da carne, como o curamento (por exemplo, adição de nitratos ou nitritos) ou
defumação, pode levar à formação de substâncias químicas potencialmente cancerígenas,
como compostos N-nitroso (NOC, em inglês) e hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos (HAP)".
Devido às suas
propriedades potencialmente cancerígenas, os cientistas têm instado
repetidamente o governo do Reino Unido a proibir o uso de nitritos em carnes
processadas.
O mais recente impulso
dos cientistas é resultado de uma pesquisa da Universidade Queen's de Belfast,
que descobriu que ratos alimentados com uma dieta de carne processada contendo
essas substâncias químicas desenvolveram 75% mais tumores cancerígenos do que
os alimentados com carne suína sem nitritos.
Mas o argumento não é
tão claro. Alguns cientistas concluíram em 2017 que o consumo de nitratos
adicionados aos produtos cárneos no nível ao qual estamos expostos é
"pouco preocupante" para nossa saúde.
Embora a carne
processada esteja associada a um maior risco de desenvolvimento de câncer
colorretal e possivelmente também câncer de estômago, os especialistas apontam
que esses riscos não estão apenas relacionados aos nitratos e nitritos, mas
também ao teor de sal e gorduras saturadas.
<><> Como
podemos ter uma dieta saudável que contenha nitratos?
Um conjunto
significativo de pesquisas indica que uma alimentação com mais vegetais e menos
carne processada é benéfica para nossa saúde.
Segundo Bondonno, é
recomendável priorizar a inclusão de uma variedade de alimentos de origem
vegetal em nossa dieta, especialmente vegetais de folhas verdes (como
espinafre, couve e rúcula), raízes (beterraba) e outras plantas ricas em
nitratos, como o aipo e os rabanetes.
"Além de
fornecerem nutrientes essenciais adicionais, essas fontes naturais de nitratos
também contribuem para a saúde cardiovascular como um todo", ela afirma.
Fonte: Por Izaskun
Martín Cabrejas, para The Conversation
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