Como a ultradireita se reagrupa no
Parlamento Europeu
A ala de extrema
direita saiu fortalecida do pleito para o Parlamento Europeu de 9 de junho de 2024. Sobretudo na França, a vitória da
Reunião Nacional (RN) desencadeou uma onda de choque, impelindo o
presidente Emmanuel Macron a
convocar eleições legislativas antecipadas.
Enquanto o real peso
dos ultranacionalistas liderados porMarine Le Pen na Assembleia
Nacional só vá se estabelecer no segundo turno deste domingo (07/07), no
Parlamento Europeu as legendas populistas de direita vão consolidando velhas e
novas alianças.
Até agora, os partidos
extremistas de direita, nacional-conservadores, populistas de direita, entre
outros, se agrupavam no Parlamento Europeu em basicamente duas grandes
bancadas.
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Conservadores e Reformistas: Meloni e
moderação estratégica
Do Grupo dos
Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) constam os partidos Lei e Justiça
(PiS), de oposição na Polônia, e o italiano Irmãos da Itália (FdI), cujas
raízes remontam ao movimento pós-fascista. A presidente do Partido dos
Conservadores e Reformistas Europeus, associado à bancada, é a
primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni.
O CRE já traçou seu
curso para a próxima legislatura: a União Europeia deve se concentrar em suas
tarefas nucleares, rechaça-se "o desenvolvimento da UE no sentido de um
super-Estado supranacional".
Na área da migração, os conservadores de
direita prometem se empenhar decididamente contra ingressos ilegais e criar
"plataformas de desembarque" externas, fora da UE, onde se
processariam os pedidos de asilo. Ao mesmo tempo, prometem combater ativamente
as causas da migração.
No setor do meio
ambiente, eles se propõem reverter o abandono dos motores a combustão, já
decidido, e questionar uma maior redução das emissões de gases do efeito
estufa. Por outro lado, se empenham pela continuação do apoio à Ucrânia contra a
invasora Rússia.
Thierry Chopin,
analista político do Instituto Jacques Delors, de Paris, interpreta esse
respaldo aos ucranianos como uma estratégia política de Meloni, assim como o
tom mais moderado que ela vem adotando.
A bancada do CRE é
atualmente a terceira maior do órgão legislativo da UE, ocupando 84 assentos, e
poderá desempenhar um papel decisivo na reeleição de Ursula von der Leyen como
presidente da Comissão Europeia, dentro de menos de duas semanas.
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Identidade e Democracia em turbulência
A segunda grande
bancada ultradireitista é o Grupo Identidade e Democracia (ID), que inclui,
entre outros, a italiana Liga, de Matteo Salvini, a RN de Marine Le Pen e o
Interesse Flamengo (Vlaams Belang, VB). Pouco antes do pleito parlamentar, o ID
excluiu a Alternativa para a Alemanha (AfD), pelo menos em parte extremista,
devido a declarações controversas sobre a SS nazista.
Essa exclusão e um
encontro entre Meloni e Le Pen deram margem a boatos de que os o CRE e o ID
pretendessem se fundir, porém a hipótese parece descartada. O politólogo Chopin
explica que as linhas partidárias de ambas diferem demasiado, sobretudo em sua relação
com a Rússia: enquanto a premiê italiana é decididamente pró-Ucrânia,
tradicionalmente a nacionalista RN de Le Pen está mais próxima de Putin.
Após a recente saída
de um partido tcheco e um austríaco, no momento estão indefinidos os contornos
e os futuros membros do ID. Outro fator de incerteza é a possível formação de
mais um grupo parlamentar de direita.
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Gente nova no pedaço: Patriotas pela Europa
Em 30 de junho, na
véspera de o seu país assumir a presidência rotativa do Conselho da Europa, o
chefe de governo da Hungria, Viktor Orbán, anunciou a fundação
de uma nova bancada no Parlamento Europeu: o Grupo dos Patriotas pela Europa.
Este incluiria a
legenda do premiê, a nacional-conservadora Fidesz; a liberal populista Ação de
Cidadãos Insatisfeitos (ANO), do ex-premiê tcheco Andrej Babiš; e o
ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), liderado por Herbert
Kickl.
Em seu Manifesto
pelo futuro da Europa, as três siglas expressam o desejo de uma
"Europa das nações", em vez de um super-Estado europeu, enfatizando o
direito dos Estados nacionais à autodeterminação e ao veto. Além disso, se
propõem defender a "identidade europeia, tradições e costumes, frutos da
herança greco-romana e judaico-cristã", assim como "o fim da migração
ilegal, para salvaguardar a identidade cultural".
Orbán tem ocupado as
manchetes por seu uso frequente do direito de veto dentro do Conselho Europeu,
por exemplo no tocante à assistência militar para a Ucrânia. A aprovação do
início das negações de filiação de Kiev à UE, em dezembro de 2023, só foram possíveis
graças a um truque: durante a votação o primeiro-ministro húngaro não se
encontrava na sala.
Segundo fontes de
imprensa, o partido populista de direita português Chega teria interesse em
integrar os Patriotas. Especula-se em Bruxelas também sobre a participação da
Liga de Salvini e da RN francesa, até então integrantes do ID. Segundo a
agência de notícias alemã DPA, a líder Alice Weidel já teria descartado uma
participação da AfD.
Depois de já ter
alcançado o número mínimo de 23 deputados, para obter o status de bancada do
Parlamento Europeu, o Patriotas pela Europa precisa reunir membros de pelo
menos sete países da UE. O prazo para a configuração da ala ultradireitista do
órgão legislativo se definir vai até sua próxima sessão constituinte, em 16 de
julho.
¨ Como vota a ultradireita no Parlamento Europeu
Os eleitores da União Europeia (UE) penderam
para a direita nas eleições ao Parlamento Europeu.
As bancadas dos Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e Identidade e
Democracia (ID), que reúnem partidos cujas visões vão do populismo de direita
ao nacionalismo de ultradireita, conquistaram, somadas, 18% dos 720 assentos na
câmara baixa do Legislativo europeu – um pouco mais do que os atuais 16%.
As bancadas dos dois
maiores grupos parlamentares, o Partido Popular Europeu (PPE) – ao qual
pertencem os alemães conservadores da CDU e da CSU –, e a Aliança Progressista
dos Socialistas e Democratas (S&D), mantiveram-se como as duas maiores do
Parlamento Europeu. Já os liberais do Renovar a Europa (ex-ALDE) e os
Verdes/Aliança Livre Europeia foram os grandes perdedores.
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Aproximação entre Meloni e Le Pen
A composição das
bancadas parlamentares ECR e ID provavelmente mudará após a eleição. A
primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, cujo
partido Irmãos da Itália integra o ECR, espera ganhar mais votos e se unir à
líder nacionalista francesa Marine Le Pen, da Reunião Nacional (RN),
que pertence ao grupo ID.
O ID expulsou a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) duas semanas antes das eleições, alegando que o partido
estava prejudicando a imagem do grupo por ser muito extremista e provocativo. A
gota d'água foi quando o candidato da AfD Maximillian Krah afirmou que nem
todos os membros da SS, a principal força paramilitar sob Adolf Hitler na
Alemanha nazista, deveriam ser considerados criminosos. Após o resultado das
eleições, a AfD, porém, afastou Krah da sua bancada no Parlamento europeu. Um
porta-voz da sigla afirmou que Krah, que foi reeleito, poderá tomar posse, mas
não sob a sigla da legenda.
Meloni tem dito que
seu objetivo é formar uma coalizão na UE semelhante à que ela lidera na Itália,
onde populistas de direita (Irmãos da Itália), extremistas de direita (Lega) e
democratas-cristãos (Força) constituem uma aliança estável. Para ela, a coalizão
de democratas-cristãos, social-democratas e liberais no Parlamento Europeu é
"antinatural" e tem que acabar.
>>>> Como
votam os parlamentares da ultradireita?
A unidade de
jornalismo de dados da DW examinou os votos das bancadas parlamentares ECR e ID
ao longo da última legislatura, focando em questões-chave como a guerra na
Ucrânia, migração e mudanças climáticas.
Na maioria desses
temas, ambos os grupos geralmente votaram contra a maioria no Parlamento
Europeu. No entanto, as bancadas e os partidos que as compõem nem sempre
convergiram em seus votos, especialmente em relação à Rússia e à Ucrânia.
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Divididos sobre a Ucrânia
Embora ambas as
bancadas tenham condenado a invasão russa da Ucrânia, apenas o
ECR votou a favor de apoiar e armar a Ucrânia. Em 2024, o ID votou contra.
Neste ano,
contrariando a maioria do Parlamento, tanto o ECR quanto o ID apoiaram a
imposição de restrições às exportações agrícolas ucranianas para a UE, alegando
que elas deixavam os agricultores do bloco em desvantagem.
Em relação à política
comercial com a Ucrânia, ambas as bancadas focaram nos supostos interesses dos
agricultores da UE. O partido polonês nacional-conservador Lei e Justiça (PiS),
que integra o ECR, votou contra regras mais favoráveis à Ucrânia, embora tenha
sido um dos mais ardorosos defensores da Ucrânia. O assunto também divide
populistas de direita na Holanda, Bélgica e Áustria. Na Itália, a extrema
direita Lega, do ID, e os Irmãos da Itália, do ECR, apoiam Kiev.
O ECR apoia a entrada
da Ucrânia na UE, algo que é desejado pela maioria do Parlamento Europeu. Já o
ID se opõe a isso.
Nenhuma das duas
bancadas defende que qualquer eventual expansão da UE deva ser acompanhada por
um maior alinhamento de novos países-membros aos valores do bloco.
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Unidos contra a migração
Quando o assunto é
migração, ECR e ID convergem: as bancadas se opuseram à boa parte das
principais reformas adotadas pela maioria parlamentar, por não considerá-las
rigorosas o suficiente. Ambos advogam por medidas como o fechamento completo
das fronteiras da UE e o fim do direito ao refúgio no bloco.
No entanto, ambos
concordaram com o novo Regulamento Eurodac que prevê um banco de dados
expandido para registrar todos os migrantes e solicitantes de refúgio que
entram na UE.
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Contra o Acordo Verde Europeu
Os dois grupos também
concordam quase completamente quando o tema é legislações para proteção do clima e do meio ambiente. Diferentemente da maioria no Parlamento, membros do ECR e do
ID rejeitaram a maioria das medidas para reduzir as emissões de CO2. A maioria
dos membros dos dois grupos, incluindo a alemã AfD, nega que as mudanças
climáticas sejam causadas pela humanidade.
<><> Como
fica a UE com o crescimento da ultradireita?
Uma votação de uma lei
sobre controle da poluição do ar em abril de 2024 pode dar algumas pistas:
rejeitada por ID e ECR, bem como pela metade dos conservadores do PPE, ela só
foi aprovada porque teve o apoio unânime das bancadas social-democrata, verde e
de esquerda – um cenário mantido mesmo com a expansão da ultradireita
nessas eleições.
A analista Sophia
Russack, do Centro de Estudos de Políticas Europeias (CEPS), avalia que os
conservadores do PPE, que continuam sendo a maior bancada no Parlamento
Europeu, talvez não precisem mais formar uma coalizão com os social-democratas e
liberais; em vez disso, poderiam também cooperar com parlamentares moderados de
partidos mais à direita.
"Não acho que
precisamos nos preocupar com a ultradireita tomando decisões. Provavelmente a
agenda vai pender para um lado [mais conservador]", afirma Russack.
Principal candidata do
PPE e atual presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, da
CDU, não descartou cooperar com pelo menos alguns dos parlamentares mais à
direita na Europa. Em entrevista recente a uma rádio pública alemã, Von der Leyen
disse que trabalharia com indivíduos caso a caso, e não com os partidos aos
quais eles pertencem – desde que eles apoiem a Ucrânia, representem valores
europeus e sejam a favor da manutenção do Estado de Direito.
A análise de dados
feita pela DW não considera os legisladores do Fidesz, partido de direita que
governa a Hungria, já que eles não integram um grupo parlamentar.
¨ Como a ascensão da ultradireita francesa pode afetar a UE?
Para os políticos da Alemanha,
o crescimento de Marine Le Pen e seu partido de ultradireita Reunião Nacional
(RN) na França está alimentando novas preocupações sobre as
relações franco-alemãs.
A líder do Partido Verde, Ricarda
Lang, e o deputado estadual Mario Voigt, do partido de centro-direita e
oposição União Democrata Cristã (CDU),
foram alguns dos que rapidamente se pronunciaram, dizendo que acreditam que o
presidente Emmanuel Macron cometeu
um grande erro ao convocar eleições antecipadas.
Mas, o que a mudança
para a direita significaria para a política franco-alemã? O presidente do
partido RN, Jordan Bardella, disse, pouco antes da eleição, que como chefe de
governo, ele não vai mudar nada nas relações com Berlim.
Mas a RN sempre foi
"muito crítica em relação à Alemanha, às vezes quase hostil", aponta
Ronja Kempin, pesquisadora do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e
de Segurança (SWP), com sede em Berlim. "Eles acusam Macron de vender
os interesses franceses à Alemanha e dizem que vão acabar com isso assim
que tiverem a chance de chegar ao poder", diz ela à DW.
Marc Ringel, diretor
do Instituto Franco-Alemão em Ludwigsburg, prevê dificuldades para as relações
bilaterais se o RN eventualmente chegar ao poder: "Há a questão de saber
se o novo governo francês respeitará os acordos bilaterais. Politicamente, haveria
muita incerteza", acredita.
Até recentemente, o
programa político do RN afirmava que os projetos franco-alemãs conjuntos, que
envolvem o desenvolvimento de um avião e de um tanque de combate, deveriam
ser encerrados. Mas, agora, Bardella diz que os compromissos internacionais da
França devem ser honrados; isso também pode se referir aos dois projetos
militares.
Entre os tópicos da
plataforma eleitoral do RN que podem gerar conflitos com a UE e Berlim
estão: o corte do compromisso financeiro da França com a UE, a saída do mercado
de eletricidade da UE, a retirada do tratado de migração e as restrições de viagem
para estrangeiros de fora da UE. O apoio francês à Ucrânia também pode ser
reduzido. Se esses planos poderiam ser implementados, ainda não está
claro.
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Razões para a ascensão do RN
Entre muitos eleitores
franceses, há uma "frustração pública generalizada com a política e um
sentimento crescente de ser deixado para trás. O RN tem sido muito inteligente
em explorar essa insatisfação", explica Ringel.
Além das principais
questões de migração e segurança interna, o partido tem se concentrado em
questões econômicas e sociais. Por exemplo, ele quer reduzir o Imposto sobre
valor agregado (IVA) sobre a energia de 20% para 5,5%.
Há anos, a líder
efetiva do RN, Marine Le Pen, vem trabalhando para reformular a marca de seu
partido para parecer menos extremista. Ela expulsou o próprio pai, Jean-Marie
Le Pen, conhecido por ter relativizado o Holocausto, o que ajudou na época a
tornar o partido inaceitável para amplos setores da população. Agora, o RN
afirma estar preparado para fazer concessões políticas.
Na Alemanha, os
partidos tradicionais têm uma política de isolamento, recusando-se a cooperar
com o partido de ultradireita Alternativa
para a Alemanha (AfD). Essa relutância já não é mais tão forte
França, onde o RN passou a contar com 89 deputados na Assembleia Nacional
do país desde 2022. Desde então, o governo de coalizão de Macron aprovou várias
leis com o apoio do RN, como o endurecimento da legislação
sobre imigração.
"Na França, o RN
é muito mais contido do que a AfD é na Alemanha", disse Kempin. Le Pen
também se distanciou da AfD e passou a se recusar a trabalhar com o partido alemão no Parlamento
Europeu.
No primeiro turno das
eleições para a Assembleia Nacional, o RN apareceu como o partido mais forte,
com cerca de 33% dos votos. Uma coisa já é certa: o Reunião Nacional não é mais
um pária na política francesa e se tornou elegível para amplos setores da população.
Embora o presidente
Macron continue no cargo até 2027, suas opções políticas serão severamente
limitadas no futuro, pois ele ainda arrisca ser obrigado a trabalhar com o
líder do partido RN, Bardella, como primeiro-ministro.
Mas se o RN não
conseguir obter a maioria absoluta no segundo turno, Macron poderá enfrentar
uma alternativa igualmente difícil: um impasse na Assembleia Nacional, com os
poderes de direita e de esquerda se obstruindo mutuamente.
Para o líder do RN,
Bardella, no entanto, tornar-se primeiro-ministro é apenas a primeira parte do
plano. Na eleição presidencial de 2027, Le Pen, apesar de ter perdido duas
vezes para Emmanuel Macron em disputas anteriores, planeja concorrer pela quarta
vez. Só que dessa vez, sem Macron, pois ele não poderá concorrer novamente em
2027. E se tudo caminhar como o planejado, Le Pen tem uma boa chance de
vencer.
Se isso acontecer,
"estaremos em uma Europa muito diferente", reflete Kempin.
"Marine Le Pen,
como Giorgia Meloni na Itália, permaneceria na UE para virá-la de cabeça para
baixo, esvaziá-la e remodelá-la de acordo com suas ideias", alerta Ringel,
do Instituto Franco-Alemão.
Nos próximos meses, o
governo alemão terá de se preparar para tempos difíceis nas relações com seu
maior vizinho.
Fonte: Deutsche Welle
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