segunda-feira, 8 de julho de 2024

Como a ultradireita se reagrupa no Parlamento Europeu

A ala de extrema direita saiu fortalecida do pleito para o Parlamento Europeu de 9 de junho de 2024. Sobretudo na França, a vitória da Reunião Nacional (RN) desencadeou uma onda de choque, impelindo o presidente Emmanuel Macron a convocar eleições legislativas antecipadas.

Enquanto o real peso dos ultranacionalistas liderados porMarine Le Pen na Assembleia Nacional só vá se estabelecer no segundo turno deste domingo (07/07), no Parlamento Europeu as legendas populistas de direita vão consolidando velhas e novas alianças.

Até agora, os partidos extremistas de direita, nacional-conservadores, populistas de direita, entre outros, se agrupavam no Parlamento Europeu em basicamente duas grandes bancadas.

·        Conservadores e Reformistas: Meloni e moderação estratégica

Do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) constam os partidos Lei e Justiça (PiS), de oposição na Polônia, e o italiano Irmãos da Itália (FdI), cujas raízes remontam ao movimento pós-fascista. A presidente do Partido dos Conservadores e Reformistas Europeus, associado à bancada, é a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.

O CRE já traçou seu curso para a próxima legislatura: a União Europeia deve se concentrar em suas tarefas nucleares, rechaça-se "o desenvolvimento da UE no sentido de um super-Estado supranacional".

Na área da migração, os conservadores de direita prometem se empenhar decididamente contra ingressos ilegais e criar "plataformas de desembarque" externas, fora da UE, onde se processariam os pedidos de asilo. Ao mesmo tempo, prometem combater ativamente as causas da migração.

No setor do meio ambiente, eles se propõem reverter o abandono dos motores a combustão, já decidido, e questionar uma maior redução das emissões de gases do efeito estufa. Por outro lado, se empenham pela continuação do apoio à Ucrânia contra a invasora Rússia.

Thierry Chopin, analista político do Instituto Jacques Delors, de Paris, interpreta esse respaldo aos ucranianos como uma estratégia política de Meloni, assim como o tom mais moderado que ela vem adotando.

A bancada do CRE é atualmente a terceira maior do órgão legislativo da UE, ocupando 84 assentos, e poderá desempenhar um papel decisivo na reeleição de Ursula von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, dentro de menos de duas semanas.

·        Identidade e Democracia em turbulência

A segunda grande bancada ultradireitista é o Grupo Identidade e Democracia (ID), que inclui, entre outros, a italiana Liga, de Matteo Salvini, a RN de Marine Le Pen e o Interesse Flamengo (Vlaams Belang, VB). Pouco antes do pleito parlamentar, o ID excluiu a Alternativa para a Alemanha (AfD), pelo menos em parte extremista, devido a declarações controversas sobre a SS nazista.

Essa exclusão e um encontro entre Meloni e Le Pen deram margem a boatos de que os o CRE e o ID pretendessem se fundir, porém a hipótese parece descartada. O politólogo Chopin explica que as linhas partidárias de ambas diferem demasiado, sobretudo em sua relação com a Rússia: enquanto a premiê italiana é decididamente pró-Ucrânia, tradicionalmente a nacionalista RN de Le Pen está mais próxima de Putin.

Após a recente saída de um partido tcheco e um austríaco, no momento estão indefinidos os contornos e os futuros membros do ID. Outro fator de incerteza é a possível formação de mais um grupo parlamentar de direita.

·        Gente nova no pedaço: Patriotas pela Europa

Em 30 de junho, na véspera de o seu país assumir a presidência rotativa do Conselho da Europa, o chefe de governo da Hungria, Viktor Orbán, anunciou a fundação de uma nova bancada no Parlamento Europeu: o Grupo dos Patriotas pela Europa.

Este incluiria a legenda do premiê, a nacional-conservadora Fidesz; a liberal populista Ação de Cidadãos Insatisfeitos (ANO), do ex-premiê tcheco Andrej Babiš; e o ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), liderado por Herbert Kickl.

Em seu Manifesto pelo futuro da Europa, as três siglas expressam o desejo de uma "Europa das nações", em vez de um super-Estado europeu, enfatizando o direito dos Estados nacionais à autodeterminação e ao veto. Além disso, se propõem defender a "identidade europeia, tradições e costumes, frutos da herança greco-romana e judaico-cristã", assim como "o fim da migração ilegal, para salvaguardar a identidade cultural".

Orbán tem ocupado as manchetes por seu uso frequente do direito de veto dentro do Conselho Europeu, por exemplo no tocante à assistência militar para a Ucrânia. A aprovação do início das negações de filiação de Kiev à UE, em dezembro de 2023, só foram possíveis graças a um truque: durante a votação o primeiro-ministro húngaro não se encontrava na sala.

Segundo fontes de imprensa, o partido populista de direita português Chega teria interesse em integrar os Patriotas. Especula-se em Bruxelas também sobre a participação da Liga de Salvini e da RN francesa, até então integrantes do ID. Segundo a agência de notícias alemã DPA, a líder Alice Weidel já teria descartado uma participação da AfD.

Depois de já ter alcançado o número mínimo de 23 deputados, para obter o status de bancada do Parlamento Europeu, o Patriotas pela Europa precisa reunir membros de pelo menos sete países da UE. O prazo para a configuração da ala ultradireitista do órgão legislativo se definir vai até sua próxima sessão constituinte, em 16 de julho.

¨      Como vota a ultradireita no Parlamento Europeu

Os eleitores da União Europeia (UE) penderam para a direita nas eleições ao Parlamento Europeu. As bancadas dos Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e Identidade e Democracia (ID), que reúnem partidos cujas visões vão do populismo de direita ao nacionalismo de ultradireita, conquistaram, somadas, 18% dos 720 assentos na câmara baixa do Legislativo europeu – um pouco mais do que os atuais 16%.

As bancadas dos dois maiores grupos parlamentares, o Partido Popular Europeu (PPE) – ao qual pertencem os alemães conservadores da CDU e da CSU –, e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), mantiveram-se como as duas maiores do Parlamento Europeu. Já os liberais do Renovar a Europa (ex-ALDE) e os Verdes/Aliança Livre Europeia foram os grandes perdedores.

<><> Aproximação entre Meloni e Le Pen

A composição das bancadas parlamentares ECR e ID provavelmente mudará após a eleição. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, cujo partido Irmãos da Itália integra o ECR, espera ganhar mais votos e se unir à líder nacionalista francesa Marine Le Pen, da Reunião Nacional (RN), que pertence ao grupo ID.

O ID expulsou a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) duas semanas antes das eleições, alegando que o partido estava prejudicando a imagem do grupo por ser muito extremista e provocativo. A gota d'água foi quando o candidato da AfD Maximillian Krah afirmou que nem todos os membros da SS, a principal força paramilitar sob Adolf Hitler na Alemanha nazista, deveriam ser considerados criminosos. Após o resultado das eleições, a AfD, porém, afastou Krah da sua bancada no Parlamento europeu. Um porta-voz da sigla afirmou que Krah, que foi reeleito, poderá tomar posse, mas não sob a sigla da legenda.

Meloni tem dito que seu objetivo é formar uma coalizão na UE semelhante à que ela lidera na Itália, onde populistas de direita (Irmãos da Itália), extremistas de direita (Lega) e democratas-cristãos (Força) constituem uma aliança estável. Para ela, a coalizão de democratas-cristãos, social-democratas e liberais no Parlamento Europeu é "antinatural" e tem que acabar.

>>>> Como votam os parlamentares da ultradireita?

A unidade de jornalismo de dados da DW examinou os votos das bancadas parlamentares ECR e ID ao longo da última legislatura, focando em questões-chave como a guerra na Ucrânia, migração e mudanças climáticas.

Na maioria desses temas, ambos os grupos geralmente votaram contra a maioria no Parlamento Europeu. No entanto, as bancadas e os partidos que as compõem nem sempre convergiram em seus votos, especialmente em relação à Rússia e à Ucrânia.

<><> Divididos sobre a Ucrânia

Embora ambas as bancadas tenham condenado a invasão russa da Ucrânia, apenas o ECR votou a favor de apoiar e armar a Ucrânia. Em 2024, o ID votou contra.

Neste ano, contrariando a maioria do Parlamento, tanto o ECR quanto o ID apoiaram a imposição de restrições às exportações agrícolas ucranianas para a UE, alegando que elas deixavam os agricultores do bloco em desvantagem.

Em relação à política comercial com a Ucrânia, ambas as bancadas focaram nos supostos interesses dos agricultores da UE. O partido polonês nacional-conservador Lei e Justiça (PiS), que integra o ECR, votou contra regras mais favoráveis à Ucrânia, embora tenha sido um dos mais ardorosos defensores da Ucrânia. O assunto também divide populistas de direita na Holanda, Bélgica e Áustria. Na Itália, a extrema direita Lega, do ID, e os Irmãos da Itália, do ECR, apoiam Kiev.

O ECR apoia a entrada da Ucrânia na UE, algo que é desejado pela maioria do Parlamento Europeu. Já o ID se opõe a isso.

Nenhuma das duas bancadas defende que qualquer eventual expansão da UE deva ser acompanhada por um maior alinhamento de novos países-membros aos valores do bloco.

<><> Unidos contra a migração

Quando o assunto é migração, ECR e ID convergem: as bancadas se opuseram à boa parte das principais reformas adotadas pela maioria parlamentar, por não considerá-las rigorosas o suficiente. Ambos advogam por medidas como o fechamento completo das fronteiras da UE e o fim do direito ao refúgio no bloco.

No entanto, ambos concordaram com o novo Regulamento Eurodac que prevê um banco de dados expandido para registrar todos os migrantes e solicitantes de refúgio que entram na UE.

<><> Contra o Acordo Verde Europeu

Os dois grupos também concordam quase completamente quando o tema é legislações para proteção do clima e do meio ambiente. Diferentemente da maioria no Parlamento, membros do ECR e do ID rejeitaram a maioria das medidas para reduzir as emissões de CO2. A maioria dos membros dos dois grupos, incluindo a alemã AfD, nega que as mudanças climáticas sejam causadas pela humanidade.

<><> Como fica a UE com o crescimento da ultradireita?

Uma votação de uma lei sobre controle da poluição do ar em abril de 2024 pode dar algumas pistas: rejeitada por ID e ECR, bem como pela metade dos conservadores do PPE, ela só foi aprovada porque teve o apoio unânime das bancadas social-democrata, verde e de esquerda – um cenário mantido mesmo com a expansão da ultradireita nessas eleições.

A analista Sophia Russack, do Centro de Estudos de Políticas Europeias (CEPS), avalia que os conservadores do PPE, que continuam sendo a maior bancada no Parlamento Europeu, talvez não precisem mais formar uma coalizão com os social-democratas e liberais; em vez disso, poderiam também cooperar com parlamentares moderados de partidos mais à direita.

"Não acho que precisamos nos preocupar com a ultradireita tomando decisões. Provavelmente a agenda vai pender para um lado [mais conservador]", afirma Russack.

Principal candidata do PPE e atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, da CDU, não descartou cooperar com pelo menos alguns dos parlamentares mais à direita na Europa. Em entrevista recente a uma rádio pública alemã, Von der Leyen disse que trabalharia com indivíduos caso a caso, e não com os partidos aos quais eles pertencem – desde que eles apoiem a Ucrânia, representem valores europeus e sejam a favor da manutenção do Estado de Direito.

A análise de dados feita pela DW não considera os legisladores do Fidesz, partido de direita que governa a Hungria, já que eles não integram um grupo parlamentar.

¨      Como a ascensão da ultradireita francesa pode afetar a UE?

Para os políticos da Alemanha, o crescimento de Marine Le Pen e seu partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) na França está alimentando novas preocupações sobre as relações franco-alemãs. 

A líder do Partido Verde, Ricarda Lang, e o deputado estadual Mario Voigt, do partido de centro-direita e oposição União Democrata Cristã (CDU),  foram alguns dos que rapidamente se pronunciaram, dizendo que acreditam que o presidente Emmanuel Macron cometeu um grande erro ao convocar eleições antecipadas.

Mas, o que a mudança para a direita significaria para a política franco-alemã? O presidente do partido RN, Jordan Bardella, disse, pouco antes da eleição, que como chefe de governo, ele não vai mudar nada nas relações com Berlim.

Mas a RN sempre foi "muito crítica em relação à Alemanha, às vezes quase hostil", aponta Ronja Kempin, pesquisadora do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), com sede em Berlim. "Eles acusam Macron de vender os interesses franceses à Alemanha e dizem que vão acabar com isso assim que tiverem a chance de chegar ao poder", diz ela à DW.

Marc Ringel, diretor do Instituto Franco-Alemão em Ludwigsburg, prevê dificuldades para as relações bilaterais se o RN eventualmente chegar ao poder: "Há a questão de saber se o novo governo francês respeitará os acordos bilaterais. Politicamente, haveria muita incerteza", acredita.

Até recentemente, o programa político do RN afirmava que os projetos franco-alemãs conjuntos, que envolvem o desenvolvimento de um avião e de um tanque de combate, deveriam ser encerrados. Mas, agora, Bardella diz que os compromissos internacionais da França devem ser honrados; isso também pode se referir aos dois projetos militares.

Entre os tópicos da plataforma eleitoral do RN que podem gerar conflitos com a UE e Berlim estão: o corte do compromisso financeiro da França com a UE, a saída do mercado de eletricidade da UE, a retirada do tratado de migração e as restrições de viagem para estrangeiros de fora da UE. O apoio francês à Ucrânia também pode ser reduzido. Se esses planos poderiam ser implementados, ainda não está claro. 

<><> Razões para a ascensão do RN

Entre muitos eleitores franceses, há uma "frustração pública generalizada com a política e um sentimento crescente de ser deixado para trás. O RN tem sido muito inteligente em explorar essa insatisfação", explica Ringel.

Além das principais questões de migração e segurança interna, o partido tem se concentrado em questões econômicas e sociais. Por exemplo, ele quer reduzir o Imposto sobre valor agregado (IVA) sobre a energia de 20% para 5,5%.

Há anos, a líder efetiva do RN, Marine Le Pen, vem trabalhando para reformular a marca de seu partido para parecer menos extremista. Ela expulsou o próprio pai, Jean-Marie Le Pen, conhecido por ter relativizado o Holocausto, o que ajudou na época a tornar o partido inaceitável para amplos setores da população. Agora, o RN afirma estar preparado para fazer concessões políticas.

Na Alemanha, os partidos tradicionais têm uma política de isolamento, recusando-se a cooperar com o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Essa relutância já não é mais tão forte França, onde o RN passou a contar com 89 deputados na Assembleia Nacional do país desde 2022. Desde então, o governo de coalizão de Macron aprovou várias leis com o apoio do RN, como o endurecimento da legislação sobre imigração.

"Na França, o RN é muito mais contido do que a AfD é na Alemanha", disse Kempin. Le Pen também se distanciou da AfD e passou a se recusar a trabalhar com o partido alemão no Parlamento Europeu.

No primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional, o RN apareceu como o partido mais forte, com cerca de 33% dos votos. Uma coisa já é certa: o Reunião Nacional não é mais um pária na política francesa e se tornou elegível para amplos setores da população.

Embora o presidente Macron continue no cargo até 2027, suas opções políticas serão severamente limitadas no futuro, pois ele ainda arrisca ser obrigado a trabalhar com o líder do partido RN, Bardella, como primeiro-ministro.

Mas se o RN não conseguir obter a maioria absoluta no segundo turno, Macron poderá enfrentar uma alternativa igualmente difícil: um impasse na Assembleia Nacional, com os poderes de direita e de esquerda se obstruindo mutuamente.

Para o líder do RN, Bardella, no entanto, tornar-se primeiro-ministro é apenas a primeira parte do plano. Na eleição presidencial de 2027, Le Pen, apesar de ter perdido duas vezes para Emmanuel Macron em disputas anteriores, planeja concorrer pela quarta vez. Só que dessa vez, sem Macron, pois ele não poderá concorrer novamente em 2027. E se tudo caminhar como o planejado, Le Pen tem uma boa chance de vencer.

Se isso acontecer, "estaremos em uma Europa muito diferente", reflete Kempin.

"Marine Le Pen, como Giorgia Meloni na Itália, permaneceria na UE para virá-la de cabeça para baixo, esvaziá-la e remodelá-la de acordo com suas ideias", alerta Ringel, do Instituto Franco-Alemão.

Nos próximos meses, o governo alemão terá de se preparar para tempos difíceis nas relações com seu maior vizinho.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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