sexta-feira, 19 de julho de 2024

Casos de intolerância religiosa disparam no Brasil em 2024

Segundo levantamento da ouvidoria nacional de Direitos Humanos, principalmente através do Disque 100, que é um canal de denúncias usado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, os casos de violação à liberdade religiosa em 2024 cresceram consideravelmente em relação ao ano passado. Para se ter uma ideia, só nos primeiros seis meses deste ano foram 1.940 registros, que perfazem 1.227 denúncias, ou seja, em apenas um semestre quase se igualaram os números do ano inteiro de 2023, que foram de 2.128 violações, em 1.482 denúncias, o que equivale a 91% da totalidade de casos desse tipo no ano anterior.

Ainda segundo os dados do canal governamental , as religiosidades afro-brasileiras são as principais vítimas de intolerância religiosa, com 276 das 525 violações registradas no primeiro semestre de 2024 envolvendo adeptos de crenças de matriz africana. Dentre essas, o candomblé foi a religião mais atingida, com 166 violações, seguido pela umbanda com 124, e por registros que envolvem ambas as religiões, totalizando 22. As correntes evangélicas são apontadas como os principais suspeitas, responsáveis por 55 violações em 34 denúncias.

•        Em Maricá (RJ), Centro Espírita foi vandalizado

Na madrugada do último sábado (13), o Centro Espírita de Axé das Almas, de Umbanda, localizado no distrito de Itaipuaçu, foi alvo de um ataque de intolerância religiosa. A mãe de santo, Flávia de Oxum, de 48 anos, relatou o ocorrido e os danos causados ao local.

Flávia estava a caminho do trabalho quando teve uma intuição e decidiu passar pela rua do "Barracão", nome dado ao centro pelos integrantes da casa. Ao se aproximar, notou algo estranho. "Quando retornei com o carro e passei mais perto, reconheci as imagens, que eram daqui mesmo. Mas estava escuro, as luzes que sempre deixo acesas estavam apagadas, e com receio de ainda ter alguém aqui dentro, liguei para o 190 e fui prontamente atendida", contou Flávia.

Quando a viatura chegou ao local, a mãe de santo entrou e se deparou com a destruição. "Vi tudo quebrado, queimado, e aqui dentro ainda estava com o vapor, porque o incêndio aconteceu durante a madrugada", relatou.

Flávia de Oxum registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Maricá, que agora investiga o caso. Segundo ela, os agentes da 82ª DP informaram que este foi o primeiro incidente desse tipo na região. Em resposta ao ataque e por medo de novos incidentes, a mãe de santo decidiu instalar câmeras de segurança no Centro Espírita de Axé das Almas nesta segunda-feira (15) para evitar futuros casos de intolerância religiosa.

•        No Acre, MP pede investigação por intolerância religiosa na Câmara de Rio Branco

Após o vereador N. Lima usar a tribuna da Câmara Municipal de Rio Branco para fazer uma fala considerada de intolerância religiosa, o Ministério Público do Acre (MPAC), por meio da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania, instaurou uma notícia de fato e requisitou a abertura de inquérito policial à Polícia Civil do estado para investigar supostos crimes de intolerância religiosa e racismo religioso.

A notícia de fato foi assinada pelo promotor de Justiça Thalles Ferreira e instaurada após denúncia enviada pela Federação das Religiões de Matriz Africana do Acre (Feremaac). O vereador fez a fala durante um discurso no dia 10 de julho, em uma sessão ordinária na Câmara de Vereadores de Rio Branco, que foi gravada e transmitida ao vivo pelo YouTube.

O vereador de Rio Branco N. Lima usou a tribuna da Câmara de Vereadores para falar sobre o projeto “Bíblias na Escola” e deu declarações contra religiões de matriz africana. Durante o discurso, o vereador afirmou que pessoas que se dizem de direita e praticam o cristianismo fecham os olhos e aprovam movimentos para descredenciar o cristianismo e os seguidores da Bíblia.

E o vereador ainda continuou. “A maioria que eu vejo hoje, igrejas, todas, sem exceção, a não ser as igrejas que seguem o satanás. Elas seguem mesmo ele. Elas defendem com maior loucura do mundo. Vão lá fazem macumba e o diabo a quatro”, declarou.

<><> Disque 100 – Um canal também contra a intolerância religiosa

O Disque 100 é um serviço ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O canal recebe demandas relacionadas a violações de Direitos Humanos, principalmente ataques contra grupos em situações de vulnerabilidade social.

Serviço funciona diariamente, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100. O canal também pode ser acionado pelo email ouvidoria@mdh.gov.br e pelo Whatsapp (61) 99611-0100.

 

•        Racismo Religioso: O caso de Anitta e os desafios da africanidade no Brasil – Por Bàbá Vitor Ifasola

Em uma sociedade vibrante e diversificada como a brasileira, a intolerância ainda encontra raízes profundas que afetam diversas esferas da vida social. Recentemente, a cantora Anitta enfrentou uma onda de desaprovação que resultou na perda de cerca de 200 mil seguidores em suas redes sociais, um evento que destaca não apenas a intolerância religiosa, mas também o racismo velado que permeia essas atitudes.

Anitta, uma artista brasileira reconhecida mundialmente, é uma adepta e defensora do Candomblé, uma religião de origem africana continuamente mal interpretada e estigmatizada no Brasil. Em seu novo videoclipe 'Aceita', Anitta presta homenagem a essa fé, particularmente ao orixá Exu, frequentemente e erroneamente associado à figura do diabo no imaginário cristão. Ao proclamar "Laroyê Exu, tirando dos meus caminhos tudo o que já não me serve mais", a cantora não apenas invoca a proteção espiritual, mas também destaca uma escolha consciente pela qualidade de vida e autenticidade cultural em detrimento da quantidade de seguidores ou aprovação superficial.

Este episódio é um triste espelho da sociedade brasileira, refletindo a persistente marginalização das práticas africanas e de seus seguidores. O gesto de Anitta, embora pessoal e artístico, transcende sua individualidade e se torna um símbolo de resistência contra o racismo religioso. A africanidade, que corre nas veias do Brasil e molda parte significativa de sua cultura e história, ainda é frequentemente desvalorizada e inferiorizada. Ignorar a dimensão do problema seria perpetuar o apagamento dessa rica herança cultural.

Adicionalmente, Anitta compartilhou imagens do videoclipe que incluem uma homenagem ao orixá Logun Edé, revelando "Eu sou Logun Edé, o grande príncipe herdeiro da raça dos meus pais! Tenho a sensibilidade e a inteligência da minha mãe e a bravura e astúcia do meu pai. Como caçador e pescador, sou minha própria natureza. Eu sou o único capaz de reunir todos os mundos. Eu sou o equilíbrio entre homens e mulheres." Este trecho não apenas destaca a riqueza e profundidade da mitologia do Candomblé, mas também celebra a dualidade e a harmonia, princípios frequentemente ausentes no discurso público sobre religião e raça.

Um levantamento da startup JusRacial revelou que a intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em andamento nos tribunais brasileiros, conforme levantamento recente. Este estudo identificou um total de 176 mil processos por racismo em todo o país. No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa corresponde a 43% dos 1,9 mil processos de racismo em trâmite na corte, de acordo com a mesma pesquisa. Nos tribunais estaduais, foram identificados 76,6 mil processos relacionados ao tema, dos quais 29,5 mil estão relacionados à intolerância religiosa.

Entre 2022 e 2023, o número de denúncias sobre intolerância religiosa feitas ao Disque 100, um serviço governamental, registrou um crescimento significativo. Durante esse período, houve um aumento de 64,5% nas denúncias e de 80,7% nas violações relatadas. Em 2023, os registros alcançaram um novo patamar. Notavelmente, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia lideram em número de denúncias. Esses dados e a repercussão do caso de Anitta mostram que o debate sobre intolerância e racismo religioso precisa ser feito em todas as esferas sociais: nas escolas, nas casas, pela cultura e, principalmente, com políticas públicas de combate ao preconceito.

A frase "Aceita", então, torna-se um desafio lançado à sociedade, um convite à aceitação e ao respeito pela diversidade religiosa e cultural. Entretanto, como visto pela reação adversa de parte do público, esse aceite ainda é um caminho árduo, onde o preconceito ainda é uma máquina estruturada que a sociedade precisa levar de maneira séria.

Este caso de Anitta é um exemplo vívido de como a prática da africanidade é um problema sério para muitas pessoas no Brasil, provocando aversão e desejo de expurgar aquilo que é essencial e verdadeiro para muitos brasileiros. Em última análise, enfrentar o racismo religioso é um passo crucial não apenas para proteger as liberdades individuais, mas também para enriquecer a sociedade com a aceitação e valorização da pluralidade que define o Brasil.

 

•        Pastor causa revolta nas redes ao dizer que autismo é “coisa do diabo”. Por Zé Barbosa Junior

Um vídeo que viralizou nas redes sociais está gerando indignação e revolta em muitas pessoas. Na gravação, um pastor afirma categoricamente, durante uma pregação, que o autismo é uma “coisa do diabo”. O vídeo foi gravado num dos cultos de comemoração de 90 anos da Assembleia de Deus de Tucuruí, no estado do Pará, na noite da última sexta-feira (12), onde centenas de pessoas assistiam a celebração presencialmente, além da transmissão online para outros milhares de fiéis.

Durante sua pregação, o pastor carregado de ignorância e preconceito, disse: “De cada 100 criança que nasce (sic) nós temos um percentual gigantesco de pessoas e ventres manipulados, visitados pela escuridão que distorce, ainda no ventre, as crianças hoje, de cada 100 nós temos aí quase que 30% de autistas em vários graus. O que que está acontecendo pastor Washington? O diabo está visitando o ventre das desprotegidas, daqueles que não têm a graça, a habilidade, a instrumentalidade para saber lidar no mundo espiritual. E ele só procura os vulneráveis, os desassistidos”

Encontrei o perfil do tal religioso com a fala criminosa do pregador na noite desta terça-feira (16). Trata-se do pastor Washington Almeida, que se intitula “pastor itinerante e guardião do altar”, de Araguaína (TO), que conta com quase 100 mil seguidores seu canal no youtube, onde posta suas pregações. Curiosamente a pregação do dia 12 de julho não está mais no ar.

É inadmissível que ainda haja quem defenda ideias como a do pastor Washington. O silêncio da plateia diante do absurdo é constrangedor. A fala, além de preconceituosa é criminosa, pois fere a Lei Nº 13.146/2015 que é a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

O artigo 5º assegura que “a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante." No seu parágrafo único, diz que "para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.” E ainda prevê a punição para quem “praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência” (Art. 88) A pena é a "reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa."

É sabido de muitos o quanto uma pregação desse tipo gera opressão e discriminação nas pessoas que sofrem o autismo e em seus familiares. Quem conhece bem o ambiente de igrejas com esse tipo de mensagem sabe a repercussão e os desdobramentos que isso causa no dia a dia da própria igreja e dos fiéis, com comentários e opressões que visam desmerecer as pessoas que passam pelos problemas da vida real, muitas vezes apresentados, de forma leviana e errônea pelos pastores como "investidas diabólicas".

•        Pastor publica pedido de “desculpas”

Após a imensa revolta que o vídeo de sua pregação causou, o pastor Washington gravou um pedido de desculpas no início da madrugada desta quarta-feira (17). Em seu instagram, publicou: “Venho neste vídeo me retratar, devido a grande repercussão negativa de uma infeliz colocação minha, em um trecho de uma mensagem por mim pregada. Minhas sinceras desculpas, esta não foi a minha intenção JAMAIS, de me referir desta forma negativa em relação aos autistas.” No vídeo, diz que a fala foi no “calor da mensagem” e que “o ser humano é fadado ao erro”. Interessante perceber que ele vem se retratar “devido a grande repercussão negativa” da fala. A pergunta que não quer calar é: e se não houvesse essa repercussão? Qual seria a atitude do pastor?

Se há verdade no ditado que diz “o que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio”, não haveria também uma verdade em se dizer que “o que foi dito ‘no calor da mensagem’, foi pensado no frio do coração”?  Aliás, como diz o próprio Jesus Cristo: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas? Pois a boca fala do que está cheio o coração.” (Mateus 12.34)

 

Fonte: Fórum

 

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