As lições da França e Reino Unido que podem
motivar onda à esquerda
As recentes vitórias
da esquerda nas
eleições legislativas na França e do Partido Trabalhista no Reino Unido marcaram um
momento de transformação no cenário político da Europa. O trunfo progressista nos dois
países veio menos de um mês após o fortalecimento da extrema direita nas
eleições ao Parlamento Europeu e
deu um certo alívio às forças democráticas da região.
No caso francês,
a Nova Frente Popular (NFP), coligação de partidos de esquerda,
obteve o maior número de cadeiras no parlamento, e o partido de
extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, que havia saído na frente
no primeiro turno, ficou em terceiro lugar, atrás da coligação do presidente
francês Emmanuel Macron, a Ensemble (Juntos).
A vitória da esquerda
na França surpreendeu a muitos, visto que a extrema direita, após o bom
desempenho no primeiro turno, já dava como certa sua vitória e era endossada,
inclusive, por analistas políticos. Os franceses, entretanto, foram em massa às
urnas, superando a alta taxa de abstenção na primeira volta, e deram a vitória
aos partidos de esquerda, que devem fazer uma aliança com o centro para formar
um novo governo.
Em entrevista
à Fórum, a professora Ariane Roder, cientista política do Instituto
de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (Coppead/UFRJ) e especialista em relações internacionais, explica
que "Macron, com problemas de governabilidade, resolveu adotar uma
estratégia arriscada e antecipar as eleições legislativas no país, diante do
contexto da força apontada pela extrema direita".
"Após o primeiro
turno apontar a vitória da extrema direita, a aliança do centro com a esquerda,
superando suas diferenças, foi o caminho encontrado para conter o avanço dessa
agenda extremista e conservadora. Os resultados surpreenderam até os mais
otimistas", pontua.
No Reino Unido,
a vitória esmagadora do Partido
Trabalhista, que conquistou 411 assentos no parlamento
e retornou ao poder após 14 anos, indicando como novo
primeiro-ministro Keir Starmer, já era prevista pelas pesquisas.
Segundo Ariane Roder, "o cenário vem apontando para a polarização
político-ideológica dominando o cenário europeu, com o enfraquecimento dos
partidos de centro, que passam a funcionar mais como pêndulo nessa balança
política".
·
Polarização na Europa
Apesar das vitórias da
esquerda nas eleições francesas e britânicas, o avanço significativo da
extrema direita no pleito ao Parlamento Europeu é um indicativo preocupante. Na
própria França, a extrema direita foi a vencedora das eleições europeias, assim
como na Itália e na Áustria.
O caso da Alemanha é particularmente
notável, considerando que o AfD,
partido de extrema direita que tem entre seus quadros neonazistas, se tornou,
nas eleições europeias, a segunda força política do país que é, atualmente, governado por Olaf Scholz, do
Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda — legenda que teve um de
seus piores desempenhos da história no pleito ao Parlamento Europeu.
"O que este
movimento eleitoral recente revela sobre o atual cenário político
europeu", observa Ariane Roder, "é uma crescente polarização
ideológica que dificulta a governabilidade e as coalizões governistas".
Os resultados das
eleições na França, segundo a especialista em relações
internacionais, mostraram que uma aliança entre centro e esquerda pode ser
eficaz para conter a extrema direita. No entanto, a professora alerta que
"o desafio agora é garantir que essa aliança seja acomodada nos arranjos
políticos e forme um governo viável."
Ela destaca que, no
caso do Reino Unido, após 14 anos sob comando do Partido
Conservador, "a esquerda está conseguindo dar respostas mais
articuladas, uniformizando o posicionamento em relação às pautas políticas e
transnacionalizando o debate."
·
Onda à esquerda?
Ariane Roder avalia
que, apesar do crescimento da extrema direita, as vitórias da esquerda na
França e no Reino Unido têm o potencial de inspirar uma onda política mais
à esquerda na Europa. A professora destaca que "esses resultados podem
servir como lição estratégica para partidos de esquerda em diversos países do
globo, pois houve um arranjo muito bem-sucedido na articulação da coalizão que
impossibilitou o avanço da extrema direita."
De acordo com a
professora, há "três grandes lições" que os partidos de esquerda de
outros países podem tirar dos casos francês e britânico.
"Aumentar
o engajamento eleitoral, sobretudo do eleitorado jovem, recuperando o movimento
das manifestações de rua; articulação com o centro, formando uma coalizão
defensiva em relação à extrema direita; e constituição de pautas e discursos
mais coesos e uniformes da esquerda global."
¨ Enquanto isto... Bolsonaristas articulam na Europa criação de
coalizão da extrema direita internacional. Por Alice Maciel
Após fortalecer os
laços com a extrema direita dos Estados Unidos (EUA) e da América Latina, o
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em parceria com o ex-ministro da
Casa Civil Onyx Lorenzoni (PL-RS), está articulando na Europa a fundação de uma
coalizão de partidos conservadores dos dois continentes. O movimento “Aliança
pela Liberdade”, com lançamento previsto para outubro em Portugal, foi tema do
discurso de Lorenzoni durante o CPAC Brasil, congresso conservador realizado no
último final de semana em Balneário Camboriú (SC).
“Estou há um ano e
meio trabalhando para construir a Aliança pela Liberdade; reunir os partidos de
direita conservadores da Europa, com o nosso PL no Brasil, com os partidos
conservadores aqui da América, para que nós possamos ter, que nem a esquerda,
uma estrutura com capacidade de articulação, fortalecimento, compartilhamento
de experiências, para que nunca mais aconteça de o verde e amarelo ser retirado
do poder da forma que foi”, afirmou o ex-ministro.
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Por que isso importa?
- Lideranças da extrema direita estão se unindo para apoiar
parceiros internacionais e ajudar a reforçar narrativas de perseguições e
ataques à liberdade de expressão seguindo um modus operandi similar e
coordenado, tendo políticos brasileiros como parte dessa articulação.
Lorenzoni já havia
mencionado o projeto em entrevista concedida a um podcast português, em 26 de
junho. Ele mudou-se para o país após perder a eleição para o governo do Rio
Grande do Sul, em 2022. O político brasileiro concedeu a entrevista ao lado da
deputada do Chega Rita Matias, que participou desta edição do CPAC Brasil.
Organizado pelo
Instituto Conservador Liberal (ICl), de Eduardo Bolsonaro, o CPAC Brasil é a
versão nacional do maior congresso anual da direita norte-americana. Durante
dois dias, além de políticos e influenciadores locais, centenas de pessoas
acompanharam palestras de lideranças da extrema direita dos EUA, de países
europeus e latino-americanos.
“Hoje é tempo de o
Brasil contagiar o mundo outra vez, contagiar Portugal, contagiar a Europa, com
estes valores cristãos, com estes valores conservadores, com estes valores da
família, e eu venho aqui para dizer que nós estamos juntos, nós combatemos o mesmo
combate e temos um oceano que nos separa, mas muitas convicções que nos unem”,
discursou Rita Matias, em Balneário Camboriú.
A deputada apresentou
um vídeo da manifestação organizada por seu partido contra o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), quando ele esteve em Portugal, em abril de 2023.
“Nós sabemos o que vocês passam aqui e estamos juntos para trilhar esse caminho
com vocês”, concluiu a palestra sob aplausos da plateia.
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Missão de convocação pela Europa
Além do Chega, Onyx
Lorenzoni anunciou em seu perfil nas redes sociais que o partido de extrema
direita da Espanha Vox também fará parte da Aliança pela Liberdade. Ele
divulgou a informação em 15 de abril, após ter visitado a fundação Disenso, da
legenda espanhola, em Madri. “A parceria do Vox é motivo de muita honra para o
nosso movimento”, escreveu o ex-ministro.
O Vox é liderado por
Santiago Abascal, e o partido português Chega, pelo deputado André Ventura.
Eduardo Bolsonaro mantém diálogo com ambos.
Um vídeo gravado pelo
parlamentar brasileiro e Lorenzoni após um giro pela Europa, em junho de 2023,
foi o prenúncio das intenções dos bolsonaristas na região. “O que nós buscamos
aqui é aprender, integrar com os nossos partidos, somar experiências, e o que é
mais importante: trabalhar aliados para o presente e o futuro da Europa e do
Brasil”, disse Lorenzoni após ter visitado vários países com Eduardo Bolsonaro.
Eles passaram por
Portugal e Itália, onde se encontraram com lideranças dos partidos da extrema
direita Chega, Fratelli d’Italia e Lega Nord. “Em breve, quem sabe, a gente
anuncia algumas novidades aí?”, disse Eduardo na ocasião.
A proposta da Aliança
pela Liberdade se assemelha à do The Movement, organização criada pelo
estrategista americano Steve Bannon com objetivo de reunir partidos de direita
no mundo. Ela não deslanchou, mas Eduardo Bolsonaro, nomeado por Bannon ainda
em 2019 como representante do movimento na América Latina, parece que aprendeu
a lição.
“O que eu tento fazer,
especialmente com Eduardo, é falar sobre como [desenvolver] um movimento
nacionalista populista na América Latina, em como conectá-lo, fazer com que as
pessoas de cada país se comuniquem, compartilhem ideias, digam o que está dando
certo ou não”, contou Bannon em entrevista à BBC Brasil, em setembro de 2022.
·
Apelo por apoio ao
ex-presidente inelegível
Após a derrota de Jair
Bolsonaro nas urnas, sob a ameaça de prisão devido aos processos a que responde
na Justiça, Eduardo Bolsonaro tem usado suas relações internacionais para
defender desinformação, usando as teses falsas de que as eleições no Brasil teriam
sido roubadas, de que o país não seria mais uma democracia e de que seu pai
estaria sendo perseguido politicamente.
Este ano, o deputado
federal já viajou para os Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Hungria e
Argentina, em algumas ocasiões acompanhado de outros parlamentares brasileiros,
para expor o que eles chamam de “perseguição a críticos de Lula”. Conforme
mostrou a Agência Pública, nos EUA, Eduardo Bolsonaro e comitiva articularam com parlamentares americanos punições ao Brasil.
Durante sua
apresentação no CPAC, o anfitrião do evento falou da proposta do deputado
republicano Chris Smith “para aprovar uma lei nos Estados Unidos que trará
consequências para as autoridades brasileiras”. “A Venezuela, por exemplo, tem
vários ativos congelados nos Estados Unidos devido ao seu envolvimento com o
narcotráfico, devido a todas as questões de violações à liberdade. E esse
deputado, Chris Smith, ele já aprovou uma lei nesse sentido contra a
Bielorrússia”, afirmou Eduardo, como exemplo ao que está sendo negociado com os
americanos para ser replicado ao Brasil.
A lista de
participantes do CPAC Brasil no último final de semana é reflexo das
articulações internacionais encabeçadas por Eduardo Bolsonaro. Representantes
da extrema direita de países como Bolívia, Chile, Argentina, El Salvador,
Portugal, Holanda e EUA participaram do encontro e reforçaram apoio a Jair
Bolsonaro.
“Para deixar claro
para todos os conservadores aqui, eu não sou nenhum pouco fã do presidente
Lula. E, para ser sincero, Bolsonaro foi muito melhor”, disse o membro do
parlamento europeu Rob Roos durante sua apresentação. Roos foi anfitrião de uma
comitiva de deputados brasileiros, incluindo Eduardo Bolsonaro, no Parlamento
Europeu, em abril.
“A preocupação que eu
tenho com o Brasil é a mesma preocupação que eu tenho com todo o mundo. Em todo
o mundo, a democracia está sendo ameaçada. Mas a democracia não está sendo
atacada ou ameaçada pela direita radical, como a imprensa de esquerda adora dizer.
A democracia e a liberdade estão sendo ameaçadas por um bando de burocratas que
nunca foram eleitos por ninguém, que são pesadamente ideologizados e que
assumiram o controle de todas as instituições importantes do país. As cortes,
as universidades, a imprensa, o serviço público, tudo sob o controle dessas
pessoas”, afirmou Roos em sua apresentação.
Frequentador de
edições anteriores do CPAC Brasil, o presidente da Argentina, Javier Milei,
também apostou na desinformação ao reforçar as falsas teses de que Bolsonaro
sofreria perseguição judicial e de que a liberdade de expressão estaria sob
ataque: “Vejam o que aconteceu na Venezuela, vejam o que aconteceu na Bolívia,
vejam a perseguição policial que sofre Jair Bolsonaro aqui no Brasil”. Essa foi
a primeira visita oficial de Milei ao Brasil como chefe de Estado e ele não se
encontrou com Lula.
O argentino Giovanni
Larosa, que trabalhou para o consultor político Fernando Cerimedo, autor de um
vídeo com informações falsas sobre as urnas eletrônicas, também participou do
evento. Conforme revelou a Pública,
Larosa recebeu recursos da campanha de Eduardo Bolsonaro, em 2022.
Fonte: Fórum/Agencia
Pública
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