quinta-feira, 11 de julho de 2024

As lições da França e Reino Unido que podem motivar onda à esquerda

As recentes vitórias da esquerda nas eleições legislativas na França e do Partido Trabalhista no Reino Unido marcaram um momento de transformação no cenário político da Europa. O trunfo progressista nos dois países veio menos de um mês após o fortalecimento da extrema direita nas eleições ao Parlamento Europeu e deu um certo alívio às forças democráticas da região. 

No caso francês, a Nova Frente Popular (NFP), coligação de partidos de esquerda, obteve o maior número de cadeiras no parlamento, e o partido de extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, que havia saído na frente no primeiro turno, ficou em terceiro lugar, atrás da coligação do presidente francês Emmanuel Macron, a Ensemble (Juntos).

A vitória da esquerda na França surpreendeu a muitos, visto que a extrema direita, após o bom desempenho no primeiro turno, já dava como certa sua vitória e era endossada, inclusive, por analistas políticos. Os franceses, entretanto, foram em massa às urnas, superando a alta taxa de abstenção na primeira volta, e deram a vitória aos partidos de esquerda, que devem fazer uma aliança com o centro para formar um novo governo.

Em entrevista à Fórum, a professora Ariane Roder, cientista política do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) e especialista em relações internacionais, explica que "Macron, com problemas de governabilidade, resolveu adotar uma estratégia arriscada e antecipar as eleições legislativas no país, diante do contexto da força apontada pela extrema direita".

"Após o primeiro turno apontar a vitória da extrema direita, a aliança do centro com a esquerda, superando suas diferenças, foi o caminho encontrado para conter o avanço dessa agenda extremista e conservadora. Os resultados surpreenderam até os mais otimistas", pontua. 

No Reino Unido, a vitória esmagadora do Partido Trabalhista, que conquistou 411 assentos no parlamento e retornou ao poder após 14 anos, indicando como novo primeiro-ministro Keir Starmer, já era prevista pelas pesquisas. Segundo Ariane Roder,  "o cenário vem apontando para a polarização político-ideológica dominando o cenário europeu, com o enfraquecimento dos partidos de centro, que passam a funcionar mais como pêndulo nessa balança política". 

·        Polarização na Europa

Apesar das vitórias da esquerda nas eleições francesas e britânicas, o avanço significativo da extrema direita no pleito ao Parlamento Europeu é um indicativo preocupante. Na própria França, a extrema direita foi a vencedora das eleições europeias, assim como na Itália e na Áustria.

O caso da Alemanha é particularmente notável, considerando que o AfD, partido de extrema direita que tem entre seus quadros neonazistas, se tornou, nas eleições europeias, a segunda força política do país que é, atualmente, governado por Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), de centro-esquerda — legenda que teve um de seus piores desempenhos da história no pleito ao Parlamento Europeu. 

"O que este movimento eleitoral recente revela sobre o atual cenário político europeu", observa Ariane Roder, "é uma crescente polarização ideológica que dificulta a governabilidade e as coalizões governistas".

Os resultados das eleições na França, segundo a especialista em relações internacionais, mostraram que uma aliança entre centro e esquerda pode ser eficaz para conter a extrema direita. No entanto, a professora alerta que "o desafio agora é garantir que essa aliança seja acomodada nos arranjos políticos e forme um governo viável."

Ela destaca que, no caso do Reino Unido, após 14 anos sob comando do Partido Conservador, "a esquerda está conseguindo dar respostas mais articuladas, uniformizando o posicionamento em relação às pautas políticas e transnacionalizando o debate."

·        Onda à esquerda?

Ariane Roder avalia que, apesar do crescimento da extrema direita, as vitórias da esquerda na França e no Reino Unido têm o potencial de inspirar uma onda política mais à esquerda na Europa. A professora destaca que "esses resultados podem servir como lição estratégica para partidos de esquerda em diversos países do globo, pois houve um arranjo muito bem-sucedido na articulação da coalizão que impossibilitou o avanço da extrema direita."

De acordo com a professora, há "três grandes lições" que os partidos de esquerda de outros países podem tirar dos casos francês e britânico. 

"Aumentar o engajamento eleitoral, sobretudo do eleitorado jovem, recuperando o movimento das manifestações de rua; articulação com o centro, formando uma coalizão defensiva em relação à extrema direita; e constituição de pautas e discursos mais coesos e uniformes da esquerda global."

 

¨      Enquanto isto... Bolsonaristas articulam na Europa criação de coalizão da extrema direita internacional. Por Alice Maciel

Após fortalecer os laços com a extrema direita dos Estados Unidos (EUA) e da América Latina, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em parceria com o ex-ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni (PL-RS), está articulando na Europa a fundação de uma coalizão de partidos conservadores dos dois continentes. O movimento “Aliança pela Liberdade”, com lançamento previsto para outubro em Portugal, foi tema do discurso de Lorenzoni durante o CPAC Brasil, congresso conservador realizado no último final de semana em Balneário Camboriú (SC).

“Estou há um ano e meio trabalhando para construir a Aliança pela Liberdade; reunir os partidos de direita conservadores da Europa, com o nosso PL no Brasil, com os partidos conservadores aqui da América, para que nós possamos ter, que nem a esquerda, uma estrutura com capacidade de articulação, fortalecimento, compartilhamento de experiências, para que nunca mais aconteça de o verde e amarelo ser retirado do poder da forma que foi”, afirmou o ex-ministro.

<><> Por que isso importa?

  • Lideranças da extrema direita estão se unindo para apoiar parceiros internacionais e ajudar a reforçar narrativas de perseguições e ataques à liberdade de expressão seguindo um modus operandi similar e coordenado, tendo políticos brasileiros como parte dessa articulação.

Lorenzoni já havia mencionado o projeto em entrevista concedida a um podcast português, em 26 de junho. Ele mudou-se para o país após perder a eleição para o governo do Rio Grande do Sul, em 2022. O político brasileiro concedeu a entrevista ao lado da deputada do Chega Rita Matias, que participou desta edição do CPAC Brasil.

Organizado pelo Instituto Conservador Liberal (ICl), de Eduardo Bolsonaro, o CPAC Brasil é a versão nacional do maior congresso anual da direita norte-americana. Durante dois dias, além de políticos e influenciadores locais, centenas de pessoas acompanharam palestras de lideranças da extrema direita dos EUA, de países europeus e latino-americanos.

“Hoje é tempo de o Brasil contagiar o mundo outra vez, contagiar Portugal, contagiar a Europa, com estes valores cristãos, com estes valores conservadores, com estes valores da família, e eu venho aqui para dizer que nós estamos juntos, nós combatemos o mesmo combate e temos um oceano que nos separa, mas muitas convicções que nos unem”, discursou Rita Matias, em Balneário Camboriú.

A deputada apresentou um vídeo da manifestação organizada por seu partido contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando ele esteve em Portugal, em abril de 2023. “Nós sabemos o que vocês passam aqui e estamos juntos para trilhar esse caminho com vocês”, concluiu a palestra sob aplausos da plateia.

<><> Missão de convocação pela Europa

Além do Chega, Onyx Lorenzoni anunciou em seu perfil nas redes sociais que o partido de extrema direita da Espanha Vox também fará parte da Aliança pela Liberdade. Ele divulgou a informação em 15 de abril, após ter visitado a fundação Disenso, da legenda espanhola, em Madri. “A parceria do Vox é motivo de muita honra para o nosso movimento”, escreveu o ex-ministro.

O Vox é liderado por Santiago Abascal, e o partido português Chega, pelo deputado André Ventura. Eduardo Bolsonaro mantém diálogo com ambos.

Um vídeo gravado pelo parlamentar brasileiro e Lorenzoni após um giro pela Europa, em junho de 2023, foi o prenúncio das intenções dos bolsonaristas na região. “O que nós buscamos aqui é aprender, integrar com os nossos partidos, somar experiências, e o que é mais importante: trabalhar aliados para o presente e o futuro da Europa e do Brasil”, disse Lorenzoni após ter visitado vários países com Eduardo Bolsonaro.

Eles passaram por Portugal e Itália, onde se encontraram com lideranças dos partidos da extrema direita Chega, Fratelli d’Italia e Lega Nord. “Em breve, quem sabe, a gente anuncia algumas novidades aí?”, disse Eduardo na ocasião.

A proposta da Aliança pela Liberdade se assemelha à do The Movement, organização criada pelo estrategista americano Steve Bannon com objetivo de reunir partidos de direita no mundo. Ela não deslanchou, mas Eduardo Bolsonaro, nomeado por Bannon ainda em 2019 como representante do movimento na América Latina, parece que aprendeu a lição.

“O que eu tento fazer, especialmente com Eduardo, é falar sobre como [desenvolver] um movimento nacionalista populista na América Latina, em como conectá-lo, fazer com que as pessoas de cada país se comuniquem, compartilhem ideias, digam o que está dando certo ou não”, contou Bannon em entrevista à BBC Brasil, em setembro de 2022.

·        Apelo por apoio ao ex-presidente inelegível

Após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, sob a ameaça de prisão devido aos processos a que responde na Justiça, Eduardo Bolsonaro tem usado suas relações internacionais para defender desinformação, usando as teses falsas de que as eleições no Brasil teriam sido roubadas, de que o país não seria mais uma democracia e de que seu pai estaria sendo perseguido politicamente.

Este ano, o deputado federal já viajou para os Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Hungria e Argentina, em algumas ocasiões acompanhado de outros parlamentares brasileiros, para expor o que eles chamam de “perseguição a críticos de Lula”. Conforme mostrou a Agência Pública, nos EUA, Eduardo Bolsonaro e comitiva articularam com parlamentares americanos punições ao Brasil.

Durante sua apresentação no CPAC, o anfitrião do evento falou da proposta do deputado republicano Chris Smith “para aprovar uma lei nos Estados Unidos que trará consequências para as autoridades brasileiras”. “A Venezuela, por exemplo, tem vários ativos congelados nos Estados Unidos devido ao seu envolvimento com o narcotráfico, devido a todas as questões de violações à liberdade. E esse deputado, Chris Smith, ele já aprovou uma lei nesse sentido contra a Bielorrússia”, afirmou Eduardo, como exemplo ao que está sendo negociado com os americanos para ser replicado ao Brasil.

A lista de participantes do CPAC Brasil no último final de semana é reflexo das articulações internacionais encabeçadas por Eduardo Bolsonaro. Representantes da extrema direita de países como Bolívia, Chile, Argentina, El Salvador, Portugal, Holanda e EUA participaram do encontro e reforçaram apoio a Jair Bolsonaro.

“Para deixar claro para todos os conservadores aqui, eu não sou nenhum pouco fã do presidente Lula. E, para ser sincero, Bolsonaro foi muito melhor”, disse o membro do parlamento europeu Rob Roos durante sua apresentação. Roos foi anfitrião de uma comitiva de deputados brasileiros, incluindo Eduardo Bolsonaro, no Parlamento Europeu, em abril.

“A preocupação que eu tenho com o Brasil é a mesma preocupação que eu tenho com todo o mundo. Em todo o mundo, a democracia está sendo ameaçada. Mas a democracia não está sendo atacada ou ameaçada pela direita radical, como a imprensa de esquerda adora dizer. A democracia e a liberdade estão sendo ameaçadas por um bando de burocratas que nunca foram eleitos por ninguém, que são pesadamente ideologizados e que assumiram o controle de todas as instituições importantes do país. As cortes, as universidades, a imprensa, o serviço público, tudo sob o controle dessas pessoas”, afirmou Roos em sua apresentação.

Frequentador de edições anteriores do CPAC Brasil, o presidente da Argentina, Javier Milei, também apostou na desinformação ao reforçar as falsas teses de que Bolsonaro sofreria perseguição judicial e de que a liberdade de expressão estaria sob ataque: “Vejam o que aconteceu na Venezuela, vejam o que aconteceu na Bolívia, vejam a perseguição policial que sofre Jair Bolsonaro aqui no Brasil”. Essa foi a primeira visita oficial de Milei ao Brasil como chefe de Estado e ele não se encontrou com Lula.

O argentino Giovanni Larosa, que trabalhou para o consultor político Fernando Cerimedo, autor de um vídeo com informações falsas sobre as urnas eletrônicas, também participou do evento. Conforme revelou a Pública, Larosa recebeu recursos da campanha de Eduardo Bolsonaro, em 2022.

 

Fonte: Fórum/Agencia Pública

 

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