As novas leis que tentam tornar redes
sociais menos viciantes para crianças e adolescentes
A governadora do
Estado americano de Nova York, Kathy Hochul, deixou clara sua opinião sobre as
redes sociais no início de julho, ao anunciar a assinatura de duas novas leis
estaduais destinadas a proteger menores de idade contra os riscos do mundo
digital.
Hochul declarou que os
aplicativos são responsáveis por transformar "crianças despreocupadas em
adolescentes deprimidos". Mas ela acredita que a legislação sancionada por
ela ajudará a combater esta situação.
"Hoje, nós
salvamos nossos filhos", afirmou a governadora.
"Jovens de todo o
país estão enfrentando uma crise de saúde mental alimentada pelos feeds
viciantes das redes sociais."
A partir de 2025, as
novas leis podem forçar aplicativos, como o TikTok e o Instagram, a transportar
as crianças de volta aos primórdios das redes sociais, quando o conteúdo ainda
não era definido pelas "curtidas" dos usuários e as gigantes da tecnologia
não coletavam dados sobre nossos interesses, humor, hábitos e muito mais.
A Lei da Suspensão da
Exploração de Feeds Viciantes para Crianças (Safe, na sigla em inglês, ou
"Seguro") exige que as plataformas de redes sociais e lojas de
aplicativos busquem o consentimento dos pais para que menores de 18 anos usem
aplicativos com "feeds viciantes". Esta é uma tentativa inovadora de
regulamentar as recomendações dos algoritmos das redes sociais.
A Lei Safe irá proibir
que os aplicativos enviem notificações para crianças e adolescentes entre 0h e
6h — criando, na prática, uma hora de dormir legal para os aparelhos.
Ela também exige
melhores sistemas de verificação da idade, para evitar que a inscrição de
crianças passe despercebida.
A segunda lei, chamada
de Lei de Proteção de Dados das Crianças de Nova York, limita a coleta de
informações dos usuários pelos provedores de aplicativos.
"Ao controlar os
feeds viciantes e proteger os dados pessoais das crianças, iremos fornecer um
ambiente digital mais seguro, com mais tranquilidade para os pais, e criar um
futuro mais brilhante para os jovens de toda Nova York", disse a governadora.
As duas leis fazem
parte de uma preocupação cada vez maior com os efeitos das redes sociais sobre
a saúde mental dos jovens. O cirurgião-geral dos Estados Unidos (autoridade
máxima em saúde pública do país), Vivek Murthy, chegou recentemente a defender
alertas para os aplicativos de redes sociais, similares aos avisos incluídos
nas embalagens de cigarros.
Nos Estados Unidos e
em várias outras partes do mundo, jovens enfrentam uma crise de saúde mental e
os próprios funcionários de grandes empresas de tecnologia reconheceram os
danos causados a algumas crianças.
Mas as conclusões
científicas relacionando as redes sociais a problemas de saúde mental são muito
menos evidentes do que se imagina.
Na verdade, inúmeros
estudos chegaram a demonstrar que as redes sociais podem trazer benefícios para
a saúde mental dos adolescentes.
Esta situação levou
alguns analistas da tecnologia e psicólogos infantis a chamar recentes
intervenções políticas de "pânico moral".
Os defensores das
políticas e especialistas em redes sociais também questionam como simples
intervenções legislativas, como a Lei Safe, serão colocadas em prática.
Eles afirmam que a
legislação pode retardar os esforços tão necessários de combater os riscos
reais das redes sociais, como a divulgação de material sobre abusos sexuais
infantis, violações de privacidade, discurso do ódio, desinformação, conteúdo
ilegal e perigoso — e muito mais.
• Mensagens contraditórias
Muitos estudos que
encontram relações com problemas de saúde mental se concentram no "uso
problemático" — indivíduos que usam as redes sociais de forma
descontrolada.
Esta questão já foi
associada, por exemplo, ao aumento da incidência de diversas formas de
ansiedade, além de depressão e estresse.
Alguns estudos indicam
que existe um aspecto relacionado à dosagem, com os sintomas negativos de saúde
mental aumentando proporcionalmente ao tempo passado nas redes sociais.
Mas outros estudos
sugerem que essas associações são fracas ou que não foram encontradas
evidências que relacionem a expansão das redes sociais a problemas psicológicos
generalizados.
Existem estudos que
chegam a sugerir que o uso moderado das redes sociais pode ser benéfico em
algumas circunstâncias, por ajudar a criar uma sensação de comunidade.
De fato, as próprias
orientações do cirurgião-geral dos Estados Unidos sobre os impactos da
tecnologia sobre os jovens indicam que os seus efeitos podem ser tanto
positivos quanto negativos.
O relatório afirma que
58% dos jovens declararam que as redes sociais fizeram com que eles se
sentissem mais aceitos, enquanto 80% elogiaram a capacidade das redes de
conectar as pessoas com a vida dos seus amigos.
E existem até
discussões para determinar se o uso problemático das redes sociais é realmente
um problema em crescimento.
Uma recente
meta-análise de 139 estudos, realizados em 32 países, concluiu que não existem
sinais de aumento do uso problemático das redes sociais nos últimos sete anos —
exceto nos países de baixa renda, onde costuma haver maior incidência de
condições de saúde mental.
Um problema que
costuma ser indicado é que muitos dos estudos nesta área se baseiam em padrões
de uso e humor relatados pelos próprios usuários, o que pode gerar viés nos
dados. E eles também empregam uma variedade de métodos tão ampla que dificulta
sua comparação.
Mas esta incerteza da
ciência não impediu os alertas de preocupação entre os legisladores e os
ativistas da proteção infantil. Eles defendem que é prudente adotar um
princípio preventivo e que é preciso aumentar as ações para forçar as grandes
plataformas tecnológicas a tomar medidas. E as duas leis sancionadas por Hochul
foram o passo mais recente deste processo.
"Existe uma real
sensação de urgência sobre tudo isso, que precisamos mostrar que estamos
fazendo algo neste momento para solucionar o problema", disse o professor
de Psicologia e Comunicação Científica Pete Etchells, da Universidade Bath Spa,
no Reino Unido. Ele é o autor do livro Unlocked: The Real Science of Screen
Time ("Desbloqueado: a ciência real do tempo na tela", em tradução
livre).
"Mas, só porque
parece ser um problema urgente a ser resolvido, isso não significa que a
primeira solução que surgir irá realmente funcionar", diz.
• Reações contraditórias
Alguns especialistas
em segurança online são favoráveis às novas leis de Nova York.
"Embora a
legislação de Nova York seja muito mais ampla e menos concentrada nos danos
concretos do que a Lei de Segurança Online do Reino Unido, fica claro que a
regulamentação é a única forma que irá fazer com que as grandes empresas de
tecnologia limpem seus algoritmos e impeçam as crianças de receber
recomendações de imensas quantidades de conteúdo prejudicial sobre suicídio e
automutilação", afirma Andy Burrows, consultor da Fundação Molly Rose.
A fundação foi criada
pelos pais da adolescente britânica Molly Russell, que se suicidou em 2017,
depois de observar uma série de imagens de automutilação nas redes sociais. Um
parecer histórico de um médico legista londrino em 2022 afirmou que as imagens
contribuíram para a morte da criança.
Para Burrows, as
rápidas ações de Hochul devem ser observadas favoravelmente em comparação com o
Congresso americano que, segundo ele, "é muito lento para aprovar medidas
federais abrangentes".
"As normas são
muito fracas e esta legislação se destaca apenas por ser melhor do que as
inúmeras leis ruins existentes", afirma a professora de mídias digitais
Jess Maddox, da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos. "Em termos de
Estados americanos que tentam regulamentar as redes sociais, esta é uma das
melhores tentativas que já vi."
Ela elogia a
legislação de Nova York por não impedir completamente que menores de idade
façam uso das redes sociais — algo que um projeto similar está tentando fazer
na Flórida. Há quem receie que esta medida possa levar ao analfabetismo
digital, deixando as crianças menos preparadas para o futuro.
"Esta legislação
coloca o ônus sobre as plataformas de redes sociais, para que elas façam alguma
coisa", explica Maddox.
A reação das próprias
plataformas de redes sociais foi contraditória.
A Netchoice — um órgão
do setor que representa diversas empresas importantes de tecnologia, como a
Google, X, Meta e Snap — descreveu a legislação de Nova York como repressiva e
"inconstitucional".
E alertou que as leis
podem até trazer consequências inesperadas, como aumentar potencialmente o
risco de exposição das crianças a conteúdo prejudicial, por eliminar a
capacidade de fazer curadoria dos feeds e apresentar possíveis questões de
privacidade.
Mas um porta-voz da
Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e WhatsApp, declarou que
"embora não concordemos com todos os aspectos da legislação, manifestamos
nosso apoio a Nova York por se tornar o primeiro Estado a aprovar leis que
reconhecem a responsabilidade das lojas de aplicativos".
A empresa indica
pesquisas que sugerem que a maior parte dos pais apoia a legislação que exige
que as lojas de aplicativos busquem a aprovação dos pais e acrescenta:
"Continuaremos a trabalhar junto aos legisladores de Nova York e de outros
lugares para fazer avançar esta questão."
O X, TikTok, a Apple e
a Google, empresa proprietária do YouTube, não responderam ao pedido de
comentários da BBC sobre esta questão.
As leis que exigem o
consentimento dos pais para uso de redes sociais pelos seus filhos menores de
idade também enfrentam barreiras na justiça.
Em fevereiro, um juiz
federal americano manteve o bloqueio sobre uma lei do Estado de Ohio que exigia
a permissão dos pais para que crianças com menos de 16 anos usassem as redes
sociais.
Quando a Lei Safe for
inevitavelmente analisada, o debate sobre a ciência poderá enfraquecer ainda
mais a sua viabilidade, segundo a professora de Comunicação Digital Ysabel
Gerrard, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido. Ela estuda o movimento
pela segurança online.
"Ela é baseada na
premissa de que a 'dependência' das redes sociais é um fenômeno comprovado, mas
não é", explica ela.
"Por mais que
haja consenso de que as plataformas, pelo seu próprio projeto e pelo seu
interesse em obter lucros, são criadas para serem agradáveis para os seus
usuários e reter sua atenção, ainda se discute se elas devem ser classificadas
como [objeto de] 'dependência'."
Mas Gerrard é da
opinião de que a segunda lei, de Proteção dos Dados das Crianças de Nova York,
é mais forte.
"Eu me preocupo
há muito tempo com a perda de controle das crianças — bem, de todos nós — sobre
os nossos dados e o desconhecimento que todos nós temos de até onde isso
vai", afirma ela.
Gerrard acredita que a
lei exigirá que as plataformas expliquem onde estão usando os dados coletados,
o que representaria uma mudança radical.
"Concordo
totalmente com os princípios por trás desta lei, mas vou observar com interesse
como ela vai evoluir, já que ela exigiria que as plataformas fizessem algo que
ainda não conseguiram."
O representante da
governadora Hochul, Sam Spokony, recusou-se a comentar ao ser questionado para
responder às críticas.
• Dificuldades de execução
Existem também temores
de que uma abordagem errada na regulamentação das plataformas de redes sociais
possa trazer consequências de longo prazo.
Jess Maddox elogia as
leis por serem melhores do que algumas tentativas realizadas por outros
Estados. Mas "é aqui que encerro o elogio, pois elas parecem, em grande
parte, inexequíveis", segundo ela.
A professora destaca
que é difícil interromper "feeds viciantes" em um único Estado. Ela
compara a questão com as leis de verificação de idade online, que proibiram
eficientemente o acesso a websites pornográficos em diferentes Estados americanos.
Uma preocupação é a
dificuldade de verificar se os feeds das redes sociais passarão a ser menos
viciantes depois que a lei entrar em vigor. Isso, por si só, irá dificultar sua
execução.
"Se elas não
puderem ser postas em prática, poderemos ver as empresas de redes sociais
indicando esta experiência como prova de que elas não podem, ou não devem, ser
regulamentadas", explica Maddox.
Outra dificuldade são
as muitas abordagens diferentes, adotadas por diversos Estados, para
regulamentar o uso das redes sociais pelas crianças.
As redes sociais
transcendem frequentemente as fronteiras estaduais e internacionais. E muitos
legisladores importantes reconhecem a dificuldade de implementação de
diferentes restrições locais.
Esta diferença de leis
locais já deu espaço para que as empresas de redes sociais questionassem a
legislação na Justiça, em Estados americanos como Ohio, Califórnia e Arkansas.
Maddox receia que, se
forem criadas às pressas, essas leis possam trazer mais prejuízos do que
benefícios na proteção das crianças online, em comparação com as leis que
receberam tempo adequado para análise.
"No curto prazo,
poderemos ter feito alguma coisa", destaca ela. "Mas, no longo prazo,
provavelmente nada irá acontecer."
Ela não é a única a
ter este mesmo receio. Gerrard afirma que sua preocupação "é que as
pessoas no poder estejam perdendo tempo precioso em algo que é
inexequível".
Mas os críticos da
nova legislação têm uma alternativa melhor?
"Claramente, a
longo prazo, será muito melhor para todos os envolvidos — e acho que isso
também inclui as empresas de tecnologia — ter uma única abordagem federal bem
desenvolvida do que uma colcha de retalhos de 50 Estados tomando medidas
separadas", explica Andy Burrows.
Os especialistas
defendem que seria preferível uma abordagem unificada, baseada nas evidências
científicas, e que sirva de padrão global. E a indústria da tecnologia parece
estar de acordo com esta proposta.
O mundo nascente da
regulamentação da inteligência artificial oferece modelos que também poderão
ser adotados para as redes sociais.
Legisladores estão
lutando, por exemplo, para estabelecer auditorias públicas de algoritmos. O
objetivo é forçar as empresas a abrir seus sistemas de IA para especialistas
externos. Mas esta é uma decisão que ainda pode exigir um consenso global.
O Reino Unido, por
exemplo, pede aos produtores de modelos de IA que apresentem seus produtos para
análise pelo seu órgão supervisor de IA, mas diversas empresas afirmaram que
não irão atender ao pedido porque a jurisdição é relativamente pequena.
Enquanto isso, Estados
americanos individuais estão levando adiante suas tentativas de proteger as
crianças contra o que elas poderão observar e sentir durante o uso das redes
sociais – e também enfrentam a reação das grandes empresas de tecnologia.
O que parece estar
claro é que a guerra sobre o futuro das redes sociais está apenas começando.
Fonte: BBC Future
Nenhum comentário:
Postar um comentário