quinta-feira, 4 de julho de 2024

Apesar de melhora em 2023, desmatamento no mundo segue alto

Não é que o desmatamento seja algo exclusivo de agora. Mais da metade das terras habitáveis ​​do planeta já foram cobertas por florestas exuberantes e os seres humanos vêm alterando as paisagens há pelo menos 10 mil anos. O problema é que a perda florestal acelerou dramaticamente no último século.

De 1900 para cá, uma área do tamanho dos Estados Unidos foi desmatada. A mesma quantidade que foi perdida nos 9.000 anos anteriores, de acordo com a plataforma científica online Our World in Data. E as perdas continuam.

De acordo com um novo estudo da Global Forest Watch publicado pela organização de investigação World Resources Institute (WRI), a cada semana em 2023, o planeta perdeu uma cobertura florestal tropical do tamanho de Cingapura. Isso mesmo com a perda florestal tendo caído em comparação com 2022.

Normalmente, as florestas são derrubadas para limpar terras para a agricultura e pecuária – principalmente para criação de gado, cultivo de soja e extração de óleo de palma – ou para obtenção de madeira.

Mas essa não é a única causa do aumento no desmatamento. Incêndios florestais também têm tido um grande impacto nessa questão, à medida que as alterações climáticas os tornam cada vez mais frequentes. Incêndios recordes no Canadá levaram a um aumento de cinco vezes na perda de florestas no ano passado.

Visando frear os impactos das mudanças climáticas, a maioria dos países se comprometeu a zerar a perda florestal até 2030. Mas essa meta não está nem perto dos níveis necessários para ser atingida em apenas seis anos.

"O mundo deu dois passos para frente e dois para trás no que diz respeito à perda florestal do ano passado”, disse Mikaela Weisse, Diretora Global de Observação Florestal do WRI, em um comunicado.

Países como o Brasil e a Colômbia reduziram drasticamente as taxas de perda de florestas tropicais, mas os seus ganhos foram em grande parte anulados por enormes aumentos em países como Bolívia, Laos e Nicarágua, de acordo com os dados do estudo pesquisados ​​pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.

·        Por que as florestas são tão importantes?

Florestas saudáveis ​​garantem que os humanos tenham ar suficiente para respirar, absorvendo dióxido de carbonoe produzindo oxigênio.

As florestas também recarregam a nossa água potável e funcionam como filtros naturais. Seus sistemas radiculares absorvem o excesso de nutrientes e poluentes do escoamento das chuvas antes de entrarem nos aquíferos, mantendo a água segura para consumo.

Essas mesmas raízes protegem contra deslizamentos de terra ao manterem o solo unido, combatem as inundações após fortes chuvas, uma vez que ajudam na absorção de água, e, no caso das florestas de mangue, amortecem as ondas durante as tempestades, atuando como uma fortaleza costeira.

As florestas também desempenham um papel importante na nossa garantia de alimentos, seja de maneira direta, através do abrigo direto de frutas e animais selvagens que as pessoas comem, seja de maneira indireta, através do apoio à agricultura através do abrigo de polinizadores e do fornecimento de água.

Elas sustentam diretamente a subsistência de 1,6 milhão de pessoas, fornecendo madeira, combustível, alimentos, empregos e abrigo. Cerca de 300 milhões de pessoas vivem em florestas.

Além das vidas humanas, as florestas sustentam mais de 80% da biodiversidade terrestre, incluindo 80% dos anfíbios e 75% das aves. As florestas tropicais são especialmente pesadas, abrigando mais da metade das espécies de vertebrados do mundo.

Quando as florestas tropicais são derrubadas, cerca de 100 espécies são extintas todos os dias, de acordo com a ONG internacional de conservação WWF. A biodiversidade é fundamental para a sobrevivência contínua da humanidade.

·        Como as florestas estão ligadas às mudanças climáticas?

As florestas são essenciais para abrandar as mudanças climáticas. Os modelos elaborados pelo órgão científico da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), mostraram que parar o desmatamento e restaurar árvores é fundamental para manter o aquecimento do planeta abaixo dos 2 graus Celsius.  Esse é o limite acordado pelos líderes mundiais em Paris em 2015 para evitar os piores efeitos da crise climática.

Isto ocorre porque as florestas são os maiores sequestradores de carbono do planeta, juntamente com os oceanos e o solo. Elas absorvem grandes quantidades dos gases que aquecem o clima, que são em grande parte liberados pela queima de combustíveis fósseis.

Mas quando as florestas são desmatadas, não só perdemos uma força potencial de absorção do CO2, como lançamos mais gás carbônico de volta na atmosfera, o que acelera os impactos das mudanças climáticas.

Apesar disso, não é apenas o seu papel na regulação do CO2 que afeta a atmosfera. As florestas também ajudam na criação de nuvens, que refletem a luz solar de volta ao espaço. Elas também atuam como um ar-condicionado natural quando liberam umidade no ar por meio da evaporação. Até mesmo o formato das copas das árvores desempenha um papel complexo nos movimentos do vento e nos sistemas climáticos.

·        O que pode ser feito para salvar as florestas?

Reversões no desmatamento são possíveis. Em 2023, o Brasil reduziu a perda de florestas nativas em 36%, enquanto as perdas caíram 49% na Colômbia, em comparação com o ano anterior, em parte graças à ação política.

Os ganhos da Colômbia foram em grande parte impulsionados por um processo de paz dentro do país, com negociações entre diferentes grupos armados a dar prioridade explícita à conservação das florestas.

No caso do Brasil, o presidente Lula fez do desmatamento uma meta políticapor meio do fortalecimento da aplicação da lei, da revogação de políticas ambientalmente destrutivas e do reconhecimento de territórios indígenas. Completamente o oposto do governo federal anterior, cujas políticas ajudaram a impulsionar a perda de florestas sob o pretexto de da busca por desenvolvimento econômico.

"Os países podem reduzir as taxas de perda florestal quando reúnem vontade política para fazer isso. Mas também sabemos que o progresso pode ser revertido quando os ventos políticos mudam”, disse Rod Taylor, Diretor Global de Florestas do WRI, numa teleconferência.

De acordo com Taylor, para contrariar este efeito ioiô, é importante que se reconheça o valor que a floresta enquanto está viva. "A economia global precisa aumentar o valor das florestas em pé em relação aos ganhos de curto prazo oferecidos pelo desmatamento de florestas para abrir caminho a explorações agrícolas, minas ou novas estradas”, argumentou.

·        De que outra maneira as florestas podem ser protegidas?

Algumas formas de fazer isso incluem iniciativas globais que atribuem um valor às florestas com base na quantidade de carbono que elas podem armazenar. Há também esforços de especialistas para pagar diretamente aos residentes e proprietários de terras que ajudam a preservar áreas florestais.

As regulamentações podem ajudar a combater o desmatamento, concentrando-se nas cadeias de abastecimento. O novo regulamento sobre desmatamento da União Europeia, por exemplo, vai pressionar as empresas para garantir que as importações de gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e produtos de madeira não provenham de terras recentemente desmatadas.

Apoiar as comunidades indígenas em florestas saudáveis ​​pode ajudar a proteger contra o desmatamento. Segundo o Banco Mundial, cerca de 36% das florestas intactas remanescentes estão em terras indígenas.

reflorestamento de áreas desmatadas é essencial para alcançar o Acordo de Paris, e muitos países até consideram estabelecer uma floresta onde anteriormente não existia nenhuma.

"São necessários mecanismos globais ousados ​​​​e iniciativas locais únicas para alcançar reduções no desmatamento em todos os países tropicais, disse o especialista florestal Rod Taylor.

 

¨      Lei antidesmatamento da UE pode salvar florestas do mundo?

As prateleiras dos supermercados europeus poderão em breve ser abastecidas com vários produtos livres de desmatamento, graças a uma lei da União Europeia (UE) que "mudará o jogo".

Aprovado em meados do ano passado e com entrada em vigor a partir do final deste ano, o Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exige que os comerciantes que colocam determinados produtos no mercado do bloco ou os exportam a partir dele provem que essas mercadorias não são originárias de terras que foram desmatadas após 2020.

O regulamento tem como alvo as commodities com a maior pegada de desmatamento, incluindo gado, cacau, café, óleo de palma – também conhecido como azeite de dendê –, borracha, soja e madeira, além de produtos como chocolate, pneus, móveis e papel derivados dessas commodities.

"É a primeira do gênero", afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora sênior de políticas florestais da ONG ambientalista WWF. "É uma mudança de paradigma que é benéfica para nós."

·        Preocupação de vários países

Nas últimas semanas, os Estados Unidos pediram um adiamento da lei, afirmando que ela prejudicaria os produtores que não pudessem cumpri-la.

Vários outros países, inclusive vários Estados-membros da própria UE, expressaram preocupações sobre a carga administrativa que a lei imporia aos agricultores.

Embora a UE ainda não tenha respondido publicamente aos pedidos de adiamento dos EUA, um porta-voz da Comissão Europeia disse que estava "trabalhando muito ativamente" para preparar a entrada em vigor da lei no próximo ano. Que impacto isso poderia ter sobre as florestas e o meio ambiente do mundo?

·        Florestas são cruciais para clima e biodiversidade

A lei tem como objetivo reduzir a contribuição da Europa para a "taxa alarmante" de desmatamento global e suas consequentes emissões e perda de biodiversidade.

Estima-se que o consumo na UE tenha sido responsável por cerca de 10% do desmatamento global nas últimas décadas.

As florestas são vitais para a vida no planeta, sustentando a existência de mais de 80% de todos os animais, plantas e insetos terrestres. Elas garantem que tenhamos ar suficiente para respirar, filtram nossa água potável e oferecem proteção contra deslizamentos de terra, inundações e tempestades.

E elas são cruciais quando se trata de mudanças climáticas. As florestas atuam como grandes sumidouros de carbono e, se forem destruídas, o CO2 é liberado novamente na atmosfera, alimentando o aumento da temperatura.

Apesar de a maioria dos países ter se comprometido a interromper a perda de florestas até 2030, o mundo não está nem perto dos níveis necessários para atingir esse objetivo.

Somente em 2023, uma cobertura de floresta tropical do tamanho de Singapura desapareceu por semana. O desmatamento é um dos fatores mais importantes da mudança climática, contribuindo com cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa.

·        O papel da agricultura e do consumo

A lei tem como objetivo a principal causa do desmatamento.

Estima-se que 90% da perda de florestas seja causada direta ou indiretamente pela expansão da agricultura, pois as árvores são cortadas para dar lugar a campos e plantações, para alimentar a crescente demanda global por alimentos e outros recursos. Entre 1990 e 2020, uma área agregada de floresta maior do que o tamanho da UE foi convertida para uso agrícola.

De acordo com a organização de pesquisa americana Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), apenas sete commodities – madeira, borracha, gado, café, cacau, óleo de palma e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo uma área de floresta com mais de duas vezes o tamanho da Alemanha.

·        Redução das emissões e da perda florestal

A UE é o segundo maior mercado para esses produtos, depois da China, e a demanda está crescendo. 

Somente o consumo e a produção contínuos de gado, café, óleo de palma, soja e madeira estariam ligados ao desmatamento de 250 mil hectares de floresta por ano até 2030, de acordo com uma avaliação do impacto da lei na UE.

O óleo de palma e a soja respondem por mais de 60% dos produtos importados pela UE ligados ao desmatamento.

Embora muitos países tenham tentado tornar mais transparentes e rastreáveis cadeias de suprimento específicas – desde o cacau em Gana até a madeira na Indonésia – o escopo das commodities e o tamanho do mercado-alvo diferenciam a regulamentação da UE, explica Tina Schneider, diretora de governança e políticas florestais do WRI.  "A EUDR será muito importante no combate ao desmatamento porque é a primeira regulamentação que abrange todo o mercado das commodities listadas."

A Comissão afirma que a regulamentação poderia reduzir as emissões de carbono causadas pelo consumo e pela produção dos produtos listados na UE em pelo menos 32 milhões de toneladas métricas por ano e salvar mais de 70 mil hectares de florestas.

"Com uma agricultura mais eficiente e ecologicamente correta nas terras existentes, não deve haver necessidade de novos desmatamentos", diz Schulmeister-Oldenhove, da WWF, acrescentando que, pelo regulamento, a UE apoiará os países parceiros na transição para um modelo de produção mais sustentável. 

Ela acrescenta que, embora outros fatores de desmatamento não sejam abordados pela regulamentação – como a criação de aves e suínos, assim como a extração de metais e minerais –, os produtos que ela abrange são extensos o suficiente para minimizar a chance de ter em seu prato algo que "custe uma floresta".

·        As empresas, por si só, não fazem o suficiente

Um estudo de 2022 sobre as 350 empresas mais influentes ligadas ao desmatamento constatou que 72% delas não tinham um compromisso para todas as commodities em sua cadeia de suprimentos sob esse risco.

"Ter medidas voluntárias que não estão realmente produzindo os resultados desejados não é bom se quisermos atingir a meta global de interromper e pôr um fim à perda de florestas", diz Schneider. "Para obter uma ampla aceitação em todo o mercado, é preciso regulamentação."

Vários países reclamaram que a regulamentação sobrecarrega os agricultores. No entanto, Schneider enfatiza que, embora os agricultores possam ser solicitados a fornecer informações – como dados de geolocalização de seus terrenos – a obrigação legal de coletar e relatar essas informações recai exclusivamente sobre as empresas mais abaixo na cadeia de suprimentos, que colocam os produtos no mercado da UE.

De acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, a instituição está trabalhando arduamente para ajudar os pequenos agricultores a se prepararem para a lei, inclusive por meio de dois programas financiados com um total de 110 milhões de euros (R$ 662 milhões). Segundo ele, algumas associações de pequenos agricultores enfatizaram que a EUDR poderia lhes proporcionar novas oportunidades, incluindo uma posição mais forte na cadeia de valor por terem seus dados de geolocalização.

E embora as cadeias de suprimentos sejam notoriamente complexas de rastrear – muitas vezes abrangendo vários atores e cruzando fronteiras –, Schneider diz que agora há um número crescente de tecnologias e plataformas que facilitam esse trabalho.

"Agora estamos vendo esse enorme aumento na atenção e no esforço para que tudo isso seja preparado a tempo de apoiar diretamente a devida diligência para a EUDR para aqueles que colocam produtos no mercado da UE, ou de fornecer ao comprador informações sobre a origem de seus produtos", afirma Schneider.

Ela explica que embora os Estados Unidos e o Reino Unido também estejam caminhando rumo a regulamentações semelhantes, a EUDR deu um grande impulso à luta contra o desmatamento. "Ela comunica claramente ao resto do mundo e aos atores da Europa que a UE está priorizando a responsabilidade pelo seu consumo e pelos possíveis efeitos negativos desse consumo."

 

Fonte: Deutsche Welle

 

Nenhum comentário: