sexta-feira, 5 de julho de 2024

Caso Braskem: um crime silenciado que não consegue esconder as rachaduras

Maceió ainda chora e adoece mesmo após uma CPI que, na teoria, garantiu pontos importantes no caminho de uma reconstrução justa e digna para as 60 mil pessoas diretamente impactadas pelo crime da Braskem.

A CPI representou um marco por alguns fatores. Primeiro, pela admissão de culpa pelo afundamento do solo por parte de um diretor da petroquímica, o que ocorreu pela primeira vez desde o início dos tremores na cidade, em 2018.

Depois, por atestar oficialmente que o nome para o que ocorre em Maceió não é tragédia, mas crime. Algo que, aqui no Brasil de Fato, chamamos pelo nome desde as primeiras aparições de rachaduras nas casas e ruas dos cinco bairros destruídos pela mineradora. No relatório final aprovado em 21 de maio, a mineradora e seu vice-presidente, Marcelo de Oliveira, foram indiciados, entre outros, pelo crime de “lavra ambiciosa”.

O último ponto de destaque de uma CPI que surgiu manchada pela disputa política entre Arthur Lira e Renan Calheiros foi reafirmar o que todo mundo já sabe (ou deveria saber): a necessidade de resolver os problemas das famílias que ainda vivem em áreas de risco.

No caso do bairro do Bom Parto, nem mesmo os senadores da CPI visitaram as famílias que ainda vivem sob rachaduras, suscetíveis às enchentes nas margens da Lagoa Mundaú. No Beco do Sargento, mostramos o descaso da mineradora e da Defesa Civil Municipal com a população que deseja ser realocada, mas segue morando em casas prestes a desmoronar nas proximidades das 35 minas de extração de sal-gema da Braskem, desativadas desde 2019.

Já havíamos visitado o bairro em dezembro do ano passado, durante o colapso da mina 18, e, por surpresa nossa, as condições de vida estavam ainda mais deterioradas. Além da precariedade das casas, o desemprego e o alcoolismo seguem em alta e muitas famílias só dormem às custas de remédios.

A petroquímica inclusive acionou a justiça para impedir que essas famílias fossem incluídas no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), que daria o direito a realocação. É uma realidade “sub-humana”, definiu o presidente da Associação do Bairro do Bom Parto, Fernando Lima.

O relatório final do senador Rogério Carvalho (PT-SE) é enfático ao solicitar que a Defesa Civil de Maceió reestruture o mapa de risco e revise os acordos de indenização das famílias atingidas. O texto pede também que se considere o “risco de ilhamento socioeconômico”, como acontece na comunidade dos Flexais, que não entrou na área de risco, mas teve todos os equipamentos públicos que atendiam à população realocados ou desativados.

Mas o que vem sendo feito é o oposto. Nos Flexais, mostramos que, embora 74% das 2,7 mil famílias desejam ser realocadas para outro local, a mineradora continua com as obras de revitalização da comunidade, a contragosto de quem vive por lá. E pior: gerando transtornos para quem mora nos arredores das máquinas, com barulho e poeira.

O forte artigo de Maurício Sarmento, morador dos Flexais, expôs o depoimento que a CPI precisa ter escutado. A comunidade onde também viveu Nise da Silveira, referência em psiquiatria humanizada, é sintetizada pela liderança do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem como um local que “tinha uma vida pulsante e ativa, mas virou lugar de terror”.

Em outra frente de luta por justiça em Maceió, está a valente e combativa Igreja do Pinheiro, um dos últimos imóveis a ser desocupado pela Defesa Civil após o colapso da mina 18 da Braskem, em dezembro.

Mostramos que os membros do espaço liderado pelo Pastor Wellington Santos vêm lutando na justiça para voltar a seu endereço de origem, na Rua Miguel Palmeira. A comunidade religiosa denuncia o “crime imobiliário” levado a cabo pela mineradora que, através de um acordo assinado com o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, se torna dona da área dos imóveis que indenizar.

Por essa luta incansável contra a mineração irregular na capital alagoana, o pastor da Igreja do Pinheiro será o nome apoiado pelo MST para concorrer a uma vaga na Câmara dos Vereadores em 2024.

Estivemos no lançamento de sua candidatura e mostramos, a partir das vozes progressistas e dos movimentos populares, o que estará em jogo nas eleições municipais deste ano. Obviamente, o caso da Braskem está no centro do debate.

Também é preciso pontuar como o esfacelamento da saúde mental é uma constante entre os atingidos em Maceió. As consequências da destruição dos cinco bairros da capital alagoana sobre a saúde mental da população são evidenciadas através de uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Os casos de ideação suicida aumentaram de 2% para 27,5% após a remoção dos bairros de origem, desde 2018. Já o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) contabiliza 13 mortes por suicídio após o afundamento do solo. Tudo isso acontecia enquanto a Braskem patrocinava o programa Big Brother Brasil 23 e pagava celebridades da TV e influenciadores das redes sociais para difundirem ações de “marketing verde”.

Por fim, o que precisamos destacar é que, mesmo sufocada, a mobilização popular continua a denunciar as injustiças e apontar caminhos para uma reparação justa. A Braskem, a justiça e as próprias instituições públicas, no entanto, travam esse direito. Nas ruínas da cidade, nos tribunais, e na política, a voz do povo, principalmente a do mais pobre, é constantemente silenciada. Mas ela nunca morre.

Seguiremos atentos e monitorando o descaso de uma mineradora milionária que destruiu 20% de uma capital brasileira e deixou sequelas para toda uma população. Também cobraremos dos órgãos públicos que atuem por essas famílias antes que seja tarde.

Se a Braskem deseja o silêncio, aqui mostraremos o grito das 60 mil vozes maceioenses que lutam incansavelmente pelo direito de existir.

Sigam conosco.

 

•           Operação Abafa: Defesa Civil diz que não há risco de colapso imediato das minas da Braskem

Seis meses após o rompimento parcial da mina 18 da Braskem, a Defesa Civil de Maceió afirmou que não há mais risco de colapso imediato em nenhuma das 35 minas localizadas na capital alagoana.

Em 10 de dezembro de 2023, o solo sob a mina 18 ruiu, abrindo uma cratera sob a lagoa Mundaú que comporta um volume de água equivalente a 11 piscinas olímpicas. Desde então, a mina 18 está 90% preenchida, segundo a Defesa Civil.

“Não há movimentação abrupta que indique o risco iminente de colapso de nenhuma mina. A expectativa é que esse trabalho [de preenchimento] promova uma estabilização futura”, explicou o coordenador da Defesa Civil de Maceió, Abelardo Nobre.

Desde 2018, cinco bairros de Maceió passaram a sofrer diretamente com efeitos da extração de sal-gema feita durante décadas pela Braskem na capital alagoana. O minério é utilizado para a confecção de materiais como PVC e soda cáustica.

Por causa da instabilidade no solo provocada pela mineração, foi preciso evacuar mais de 14 mil imóveis, afetando cerca de 60 mil pessoas. A Defesa Civil de Maceió afirmou que toda a área dos bairros afetados é monitorada de forma ininterrupta.

Um Programa de Compensação Financeira foi criado ainda no final de 2019 pela Braskem para indenizar os proprietários dos imóveis que tiveram que ser desocupados. Os moradores da região que discordavam dos valores oferecidos movem ação na Justiça contra a mineradora.

<><> CPI da Braskem

Em 21 de maio desse ano, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem aprovou o relatório final do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que propôs o indiciamento de três empresas e de 11 pessoas pelo afundamento do solo em Maceió.

Na ocasião, o relator da CPI afirmou que a comissão teve como base três eixos centrais:

•           a investigação das causas do afundamento do solo;

•           a caracterização de Maceió como caso para avaliação de todo sistema de regulação das atividades minerárias no Brasil;

•           a realização da justiça para 60 mil pessoas atingidas pelo crime ambiental.

"Dói principalmente reconhecer, nos depoimentos, as muitas histórias que ouvimos durante este inquérito parlamentar. Gente que lutou décadas para construir uma casa que teve que abandonar de um dia para o outro. Gente que nasceu e sempre viveu no mesmo bairro, hoje transformado em cidade fantasma. Gente que teve de deixar para trás os vizinhos, a identidade e toda uma história. E por que? No caso de Maceió, porque algumas pessoas inconsequentes em busca do lucro rápido e fácil acreditaram que poderiam escavar a terra de qualquer jeito, sem se importar com a população que morava em cima", disse o senador Rogério Carvalho.

Confira abaixo os pedidos de indiciamento e recomendações aos órgãos públicos de Alagoas:

<><> Recomendações da CPI aos órgãos públicos

•           Revisão do Acordo de Compensação Financeira e Apoio à Realocação

•           Ampliação do Mapa de Linhas e Ações Prioritárias

•           Redefinição da propriedade da área afetada

•           Reestruturação e provisionamento da Agência Nacional de Mineração (ANM)

•           Realocação da unidade da Braskem da região do Pontal da Barra

•           Conservação e despoluição do complexo estuarino-lagunar Mundaú-Manguaba

•           Elaboração imediata do Plano Diretor de Maceió e do Plano de Mobilidade Urbana Municipal

•           Instalação de memorial à cidade atingida pela mineração

•           Revisão do valor venal dos imóveis vizinhos à área de risco

•           Revisão dos financiamentos imobiliários da área vizinha

•           Acompanhamento da aplicação dos recursos recebidos pela Prefeitura de Maceió

•           Acompanhamento do Hospital da Cidade

<><> Pedidos de indiciamento

•           Marcelo de Oliveira Cerqueira, diretor-executivo da Braskem desde 2013, e atualmente vice-presidente executivo de Manufatura Brasil e Operações Industriais Globais;

•           Alvaro Cesar Oliveira de Almeida, diretor industrial de 2010 a 2019;

•           Marco Aurélio Cabral Campelo, gerente de produção;

•           Galileu Moraes, gerente de produção de 2018 a 2019;

•           Paulo Márcio Tibana, gerente de produção de 2012 a 2017;

•           Paulo Roberto Cabral de Melo, gerente-geral da planta de mineração de 1976 a 1997;

•           Adolfo Sponquiado, responsável técnico da empresa no local de mineração entre 2011 e 2016;

•           Alex Cardoso da Silva, responsável técnico em 2007, 2010, 2017 e 2019.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), pediu para que o documento fosse encaminhado para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), ao Ministério Público Federal (MPF), e à Defensoria Pública e Ministério Público de Alagoas (MP-AL).

•           Análise não constatou impactos ambientais siginificativos na lagoa

Dias após o rompimento da mina sob a lagoa Mundaú, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Instituto do Meio Ambiente (IMA) informaram que a comparação de amostras da água coletadas antes e depois do colapso não apontou alteração significativa na qualidade da água.

Os testes realizados em laboratório não indicaram elevação dos índices de sódio, cálcio e magnésio, entre outros que poderiam afetar o ecossistema na lagoa, explicou o pesquisador e professor Emerson Soares, que coordena o projeto Laguna Viva, da Ufal.

Um mês depois, pescadores registraram o surgimento de peixes mortos na outra margem da lagoa. Uma nova análise foi realizada e, segundo o IMA, mais uma vez não foram encontrados fatores que indicassem que a causa tenha sido o colapso da mina da Braskem.

A análise indicou que a mortandade de peixes poderiam estar ligada a outros fatores, como:

•           nível elevado de degradação da laguna;

•           altas temperaturas;

•           lançamento de efluentes industriais e domésticos;

•           drenagem urbana;

•           presença de agroquímicos, resíduos químicos, a exemplo de derivados de combustíveis;

•           acúmulo de matéria orgânica acentuada no leito da laguna.

Para o professor Emerson Soares, a lagoa já sofria historicamente com diversas ameaças, entre elas o processo erosivo, o assoreamento, o esgoto despejado no local, e o lançamento de agrotóxicos e agroquímicos no Rio Mundaú, que deságua na lagoa.

"Nós não temos argumentos ou dados para dizer que a mina causou algum problema. Nenhum problema em qualidade de água até agora. A gente não tem nenhuma correlação de aumento de alguns níveis de nutrientes devido à mina. O que poderia ter, em relação a cloretos, salinidade, que a gente viu que está um pouco mais alto esse ano, mas isso é comum", afirmou o pesquisador.

Ainda de acordo com Emerson, é possível dizer até que o aumento dos índices de cloreto é importante para o sururu, molusco tradicional na gastronomia alagoana, que se aproveitam desses nutrientes para nutrir e formar a casca.

"Por tanto, a gente vem observando que as condições, nesse momento da laguna, estão melhores que o ano passado. As alterações não são decorrentes da mina. São decorrentes do modelo de circulação da laguna", disse o professor Emerson.

Desde 2022, a lagoa é monitorada constantemente devido a um projeto via Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Governo Federal e a Braskem, monitorando os organismos aquáticos e a qualidade da água.

 

Fonte: Brasil de Fato/g1

 

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