A
Grã-Bretanha está quebrada. Será que alguém pode consertá-la?
Há
um buraco no topo da cabeça de Rishi
Sunak. Roger Bairstow enfia o dedo indicador dentro, pressiona a palma em
torno das orelhas do primeiro-ministro e bate com força na mesa.
“Tem
acontecido sem parar”, exclama ele com um sorriso travesso. “Tem sido só vai,
vai, vai: um primeiro-ministro após o outro”.
Ao
lado de Sunak, há outras quatro figuras de argila, cada uma com cerca de doze
centímetros de altura, cada uma destronada pela pessoa à sua direita. “A
gangue”, Bairstow os chama: Liz Truss, Boris Johnson, Theresa May e David
Cameron. Ele esculpiu cada uma à mão.
Bairstow
é ceramista desde os 14 anos, nascido e criado em Stoke-on-Trent, a cidade que
construiu a indústria de cerâmica da Grã-Bretanha. Ele faz jarros
retratando líderes britânicos desde 1997, quando, em uma feira, sentiu um
súbito desejo de satirizar as orelhas de Tony Blair.
O
chão de sua oficina, coberto de tinta seca, estala sob os pés. “Você tem que
ser muito cuidadoso ao manusear argila”, diz Bairstow, agora sério, apontando
para o forno onde seus líderes são queimados a 1.215 graus Celsius. “Um
movimento errado e… pfft”. Ele bate as mãos para dar ênfase. Mas o trabalho
nunca foi tão exigente, porque em Londres, líder após líder sucumbiu ao calor.
O
Partido Conservador governou o Reino Unido por 14 anos tumultuados,
depôs seu próprio primeiro-ministro quatro vezes no processo. Passou de uma
ideologia para outra e de um escândalo para o próximo, transformando
indelevelmente o país enquanto se fixava em uma guerra interna interminável.
Sunak
entrou em Downing Street em outubro de 2022, quando o governo de Truss implodiu
após apenas seis semanas; a tinta de Bairstow mal havia secado em sua figura de
cerâmica quando ela renunciou.
E
talvez nenhuma cidade tenha convulsionado mais violentamente com as
consequências do projeto de 14 anos dos conservadores do que Stoke-on-Trent.
Seis
cidades federadas – também conhecidas como as Potteries (Olarias, na tradução
livre) – perderam bibliotecas, programas de assistência infantil e centros
comunitários quando o programa de austeridade de Cameron começou a morder no
início dos anos 2010.
Elas
votaram esmagadoramente pelo Brexit em 2016, quando Johnson convenceu o país a
trilhar um caminho longe da Europa. E romperam com décadas de tradição em 2019,
abandonando o Partido Trabalhista em uma eleição que Johnson venceu com uma
vitória monumental.
O
que a cidade recebeu de volta? “Está uma bagunça”, diz Bairstow, um eleitor
conservador de longa data, sobre sua cidade. “Não temos caráter”.
O
declínio de Stoke não foi revertido. Suas ruas comerciais estão vazias, seus
salários são baixos, seus serviços públicos enfrentam dificuldade e chaminés de
antigas fábricas em ruínas pontilham seu horizonte. É a Grã-Bretanha em
miniatura; desiludida, mas continuando em frente, desesperada por mudança, mas
duvidosa de que alguém possa entregá-la.
Stoke,
e o resto do campo de batalha político do “Muro Vermelho” que atravessa a
região das Midlands e o Norte da Inglaterra, está pronto para encerrar a era
conservadora na quinta-feira (4); as previsões indicam que seus eleitores
abandonarão os conservadores nas eleições gerais,
devolvendo o Partido Trabalhista ao poder com uma vitória potencialmente
monumental.
Mas
Stoke está, para usar o jargão, exausta; o ceticismo é a moeda. As pesquisas
preveem uma mudança épica na quinta-feira. A maioria das pessoas em Stoke se
pergunta se algo realmente vai mudar.
·
Um legado doloroso
Todos
parecem lembrar de um tempo melhor nas Potteries. Bairstow recorda com um
brilho nos olhos a viagem para a fábrica de seu pai nos anos 1950, quando sua
cidade de Hanley era movimentada.
“Havia
uma fábrica em cada esquina”, diz ele. Ele sente falta disso; Bairstow tinha 6
anos quando se apaixonou pela cerâmica. “Sempre esteve lá”, diz ele. “Sempre”.
As
cidades de Stoke-on-Trent – Hanley, Burslem, Tunstall, Longton, Fenton e Stoke
– encontraram fortuna sob seus pés dois séculos antes, na forma de argila e
carvão. Foi uma “combinação geológica notável”, explica Tristram Hunt, diretor
do Museu V&A de Londres, que foi deputado trabalhista de Stoke Central
entre 2010 e 2017.
Mas
a era pós-industrial tem sido dura. Os trabalhadores das “Pits n’ Pots”
sentiram-se alvo de Margaret Thatcher e ignorados por Tony Blair. E desde 2010,
a austeridade – um programa severo de corte de custos supervisionado por
Cameron, destinado a reduzir os déficits orçamentários – tem corroído os
alicerces de Stoke.
A
prefeitura de Stoke quase faliu este ano. Os serviços de ônibus foram cortados.
Aumentou o número de moradores de rua. Centros comunitários foram fechados.
Quase quatro em cada dez crianças vivem na pobreza. Ambulâncias muitas vezes
demoram horas para chegar, depois voltam a um hospital que tem lutado com falta
de pessoal.
Um
trem de alta velocidade deveria conectar esta parte do país aos seus centros
econômicos. Levou tempo, custou dinheiro, causou discussões e, no final, nunca
aconteceu.
“O
país está ferrado agora, basicamente”, diz Mark Gibney, 40, que já teve uma
loja de roupas para bebês, mas agora trabalha em um pub. Ele passa todos os
dias pelo antigo ponto de venda de sua loja, agora com as janelas tapadas. Ele
olha para sua filha. “Como será quando ela tiver a minha idade?”
As
cidades do Reino Unido precisam urgentemente de um impulso. O governo de
Johnson, distanciando-se da política de austeridade, desviou fundos dos
principais centros como parte de sua promessa muito anunciada de “nivelar” o
país. Stoke, um campo de batalha eleitoral, foi um teste decisivo para o
esquema.
Mas
até mesmo a ex-deputada conservadora representante da cidade admite que o
projeto ficou aquém das expectativas impossivelmente altas que criou.
“Uma
enorme quantidade de dinheiro entrou na cidade, mas as pessoas não veem isso
(porque) elas chegam no centro da cidade e ainda há pessoas sem-teto”, diz Jo
Gideon, que ganhou Stoke Central para os conservadores em 2019, mas não foi
selecionada para disputar novamente.
As
promessas de financiamento, ela diz, fracassam quando as pessoas “não conseguem
uma consulta médica, ou os buracos não foram consertados, ou os trens não
chegam na hora”.
Gideon
se chama de “deputada acidental” – sua vitória em Stoke em 2019 desafiou as
expectativas e um século de evidências de que a cidade votaria no Partido
Trabalhista. Mas ela diz que seu partido rapidamente se perdeu. “A política é
vencida no centro – por que estamos cedendo esse espaço ao Partido
Trabalhista?”
A
constante troca de promessas, políticas e líderes deixou uma ferida. “A
confiança se foi”, diz Gibney. “Todo mundo diz uma coisa e faz exatamente o
oposto”. A fé na política está em um nível recorde de baixa na Grã-Bretanha, de
acordo com a pesquisa de Atitudes Sociais Britânicas.
Alguns
em Stoke apontam um momento específico em que perderam a fé no governo – as
promessas não cumpridas do Brexit; a enxurrada de escândalos de corrupção; a
saga do “Partygate” durante a pandemia que destruiu o governo de Johnson; o
catastrófico experimento econômico de Truss. Mas, para a maioria, a
desconfiança cresceu lentamente, como o ruído da rua que invade um sonho.
Gibney
tem outras preocupações, de qualquer forma. “Desde sexta-feira (29), tivemos
uma pessoa que pulou do telhado do pub na rua, tivemos um carro em chamas na
rua onde moro e, esta manhã, tivemos uma batida policial por drogas”, diz ele.
“Eu adoraria que existisse uma caixinha na parte inferior da cédula onde
dissesse: ‘sem confiança’”.
·
Uma cidade “destruída”
A
tinta está descascando na Hope Street. Há quinze anos, nesta rua em Hanley,
você podia consertar sua bicicleta, afinar sua guitarra e pegar uma comida para
levar sem passar por outra fachada de loja. Todos esses negócios, e mais, se
foram agora.
Há
muitos culpados: compras online, salários que não acompanharam a inflação,
contas domésticas mais altas. Stoke tem a maior taxa de domicílios em pobreza
energética do país, o que significa que sua renda após pagar pela energia
ficará abaixo da linha da pobreza, de acordo com a National Energy Action. As
rendas aqui cresceram apenas 0,7% ao ano, em média, entre 2010 e 2021 – muito
atrás do crescimento anual de 1,2% que viram entre 1998 e 2010.
No
topo da rua, Paul Ray anda inquieto. Ele culpa outro mal. “O pó destruiu a
cidade”, diz ele. “Mudou o jogo das drogas, mudou a cidade, mudou tudo”.
Stoke
é a capital relutante do “pó de macaco”, uma nova e perigosa droga sintética
que as autoridades têm lutado para controlar. Ray, de 30 anos, diz que ela
deixa as pessoas “subindo em prédios, se esfaqueando, perdendo a cabeça”.
Ele
diz que sua própria vida foi desviada por um vício no pó. Ray acabou de sair da
prisão por um crime com armas de fogo e está esperando fora de um centro de
tratamento de drogas. Ele tem alternado entre as delegacias de polícia,
hospitais e o submundo das drogas de Stoke por anos; ele planeja ficar na
cidade para ficar sóbrio. Mas Stoke precisa de ajuda, ele diz, e tudo o que ele
viu foi drama.
“Votei
nos conservadores nas últimas vezes. Agora, não sei por que estou me
incomodando com isso… Tem sido como uma porta giratória”.
Os
políticos “escolhem para onde vai o dinheiro e em quais serviços o dinheiro é
investido”, diz ele. “Habitação é um problema, então você comete crimes, depois
drogas… É como um triângulo de fogo; se você tirar um desses (problemas),
poderia resolver tudo”.
·
Uma nova era
Gareth
Snell entende a escala do problema. “Eu costumava achar, como deputado, que
Stoke estaria no topo das listas de coisas nas quais você não queria estar no
topo, e no fim das listas de coisas nas quais você não queria estar no fim”,
diz ele.
Ele
está concorrendo para retornar como deputado trabalhista de Stoke Central, após
perder para Gideon em 2019. Naquela noite, comentaristas falaram de uma década
de governo conservador sob a liderança de Johnson. Eles se perguntaram quando,
se é que algum dia, as cidades do Muro Vermelho, como Stoke, voltariam ao
Partido Trabalhista. O pedido da CNN para entrevistar o
candidato conservador, Chandra Kanneganti, foi recusado.
Politicamente,
o Partido Trabalhista está amplamente transformado agora, arrastado para o
centro pelo líder Keir
Starmer. Eles estão, por todas as previsões, à beira de uma vitória
monumental; até a maioria dentro da campanha conservadora admite em privado que
o jogo acabou.
Mas
a escala da oferta do Partido Trabalhista para reviver os serviços públicos da
Grã-Bretanha é modesta. O Instituto de Estudos Fiscais, não partidário, diz que
suas promessas de gastos públicos são “pequenas, quase triviais”. Acrescenta
que “entregar mudanças genuínas quase certamente também exigirá colocar
recursos reais na mesa”.
“As
pessoas com quem estou falando”, responde Snell, “não estão lendo relatórios do
IEF. Qualquer manifesto sempre poderia ser mais ousado, mas a realidade é que
não sabemos o que estamos herdando financeiramente”, acrescenta. “Não há um
pote infinito de dinheiro que podemos magicamente fazer aparecer da noite para
o dia”.
Ele
insiste que pressionará pelo financiamento que Stoke precisa – “Você pode dizer
não uma vez, mas vou continuar voltando” – mas ele não estará sozinho.
·
“Estou sempre lutando”
Na
cidade ao lado, June Cartwright não está esperando. Todos em Burslem conhecem
Cartwright, uma organizadora comunitária de 80 anos que trabalhou contra a
corrente para melhorar sua cidade natal. “Costumávamos ter centros
comunitários, não temos nada parecido (agora). Nenhuma biblioteca. Era uma
cidade tão movimentada”, diz ela.
Cartwright
personifica o único serviço público cada vez mais disponível aqui: uma
determinação e boa vontade entre vizinhos.
“Estou
sempre lutando”, ela acrescenta, com a energia que lhe resta. A luta começou em
2011. “O conselho decidiu que não financiaria uma árvore de Natal para nós. E o
filho pequeno do meu amigo disse: O Natal não vai vir para Burslem?”, ela
recorda.
Cartwright
arrecadou alguns milhares de libras e organizou um festival de Natal. No ano
seguinte, também houve festas de verão e um grupo comunitário completo. Mas a
chamada Rainha de Burslem está tentando se aposentar, se o telefone parar de
tocar. “Desculpe, não pude fazer mais”, ela diz.
Em
Hanley, Anna Francis – 40 anos mais jovem que Cartwright – está pegando o
bastão. Há uma década, Francis comprou uma casa no degradado bairro de Portland
Street em Hanley por £1 (cerca de R$ 7), como parte de uma iniciativa da
prefeitura para melhorar o bairro, que exigia que os compradores renovassem sua
propriedade e se envolvessem na comunidade.
Houve
interações tensas, no início, com seus novos vizinhos. “Alguns da comunidade
existente estavam realmente irritados; (eles) diziam: ‘você não é bem-vinda’”.
Mas
o esquema funcionou em grande parte. “A casa ao lado era uma casa fechada, a da
frente tinha pegado fogo e não tinha telhado, e a ao lado dessa estava vazia…
todas essas desde então foram renovadas”, diz Francis.
Francis
conseguiu financiamento para transformar um pub desativado em um espaço
comunitário local. Enquanto ele é renovado, seu grupo comunitário realiza
oficinas de cerâmica em um contêiner do outro lado da rua.
Neste
dia, e todas as terças-feiras, enquanto o sol de verão se põe, mães locais
estão fazendo figuras de pombos de barro. Seus filhos lutam boxe e jogam
futebol do lado de fora.
“Algumas
pessoas chamam (os pombos) de companheiros realmente brilhantes, e outras os
chamam de ratos voadores”, diz Francis. “Há uma maneira dupla de olhar para o
nosso bairro também, e estamos tentando virar isso para ver a história
positiva”.
Pode
não parecer o trabalho que Roger Bairstow tem feito desde os 14 anos. Mas esta
é a tradição de cerâmica secular de Stoke levada para um futuro incerto.
À
medida que o abismo emocional entre Stoke e Westminster se torna
impossivelmente amplo, a cidade tem se tornado dependente de pessoas como
Cartwright e Francis. Ambas dizem que seus vizinhos precisam de apoio, e elas
não podem fornecer tudo. Mas, por enquanto, estão fazendo algo com muito pouco.
“Stoke
é uma cidade realmente criativa”, diz Francis; sua história consiste em
“pessoas que reconheceriam os recursos do lugar”. Séculos atrás, isso
significava “tirar argila do chão e transformá-la em algo bonito, e depois
queimá-la”, diz ela.
“Hoje,
é um conjunto diferente de questões e recursos. Mas ainda é a mesma ética
Fonte:
CNN Brasil
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