As interferências de Bolsonaro para blindar
sua família
"Se puder dar um
filé mignon ao meu filho, eu dou", declarou o então presidente Jair
Bolsonaro em 19 de julho de 2019, ao se referir aos seus planos de indicar o
filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados
Unidos.
Eduardo nunca virou
embaixador, mas a frase se tornou simbólica da não diferenciação entre o
público e o privado e do uso do poder em favor de interesses familiares por
Jair Bolsonaro.
Nesta segunda-feira
(15/07), um outro caso em que o então presidente usou o cargo para agir em
favor da família, este envolvendo o filho senador, Flávio Bolsonaro (PL-RJ),
retornou às manchetes.
O ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo sobre uma
gravação de áudio de uma reunião na qual o então presidente Bolsonaro, o
ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e o
ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem
conversam sobre o uso ilegal da Abin para favorecer Flávio, no caso que ficou
conhecido como Abin Paralela.
A reunião foi gravada
por Ramagem, segundo ele mesmo confirmou pouco depois da divulgação do áudio, e
ocorreu em agosto de 2020. Segundo a PF, a conversa aborda o uso ilegal da Abin
para obter provas que pudessem anular as investigações por "rachadinha"
no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Em
2021, a apuração foi anulada pela Justiça.
Durante a reunião, as
advogadas de Flávio, Juliana Bierrenbach e Luciana Pires, discutiram formas de
obter informações sobre a investigação envolvendo o senador na Receita Federal
e no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). O então presidente se
prontificou a conversar com os chefes da Receita Federal e do Serpro.
Em 22 de fevereiro de
2022, o jornal Folha de S. Paulo já havia divulgado documentos que mostram que,
de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, a Receita deslocou dois
auditores-fiscais e três analistas tributários para apurar se servidores da
Receita no Rio de Janeiro haviam vasculhado de forma ilegal os dados de Flávio
e de familiares e, a partir daí, repassado informações ao Coaf, órgão
responsável pelo relatório de inteligência enviado ao Ministério Público do Rio
e que deu origem à investigação da "rachadinha".
• Jair Renan
Além de Flávio, também
outro filho do ex-presidente, Jair Renan Bolsonaro, é acusado de tráfico de
influência no caso da chamada Abin Paralela. A Polícia Federal (PF) afirma que
a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência foi utilizada durante o governo
do Bolsonaro para favorecer esses dois filhos do ex-presidente.
A acusação é de que
agentes da Abin usaram ilegalmente a estrutura da agência para produzir
informações que pudessem ser usadas como provas a favor de Flávio e Jair Renan
e para interferir em investigações da Polícia Federal que tinham os dois como
alvo.
A ordem para isso
teria sido dada por Ramagem, então diretor-geral da Abin, mas a origem dessa
ação seria um pedido do Gabinete de Segurança Institucional, comandado à época
pelo general Augusto Heleno.
De acordo com a PF, um
policial federal que atuava na agência foi designado para espionar Allan
Lucena, ex-sócio de Jair Renan numa empresa de eventos. Outro investigado é o
empresário Luís Felipe Belmonte, que pagou uma reforma no escritório de Jair
Renan.
O caso da Abin
Paralela não é a única suspeita de tráfico de influência envolvendo Jair Renan.
Uma outra investigação foi aberta pelo Ministério Público Federal em março de
2021 porque a empresa de Jair Renan, a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, teve sua
festa de inauguração registrada gratuitamente em foto e vídeo pela produtora de
audiovisuais Astronauta Filmes, que tem contratos com o governo federal.
O MPF também
investigou Jair Renan numa outra suspeita de tráfico de influência: ele foi
acusado de ter ajudado uma empresa, a Gramazini Granitos e Mármores (que
patrocinou a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia) a conseguir uma reunião com o então
ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para apresentar um
projeto de moradias populares.
O próprio Jair Renan
participou dessa reunião, que ocorreu em 13 de novembro de 2020 e que foi
agendada pelo então assessor especial da Presidência Joel Fonseca. Segundo a
revista Veja, Jair Renan solicitou a audiência ao gabinete da Presidência da
República.
A Gramazini e uma
outra empresa, o grupo WK, apoiaram a iniciativa empresarial de Jair Renan e
tiveram suas logomarcas impressas na decoração da parede de entrada do
escritório da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, num camarote no estádio Mané
Garrincha, em Brasília.
Essas duas empresas
chegaram a doar um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil a um projeto parceiro
da empresa de Jair Renan, ao projeto MOB, de propriedade do ex-personal trainer
de Jair Renan, Allan Gustavo Lucena do Norte.
Jair Renan negou as
acusações envolvendo a Gramazini e o grupo WK numa entrevista ao SBT em abril
de 2022. Ele se disse revoltado e que estavam tentando incriminá-lo em algo que
ele não fez. "Eu não marquei nenhuma reunião com o governo. Eu nunca pedi
para ir na reunião. Eu fui convidado. Eu fui porque eu conhecia o pessoal.
Entrei mudo e sai calado", disse.
Em agosto de 2022, a
Polícia Federal encerrou a investigação do caso sem indiciar ninguém. A PF
afirmou não ter encontrado crimes na atuação de Jair Renan.
• Carlos Bolsonaro
Em abril de 2020, a
Polícia Federal identificou o vereador na câmara municipal do Rio de Janeiro
Carlos Bolsonaro, o segundo filho do ex-presidente, como sendo o articulador de
um esquema de disseminação de fake news.
Carlos é suspeito de
ter coordenado, durante o governo do pai, um "gabinete do ódio", uma
alegada milícia digital responsável por manchar a reputação de opositores nas
redes sociais e divulgar informações falsas.
Ciente de que as
investigações da PF haviam chegado ao seu filho, Bolsonaro exonerou o então
diretor da PF, Maurício Valeixo, que, por sua vez, era uma pessoa da confiança
do então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Foi essa ação de
Bolsonaro que resultou na saída de Moro do governo e no rompimento do ex-juiz
com o então presidente.
Moro criticou
duramente Bolsonaro, que acusou de interferir por motivos políticos no trabalho
da Polícia Federal. Moro disse que Bolsonaro queria no comando da PF alguém
para quem pudesse ligar para pedir informações sobre investigações e que o
então presidente da República estava preocupado com investigações em andamento.
"Não é o papel da Polícia Federal se prestar a esse tipo de função",
afirmou Moro, ao tornar pública sua renúncia.
"Havia interesse
em trocar superintendentes também. Novamente o do Rio de Janeiro, também o de
Pernambuco, sem que me fosse apresentada uma causa, uma razão para que essas
trocas fossem aceitáveis. Eu falei para o presidente que isso seria uma interferência
política e ele disse que seria mesmo", disse Moro.
Em janeiro de 2022, já
pré-candidato à Presidência, Moro revelou outro caso: ele disse que Bolsonaro
havia transferido, em 2019, o Coaf do Ministério da Justiça para o da Economia
para proteger os filhos nas investigações sobre "rachadinhas".
As investigações
referentes ao "gabinete do ódio" continuam. No dia 7 de julho, a
Polícia Federal prendeu preventivamente quatro pessoas e cumpriu mandados de
busca e apreensão por ordem do STF em Brasília, Curitiba, Juiz de Fora,
Salvador e São Paulo.
A Polícia Federal
afirmou que "as investigações revelaram que membros dos três poderes e
jornalistas foram alvos de ações do grupo, incluindo a criação de perfis falsos
e a divulgação de informações sabidamente falsas".
• Michelle Bolsonaro
O então presidente
Jair Bolsonaro também é acusado de pressionar, por meio de assessores, pela
liberação de joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita e que foram
apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos. O caso foi exposto
pelo jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março de 2023.
De acordo com a
reportagem original de O Estado de S.Paulo, as joias foram apreendidas quando
uma comitiva do governo Bolsonaro retornava ao Brasil após uma viagem oficial à
Arábia Saudita, em outubro de 2021. As peças estariam na mochila de um militar
que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque.
Os agentes encontraram
um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes. Os objetos
foram apreendidos. O militar então informou o ocorrido ao ministro Bento
Alburquerque, que tentou liberar as peças alegando se tratar de um presente
para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A Receita, porém, manteve a
apreensão.
Segundo a reportagem,
o governo Bolsonaro fez várias tentativas de recuperar as joias, mobilizando os
ministérios da Economia, de Minas e Energia e das Relações Exteriores. Segundo
o jornal Folha de S. Paulo, em dezembro de 2022, o próprio Bolsonaro teria
conversado por telefone com o então chefe da Receita Federal, Julio Cesar
Vieira Gomes, sobre a liberação das joias. Gomes teria pressionado os
servidores de Guarulhos para liberarem a entrega das peças ao ex-presidente.
• CLÃ BOLSONARO: Carlos foi ao cofre no BB
antes de Bolsonaro comprar duas casas no Vivendas da Barra
Locatário de um cofre
em agência do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, em parceria com o irmão Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Bolsonaro (PL-RJ) esteve no local antes do pai, Jair
Bolsonaro (PL) comprar as duas casas que possui no condomínio Vivendas da
Barra, na zona Sul do Rio de Janeiro.
Segundo parte da
investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ),
revelada pela jornalista Juliana Dal Piva no ICL Notícias, as duas casas foram
declaradas por Bolsonaro por valores bem abaixo da avaliação de mercado.
As duas residências
são ocupadas pelo próprio ex-presidente - quando está no Rio de Janeiro - e
pelo filho Carlos. Elas estão localizadas próximas à casa de Ronnie Lessa,
autor confesso dos tiros que assassinaram Marielle Franco e Anderson Gomes.
Segundo a reportagem,
Carlos esteve no cofre - localizado em uma agência do BB no centro do Rio - às
11h36 do dia 21 de janeiro de 2009, horas antes de Bolsonaro comprar a primeira
casa no condomínio.
No cartório, o clã
declarou que pagou R$ 409 mil à empresa Comunicativa-2003, que havia comprado a
mesma casa, em setembro de 2008, por R$ 580 mil.
À época, o imóvel foi
avaliado pela prefeitura do Rio por R$ 1,06 milhão para cobrança do Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Segundo a reportagem,
o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sinalizou indícios de
lavagem de dinheiro com a operação.
Já o segundo imóvel,
onde vive Carlos, foi comprado em 13 de dezembro de 2012, com valor declarado
de R$ 500 mil. Antes de Bolsonaro efetivar a compra, Carlos esteve no cofre do
BB por duas vezes - às 10h17 e 10h30.
Para cobrança de
impostos, à época a prefeitura do Rio estimou um valor de R$ 2,23 milhões pela
casa.
<><> O
cofre do clã
Segundo relatório
elaborado pelo Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e Corrupção do MP-RJ,
o senador Flávio Bolsonaro (PL) também acessou o cofre um dia antes de pagar R$
638 mil em dinheiro vivo na aquisição de dois apartamentos em 2012.
Os dados foram
descobertos a partir de um cruzamento de informações das investigações que
apuram peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa dentro do gabinete
do vereador e também de todas as informações levantadas no procedimento que
apurou os mesmos crimes no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj
(Assembleia Legislativa do Rio).
Nem mesmo os
promotores que conduziram as investigações do esquema de rachadinha no MP-RJ
sabiam da existência de um cofre em nome de Flávio Bolsonaro. A investigação
acreditava que o fluxo de dinheiro vivo no esquema era feito exclusivamente
pelo ex-assessor Fabrício Queiroz, pivô do escândalo no gabinete de Flávio. O
senador, porém, admitiu que guardou em casa cerca de R$ 30 mil.
Em nota, o senador
afirmou que manteve "um cofre no Banco do Brasil por razões de segurança.
Durante algum tempo, ele guardou itens pessoais e, posteriormente, deixou de
ser necessário. Os pagamentos mencionados pela repórter não têm qualquer ligação
com o cofre e estão registrados no cartório de imóveis”.
Fonte: Deutsche
Welle/Fórum
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