Apesar de
melhora em 2023, desmatamento no mundo segue alto
Não
é que o desmatamento seja algo
exclusivo de agora. Mais da metade das terras habitáveis do planeta já foram cobertas por florestas exuberantes e os seres humanos vêm alterando as paisagens há pelo menos 10 mil anos. O problema é que a perda florestal acelerou
dramaticamente no último século.
De
1900 para cá, uma área do tamanho dos Estados Unidos foi
desmatada. A mesma quantidade que foi perdida nos 9.000 anos anteriores, de
acordo com a plataforma científica online Our World in Data. E as perdas
continuam.
De
acordo com um novo estudo da Global Forest Watch publicado pela organização de
investigação World Resources Institute (WRI), a cada semana em 2023, o planeta
perdeu uma cobertura florestal tropical do tamanho de Cingapura. Isso mesmo com
a perda florestal tendo caído em comparação com 2022.
Normalmente,
as florestas são derrubadas para limpar terras para a agricultura e pecuária –
principalmente para criação de gado, cultivo de soja e extração de óleo de
palma – ou para obtenção de madeira.
Mas
essa não é a única causa do aumento no desmatamento. Incêndios florestais
também têm tido um grande impacto nessa questão, à medida que as alterações
climáticas os tornam cada vez mais frequentes. Incêndios recordes no Canadá
levaram a um aumento de cinco vezes na perda de florestas no ano passado.
Visando
frear os impactos das mudanças climáticas, a maioria dos países se comprometeu
a zerar a perda florestal até 2030. Mas essa meta não está nem perto dos níveis
necessários para ser atingida em apenas seis anos.
"O
mundo deu dois passos para frente e dois para trás no que diz respeito à perda
florestal do ano passado”, disse Mikaela Weisse, Diretora Global de Observação
Florestal do WRI, em um comunicado.
Países
como o Brasil e a Colômbia reduziram drasticamente as taxas de perda de
florestas tropicais, mas os seus ganhos foram em grande parte anulados por
enormes aumentos em países como Bolívia, Laos e Nicarágua, de acordo com os
dados do estudo pesquisados pela Universidade de Maryland, nos Estados
Unidos.
·
Por que as florestas são tão importantes?
Florestas
saudáveis garantem que os humanos tenham ar suficiente para respirar, absorvendo dióxido de carbonoe
produzindo oxigênio.
As
florestas também recarregam a nossa água potável e funcionam como filtros
naturais. Seus sistemas radiculares absorvem o excesso de nutrientes e
poluentes do escoamento das chuvas antes de entrarem nos aquíferos, mantendo a
água segura para consumo.
Essas
mesmas raízes protegem contra deslizamentos de terra ao manterem o solo unido,
combatem as inundações após fortes chuvas, uma vez que ajudam na absorção de
água, e, no caso das florestas de mangue, amortecem as ondas durante as
tempestades, atuando como uma fortaleza costeira.
As
florestas também desempenham um papel importante na nossa garantia de
alimentos, seja de maneira direta, através do abrigo direto de frutas e animais
selvagens que as pessoas comem, seja de maneira indireta, através do apoio à
agricultura através do abrigo de polinizadores e do fornecimento de água.
Elas
sustentam diretamente a subsistência de 1,6 milhão de pessoas, fornecendo
madeira, combustível, alimentos, empregos e abrigo. Cerca de 300 milhões de
pessoas vivem em florestas.
Além
das vidas humanas, as florestas sustentam mais de 80% da biodiversidade
terrestre, incluindo 80% dos anfíbios e 75% das aves. As florestas tropicais
são especialmente pesadas, abrigando mais da metade das espécies de vertebrados
do mundo.
Quando
as florestas tropicais são derrubadas, cerca de 100 espécies são extintas todos
os dias, de acordo com a ONG internacional de conservação WWF. A biodiversidade
é fundamental para a sobrevivência contínua da humanidade.
·
Como as florestas estão ligadas às mudanças
climáticas?
As
florestas são essenciais para abrandar as mudanças climáticas. Os modelos
elaborados pelo órgão científico da ONU, o Painel Intergovernamental sobre
Alterações Climáticas (IPCC), mostraram que parar o desmatamento e restaurar
árvores é fundamental para manter o aquecimento do planeta abaixo dos 2 graus
Celsius. Esse é o limite acordado pelos líderes mundiais em Paris em 2015 para evitar os piores efeitos da crise climática.
Isto
ocorre porque as florestas são os maiores sequestradores de carbono do
planeta, juntamente com os oceanos e o solo. Elas absorvem grandes quantidades
dos gases que aquecem o clima, que são em grande parte liberados pela queima de
combustíveis fósseis.
Mas
quando as florestas são desmatadas, não só perdemos uma força potencial de
absorção do CO2, como lançamos mais gás carbônico de volta na atmosfera, o que
acelera os impactos das mudanças climáticas.
Apesar
disso, não é apenas o seu papel na regulação do CO2 que afeta a atmosfera. As
florestas também ajudam na criação de nuvens, que refletem a luz solar de volta
ao espaço. Elas também atuam como um ar-condicionado natural quando liberam
umidade no ar por meio da evaporação. Até mesmo o formato das copas das árvores
desempenha um papel complexo nos movimentos do vento e nos sistemas climáticos.
·
O que pode ser feito para salvar as
florestas?
Reversões
no desmatamento são possíveis. Em 2023, o Brasil reduziu a perda de florestas nativas em 36%, enquanto as perdas caíram 49% na Colômbia, em comparação com o
ano anterior, em parte graças à ação política.
Os
ganhos da Colômbia foram em grande parte impulsionados por um processo de paz
dentro do país, com negociações entre diferentes grupos armados a dar
prioridade explícita à conservação das florestas.
No
caso do Brasil, o presidente Lula fez
do desmatamento uma meta políticapor meio
do fortalecimento da aplicação da lei, da revogação de políticas ambientalmente
destrutivas e do reconhecimento de territórios indígenas. Completamente o
oposto do governo federal anterior, cujas políticas ajudaram a impulsionar a
perda de florestas sob o pretexto de da busca por desenvolvimento econômico.
"Os
países podem reduzir as taxas de perda florestal quando reúnem vontade política
para fazer isso. Mas também sabemos que o progresso pode ser revertido quando
os ventos políticos mudam”, disse Rod Taylor, Diretor Global de Florestas do
WRI, numa teleconferência.
De
acordo com Taylor, para contrariar este efeito ioiô, é importante que se
reconheça o valor que a floresta enquanto está viva. "A economia global
precisa aumentar o valor das florestas em pé em relação aos ganhos de curto
prazo oferecidos pelo desmatamento de florestas para abrir caminho a
explorações agrícolas, minas ou novas estradas”, argumentou.
·
De que outra maneira as florestas podem ser
protegidas?
Algumas
formas de fazer isso incluem iniciativas globais que atribuem um valor às
florestas com base na quantidade de carbono que elas podem armazenar. Há também
esforços de especialistas para pagar diretamente aos residentes e proprietários
de terras que ajudam a preservar áreas florestais.
As
regulamentações podem ajudar a combater o desmatamento, concentrando-se nas
cadeias de abastecimento. O novo regulamento sobre desmatamento da União
Europeia, por exemplo, vai pressionar as empresas para garantir que as
importações de gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e produtos de
madeira não provenham de terras recentemente desmatadas.
Apoiar
as comunidades indígenas em florestas saudáveis pode
ajudar a proteger contra o desmatamento. Segundo o Banco Mundial, cerca de 36%
das florestas intactas remanescentes estão em terras indígenas.
O reflorestamento de áreas desmatadas é essencial para alcançar o Acordo de Paris, e muitos
países até consideram estabelecer uma floresta onde anteriormente não existia
nenhuma.
"São
necessários mecanismos globais ousados e
iniciativas locais únicas para alcançar reduções no desmatamento em todos os países tropicais”, disse o especialista florestal Rod Taylor.
¨
Lei antidesmatamento
da UE pode salvar florestas do mundo?
As
prateleiras dos supermercados europeus poderão em breve ser abastecidas com
vários produtos livres de desmatamento, graças a uma lei da União Europeia (UE) que "mudará o jogo".
Aprovado em
meados do ano passado e com entrada em vigor a partir do final deste ano,
o Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exige que os comerciantes que
colocam determinados produtos no mercado do bloco ou os exportam a partir dele
provem que essas mercadorias não são originárias de terras que foram desmatadas
após 2020.
O
regulamento tem como alvo as commodities com a maior pegada de desmatamento,
incluindo gado, cacau, café, óleo de palma – também conhecido como azeite de
dendê –, borracha, soja e madeira, além de produtos como chocolate, pneus,
móveis e papel derivados dessas commodities.
"É
a primeira do gênero", afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora sênior
de políticas florestais da ONG ambientalista WWF. "É uma mudança de paradigma que é benéfica para
nós."
·
Preocupação de vários países
Nas
últimas semanas, os Estados Unidos pediram
um adiamento da lei, afirmando que ela prejudicaria os produtores que não
pudessem cumpri-la.
Vários outros países,
inclusive vários Estados-membros da própria UE, expressaram preocupações sobre a carga
administrativa que a lei imporia aos agricultores.
Embora
a UE ainda não tenha respondido publicamente aos pedidos de adiamento dos EUA,
um porta-voz da Comissão Europeia disse
que estava "trabalhando muito ativamente" para preparar a entrada em
vigor da lei no próximo ano. Que impacto isso poderia ter sobre as florestas e
o meio ambiente do mundo?
·
Florestas são cruciais para clima e
biodiversidade
A
lei tem como objetivo reduzir a contribuição da Europa para a "taxa
alarmante" de desmatamento global e suas consequentes emissões e perda de
biodiversidade.
Estima-se
que o consumo na UE tenha sido responsável por cerca de 10% do desmatamento
global nas últimas décadas.
As
florestas são vitais para a vida no planeta, sustentando a existência de mais
de 80% de todos os animais, plantas e insetos terrestres. Elas garantem que
tenhamos ar suficiente para respirar, filtram nossa água potável e oferecem
proteção contra deslizamentos de terra, inundações e tempestades.
E
elas são cruciais quando se trata de mudanças climáticas. As florestas atuam
como grandes sumidouros de carbono e, se forem destruídas, o CO2 é liberado
novamente na atmosfera, alimentando o aumento da temperatura.
Apesar
de a maioria dos países ter se comprometido a interromper a perda de florestas
até 2030, o mundo não está nem perto dos níveis necessários para atingir esse
objetivo.
Somente
em 2023, uma cobertura de floresta tropical do tamanho de Singapura desapareceu
por semana. O desmatamento é um dos fatores mais importantes da mudança
climática, contribuindo com cerca de 20% das emissões de gases de efeito
estufa.
·
O papel da agricultura e do consumo
A
lei tem como objetivo a principal causa do desmatamento.
Estima-se
que 90% da perda de florestas seja causada direta ou indiretamente pela
expansão da agricultura, pois as árvores são cortadas para dar lugar a campos e
plantações, para alimentar a crescente demanda global por alimentos e outros
recursos. Entre 1990 e 2020, uma área agregada de floresta maior do que o
tamanho da UE foi convertida para uso agrícola.
De
acordo com a organização de pesquisa americana Instituto de Recursos Mundiais
(WRI, na sigla em inglês), apenas sete commodities – madeira, borracha, gado,
café, cacau, óleo de palma e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda
de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo
uma área de floresta com mais de duas vezes o tamanho da Alemanha.
·
Redução das emissões e da perda florestal
A
UE é o segundo maior mercado para esses produtos, depois da China, e a demanda
está crescendo.
Somente
o consumo e a produção contínuos de gado, café, óleo de palma, soja e madeira
estariam ligados ao desmatamento de 250 mil hectares de floresta por ano até
2030, de acordo com uma avaliação do impacto da lei na UE.
O
óleo de palma e a soja respondem por mais de 60% dos produtos importados pela
UE ligados ao desmatamento.
Embora
muitos países tenham tentado tornar mais transparentes e rastreáveis cadeias de
suprimento específicas – desde o cacau em Gana até a madeira na Indonésia –
o escopo das commodities e o tamanho do mercado-alvo diferenciam a
regulamentação da UE, explica Tina Schneider, diretora de governança e
políticas florestais do WRI. "A EUDR será muito importante no
combate ao desmatamento porque é a primeira regulamentação que abrange todo o
mercado das commodities listadas."
A
Comissão afirma que a regulamentação poderia reduzir as emissões de carbono
causadas pelo consumo e pela produção dos produtos listados na UE em pelo menos
32 milhões de toneladas métricas por ano e salvar mais de 70 mil hectares de
florestas.
"Com
uma agricultura mais eficiente e ecologicamente correta nas terras existentes,
não deve haver necessidade de novos desmatamentos", diz
Schulmeister-Oldenhove, da WWF, acrescentando que, pelo regulamento, a UE
apoiará os países parceiros na transição para um modelo de produção mais
sustentável.
Ela
acrescenta que, embora outros fatores de desmatamento não sejam abordados pela
regulamentação – como a criação de aves e suínos, assim como a extração de
metais e minerais –, os produtos que ela abrange são extensos o suficiente para
minimizar a chance de ter em seu prato algo que "custe uma floresta".
·
As empresas, por si só, não fazem o
suficiente
Um estudo de 2022 sobre
as 350 empresas mais influentes ligadas ao desmatamento constatou que 72% delas
não tinham um compromisso para todas as commodities em sua cadeia de
suprimentos sob esse risco.
"Ter
medidas voluntárias que não estão realmente produzindo os resultados desejados
não é bom se quisermos atingir a meta global de interromper e pôr um fim à
perda de florestas", diz Schneider. "Para obter uma ampla aceitação
em todo o mercado, é preciso regulamentação."
Vários
países reclamaram que a regulamentação sobrecarrega os agricultores. No
entanto, Schneider enfatiza que, embora os agricultores possam ser solicitados
a fornecer informações – como dados de geolocalização de seus terrenos – a
obrigação legal de coletar e relatar essas informações recai exclusivamente
sobre as empresas mais abaixo na cadeia de suprimentos, que colocam os produtos
no mercado da UE.
De
acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, a instituição está trabalhando
arduamente para ajudar os pequenos agricultores a se prepararem para a lei,
inclusive por meio de dois programas financiados com um total de 110 milhões de
euros (R$ 662 milhões). Segundo ele, algumas associações de pequenos
agricultores enfatizaram que a EUDR poderia lhes proporcionar novas
oportunidades, incluindo uma posição mais forte na cadeia de valor por terem
seus dados de geolocalização.
E
embora as cadeias de suprimentos sejam notoriamente complexas de rastrear –
muitas vezes abrangendo vários atores e cruzando fronteiras –, Schneider diz
que agora há um número crescente de tecnologias e plataformas que facilitam
esse trabalho.
"Agora
estamos vendo esse enorme aumento na atenção e no esforço para que tudo isso
seja preparado a tempo de apoiar diretamente a devida diligência para a EUDR
para aqueles que colocam produtos no mercado da UE, ou de fornecer ao comprador
informações sobre a origem de seus produtos", afirma Schneider.
Ela
explica que embora os Estados Unidos e o Reino Unido também estejam caminhando
rumo a regulamentações semelhantes, a EUDR deu um grande impulso à luta contra
o desmatamento. "Ela comunica claramente ao resto do mundo e aos atores da
Europa que a UE está priorizando a responsabilidade pelo seu consumo e pelos
possíveis efeitos negativos desse consumo."
Fonte:
Deutsche Welle
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